MEMÓRIA DOCENTE
A memória, no seu sentido mais corriqueiro, refere-se à capacidade de recordar. A memória não se restringe à recuperação do passado vivido ou imaginado. Na rememoração, esse passado é impelido pelo presente em função das expectativas de futuro. Abrange, aliás, a fixação do tempo vivido e as funções do esquecimento (JELIN, 2002; ARÓSTEGUI, 2004). Esquecer algo; é deslocar o olhar retrospectivo e recompor, assim, uma paisagem diferente do passado (ROUSSO, 2002, p. 88).
Os homens recordam nas relações sociais; o fazem em grupos, instituições e culturas. Mais ainda, a memória individual é uma parte da memória do grupo, nunca se rememora sozinho. A rememoração de um sujeito supõe marcos ou quadros sociais (família, religião e classe social). Esses marcos estão carregados de representações gerais da sociedade, são visões de mundo que alentam os valores do grupo. Em outras palavras, ( ) as mesmas representações em ocasiões parecem ser lembranças e às vezes noções ou ideias gerais (HALBWACHS, 2004, p. 336).
Na dimensão coletiva da memória, localiza-se a ligação de memórias individuais entretecidas, nunca por adição, porque tais ligações se expressam no pertencimento dos sujeitos a uma multiplicidade de grupos que, por sua vez, são âmbitos de identificação coletiva e individual (RICOUER, 2004). A memória coletiva é uma acumulação das representações do passado que se produz, elabora e transmite na interação dos seus membros (JEDLOWSKI, 2001). Não é só cronológica, sua busca não se concentra no tempo real, mas envolve as vivências afetivas, os componentes latentes e manifestos e as imagens conectadas ao tempo presente.
A memória docente localiza-se na complexa rede de relações descrita, essa rede determina o que se esquece ou se lembra, para quem e para que; esta é a base a partir da qual os professores se vinculam uns com os outros. A identidade e a memória dos docentes, como representações construtivas da realidade, estão unidas. O fazer memória sustenta a identidade, é pela lembrança que se conserva nos grupos ou nas gerações um sentido de igualdade através do tempo e do espaço.
Existem dois tipos de memória: as habituais e as narrativas. Estas últimas são as que interessam para compreender a memória docente, nelas se distinguem duas formas: a memória biográfica e a memória institucional.
A narrativa biográfica permite ao docente produzir representações e compreender as relações imaginárias que mantêm os indivíduos em suas relações concretas, estabelece-se assim uma identidade reflexiva e não imediata com a sociedade, relacionando-se criticamente com o passado ao tomar distância das normas transmitidas. (REMEDI, 2004).
Na memória biográfica, consideram-se as histórias de vida, os relatos e as autobiografias (BOLIVAR, 2001), é a busca do tempo passado, é uma mistura complexa de elementos heteróclitos [em que advertimos], deslizamentos e condensações entre elementos culturais, sociais, econômicos (ligados ao contexto social e familiar) e elementos emocionais, afetivos, racionais (ligados ao funcionamento psíquico consciente e inconsciente). (GAULEJAC, 2005, p. 103).
O estudo da vida dos professores é uma tentativa de gerar uma contracultura se oponha à tendência de devolver os professores às sombras, escutando sua voz. Estas investigações aportam descobrimentos que dizem respeito aos movimentos de reestruturação curricular, às reformas educativas e à compreensão da profissão docente (GOODSON, 2004). Da mesma maneira, os relatos de experiências pedagógicas convocam a memória docente para que transite dos registros fragmentários e esquecidos do passado à documentação dos saberes dos docentes compartilhando trajetórias, mundos, preocupações, etc. entre colegas (SUÁREZ, 2007).
A memória biográfica é também um dispositivo para a formação ou autoformação dos professores, ressalta o valor da narrativa do docente para favorecer a aprendizagem e localizar o professor em uma prática subjetiva e intersubjetiva do processo de formação. O trabalho com as narrações biográficas conforma um processo de conhecimento: de si, dos processos formativos e das aprendizagens que se constroem ao longo da vida. (JASSO, 1999; SOUZA, 2006).
Agrega-se ao já dito que As histórias de vida e A memória docente ocupam um lugar privilegiado na memória institucional, as instituições são lugares onde se desdobra umsaber-fazer e uma experiência. Trabalhar com a memória institucional implica em recolher os vestígios do passado recuperando assim as memórias coletivas que definem as identidades sociais, é por isso que se apela à memória dos professores entre outros agentes para analisar de que maneira se entrelaçam acontecimentos laborais, assuntos de poder, vínculos libidinais individuais e grupais.
A memória dos professores aporta elementos para revisar e pensar a relação entre memória e utopia que tem lugar na instituição, sob a visão crítica da historia. Os docentes são portadores de uma memória-repetição e de uma memória reconstrução que articula passado, presente e futuro. Assuntos malogrados no passado podem nutrir as expectativas e lançar novamente a consciência histórica em direção ao futuro sem fixação no passado que rumina as grandezas perdidas e as humilhações sofridas