MOVIMENTO ESTUDANTIL

Autores/as: MARIA RIBEIRO DO VALLE

Participação política dos estudantes do ensino médio e, particularmente, do superior, em um movimento unificado em torno de reivindicações estudantis específicas ou de objetivos relacionados às conjunturas políticas mais amplas. Ele deve ser entendido a partir da diversidade dos momentos históricos, assumindo formas radicais ou moderadas, de contestação ou de apoio à ordem vigente. Para tanto, é fundamental o seu poder de aglutinação de demandas do conjunto dos estudantes e de articulação com interesses políticos de outros setores da sociedade. No Brasil, as abordagens sociológicas do ME – movimento estudantil – datam particularmente da década de 60. O historiador Artur Poerner, em seu livro o Poder Jovem,examina o ME desde a colônia até o início de 1968, indicando que, apesar de na Primeira República os estudantes terem sido portadores de orientações antipopulares e elitistas, “o estudante brasileiro é um oposicionista nato”. Nos anos 60, encontramos muitas outras análises que idealizam a atuação estudantil identificando a sua condição como a de vanguarda das classes populares (PINTO apud CUNHA, 1983; CHASIN, 1961). Chasin enfatiza a formação de uma consciência radical voltada à transformação da ordem vigente. Já para Octavio Ianni, embora o jovem desenvolva atuações políticas incompatíveis com os interesses de sua classe, ele apenas partirá para a contestação de classe propriamente dita ao ingressar no mercado de trabalho como assalariado (IANNI, 1963). Em contrapartida, existem interpretações que analisam o ME no sentido de entender a relação do radicalismo estudantil com a sua situação de classe, ou melhor, com as diferentes aspirações da classe média, como a pesquisa de Martins Filho (1987) e a de Décio Saes (1985). O estudo de Foracchi (1977), considerado um clássico na área, demonstra que as relações de classe eram constitutivas do comportamento e da ação estudantis. Podemos exemplificar as teorias desenvolvidas nesse extenso debate, a partir do conturbado jogo político que envolveu o ME e a ditadura militar em 1968, no Brasil, quando irromperam diversas concepções de lutas estudantis. Por parte da ditadura militar, encontramos discursos conservadores que repudiavam a participação política do estudantado, acentuando que os verdadeiros estudantes deviam voltar sua atenção exclusivamente para as aulas e não ser contaminados pelos elementos subversivos que ameaçavam a paz da nação. (CONTRADIÇÕES, 1968;MELLO, 1979). Os estudantes direitistas comungavam dessas ideias unindo-se aos grupos como o CCC – Comando de Caça aos Comunistas. Já dentre os estudantes esquerdistas, havia duas principais divergências quanto às bandeiras de luta. Por um lado, a luta específica, centralizada nas reivindicações estudantis, como, por exemplo, a luta contra a PEG – Política Educacional do Governo – e a defesa do ensino público e gratuito num contexto de aprofundamento da exploração das classes subalternas e de pauperização da classe média, à qual pertencia a maioria dos estudantes. E, por outro, a luta política, relacionada à conjuntura mais ampla que defendia ser fundamental a oposição à ditadura militar e ao imperialismo americano no horizonte da transformação da ordem vigente e na esteira das teorias anticapitalistas do século XIX, particularmente a marxista. No final do primeiro semestre de 1968, houve a opção do ME pela violência revolucionária, que já estava presente nas ações da esquerda armada e que foi reforçada pela forte adesão da população aos seus protestos. Para os estudantes, esse apoio significava a possibilidade de realização da transformação da ordem social vigente, mas, ao contrário de sua expectativa, ele diminuiu drasticamente a partir da proibição das passeatas e da explicitação da opção dos estudantes pela militarização, ao mesmo tempo em que houve o aumento ostensivo da repressão do governo no segundo semestre. Os estudantes ficaram isolados devido à prisão de seus principais líderes e à ausência cada vez maior da população, tendo sido o ME, enquanto movimento de massas, totalmente desmantelado (VALLE, 2008). Segundo análise de Coelho, “a derrota dos movimentos de 1968, sufocados pela ação repressiva do regime militar, repercute até hoje na sociedade brasileira” (COELHO, 2006, p. 44). O autor afirma também que “no período de 1969 a 1974, apenas a luta armada – além da contracultura – procurava combater a sociedade vigente” (COELHO, 2006, p. 41). E mais uma vez os estudantes foram atores significativos desses movimentos emancipatórios, além de retomarem o Movimento Estudantil no final da década, particularmente com a reconstrução da União Nacional dos Estudantes (UNE) (COELHO, 1990). Enquanto os estudos das décadas de 60 e 70 ficaram marcados pela ênfase na capacidade mobilizadora estudantil, parte significativa da literatura sociológica, durante as décadas seguintes, ao mesmo tempo em que tratou com menor frequência o tema, tentou compreender as práticas estudantis dos momentos mais recentes enfatizando o “escasso poder de aglutinação de demandas e interesses do conjunto dos estudantes” (SPOSITO, 2000, p. 79). Essa última concepção foi criticada particularmente por Helena Abramo (1994), que examinou as novas formas da presença juvenil nos anos 80 realizadas sobre punks e darks. Assim, embora ainda escassas as pesquisas desenvolvidas com jovens a partir dos anos 90, segundo Sposito, elas já “mostraram um alargamento de seus interesses e práticas coletivas, acentuando a importância da esfera cultural que fomenta mecanismo de aglutinação de sociabilidades (…)” (SPOSITO, 2000, p. 79). Eu acrescentaria que o ME de nossa atualidade, apesar de esporadicamente ainda apresentar aspectos políticos das formas de participação políticas tradicionais, como as ocupações das universidades de 2007 e 2008, trazendo novamente à luz possíveis aproximações com o ano de 1968, aponta também para a politização dos novos movimentos culturais juvenis.

Bibliografia

ABRAMO, H. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Scritta, 1994.

CHASIN, J. Algumas considerações a respeito do movimento estudantil brasileiro. Revista Brasiliense, São Paulo, n. 38, nov./dez. 1961.

COELHO, C. N. P. A contracultura: o outro lado da modernização autoritária. In: RISÉRIO, A. Anos 70: trajetórias. São Paulo, Iluminuras, 2006.

COELHO, C. N. P. A transformação social em questão: as práticas sociais alternativas durante o regime militar. 1990. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo.

CONTRADIÇÕES. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 jun. 1968. p. 6.

CUNHA, L. A. A Universidade crítica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983.

FORACHI, M. M. O Estudante e a transformação da sociedade brasileira. 2.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1977.

IANNI, O. Industrialização e desenvovimento social no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.

MARTINS FILHO, J. R. O movimento estudantil e ditadura militar, 1964-1968. Campinas: Papirus, 1987.

MELLO, J. P. A Revolução e o governo Costa e Silva.  Rio de Janeiro: Guavira, 1979.

POERNER, A. J. O poder jovem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969.

SAES, D. A. M. Classe média e sistema político no Brasil, São Paulo: T. A. Queiroz, 1985.

SPOSITO, M. P. Algumas hipóteses sobre as relações entre movimentos sociais, juventude e educação. Revista Brasileira de Educação, São Paulo, n. 13, p. 73-94, jan./abr. 2000.

VALLE, M. R. 1968: o diálogo é a violência: movimento estudantil e ditadura militar no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora da Unicamp, 2008.