MOVIMENTOS INSTITUINTES NA ESCOLA
São aqueles que, em permanente criação e recriação, tensionam essa instituição, reconfigurando-a, com maior ou menor intensidade, em conjunção com as forças da sociedade e da própria vida.
Essa concepção, a mais ampla possível, já se contrapõe aos veredictos de que a escola se encontra estagnada, como se ela não tivesse recursos para, em conjunção com as forças sociais e vitais, recriar-se, forjando sentidos para suas ações.
Cabe ressaltar que a atualização desses sentidos requer uma incessante apropriação e expansão da complexidade desses movimentos que, dispensando enquadramentos como bons ou maus, progressistas ou conservadores, emancipatórios ou opressores, por exemplo, evadem-se de avaliações binárias, dicotômicas e maniqueístas.
Mas, de nenhuma maneira, eles estariam excluídos de processos avaliatórios que não podem prescindir de posições político-éticas, formadas por práticas contextualizadas, historicamente, com que nos inscrevemos na vida social, com nossos percursos autobiográficos.
Essa dinâmica, com que os instituintes, dentro e fora da escola, vão, ao se expandir, demolindo fronteiras, não pode se esquivar às conjunções com os instituídos, mobilizando uns e outros a diferir, a criar, e, assim, a se alterarem, num regime de interdependência, com diferentes graus de autonomia.
Assim, a sociedade instituinte, segundo expressão de Castoriades, carrega em si, dimensões já instituídas que se embatem com os movimentos instituintes, mesmo quando as percepções, as mais generalizadas, registram estabilidades ou denunciam estagnações.
Então, é possível reconhecer, não só as eventuais alianças e confluências entre setores dos movimentos instituintes e dos instituídos, que tanto podem ser pontuais, táticas e provisórias, como podem provocar um deslocamento de sentido em que há adesões de um movimento ao outro. De toda maneira, esses movimentos desconhecem fixações e garantias de permanências que, ao romperem com esquematismos, invalidam qualquer cordão de isolamento entre eles.
Embora não lhe sejam estranhos os hibridismos culturais, eles convivem também com as polarizações, as oposições e os antagonismos excludentes que mobilizam seus percursos e repercussões no mundo, na sociedade e na instituição escolar.
Dito em outras palavras, a vida é permanentemente feita e refeita com movimentos que tanto podem afirmar posições, desejos e interesses éticos com perspectivas de includência, respeito, justiça e valorização do outro, como com os que a esses se contrapõem, com diferentes níveis de embate, colisão e conflito, que tanto podem se expressar de modo cruel e explícito, quanto de forma latente, sutil e até sedutora.
Afinal, ainda, faz-se necessário realçar que os movimentos instituintes não se dispõem como objetos prontos a serem descobertos por investigadores geniais e certeiros; somos todas/os fabricantes nesses e desses processos instituintes/instituídos, pois eles dependem do modo com que os percebemos, os desejamos, intensificando condições e possibilidades de seus caminhos de construção, que não despreza aproveitamento de frestas. (LINHARES, 2007).
Mas os movimentos instituintes que buscam romper com conformismos excludentes, hierarquizadores, por exemplo, enfrentam as dificuldades que uma pressa vertiginosa os impõe ao reduzir o ver, ao confirmar o já visto. Também é necessário fugir de oscilações compulsivas entre circunscrever os movimentos instituintes em pódios de vencedores, festejando sucessos e êxitos ou acomodando-os em meio às recorrências de lamentações paralisantes. Isso tem tudo a ver com mecanismos em ação na escola.
Muitas outras questões se disseminam nesses debates que vitalizam os movimentos instituintes, particularmente quando os analisamos nas escolas, como uma das instituições das mais demandadas, nessa crise civilizacional. Esta não será superada sem a produção política de sentidos, em conjunção com desejos e projetos em que a valorização das diferenças potencialize os enfrentamentos das desigualdades e excludências.
Vale insistir que nessa continuidade de ações que não conhecem repouso, carregando processos singularizadores, têm prevalecido, ainda, conformismos e massificações que, alimentando tempos sombrios, debilitam as esperanças, fazendo prosperar tarefismos e presenteísmos (HOBSBAWN, 1995, p.28), como se o futuro já não nos atraísse. (BENJAMIN, 1993).
Por tudo isso, é oportuno atentar que Castoriades (1982, p.414) identificou o imaginário social à sociedade instituinte que no social histórico é posição, criação, fazer ser, destacando, em outra obra, que … a sociedade é sempre uma autoinstituição mas, para a quase totalidade da história humana, o fato dessa autoinstituição foi ocultado pela própria instituição da sociedade. (CASTORIADES, 1999, p. 282).
Muitos pesquisadores têm investido explicitamente nessa dinâmica instituinte, chegando a demarcar campos como o da Análise Institucional que, forjando categorias como implicação, investe tanto em conhecimentos na ação, como ações nos e com os conhecimentos. Nesse sentido, a Análise Institucional (LOURAU, 1994) partiu dessa dialética instituinte-instituído, perpassada de práticas de poder, e que percorre todos os âmbitos sociais como uma forma de intervir, com dispositivos, nas instituições, procurando sempre apreender com suas expressões ativas. (RODRIGUES; SOUZA, 1987).
Variações e ultrapassagens desses trabalhos chegaram a constituir a Pedagogia Institucional e a fecundar multiplicidades de projetos de pesquisa-intervenção no campo popular. Não sem controvérsias e exigências de avanço que podem ser creditadas como frutos das intensidades de seus percursos. Coimbra (1989), em um de seus textos, ilustra esse debate.
Buscando construir uma ferramenta de pesquisa que dialogasse com a tradição inconformista do pensamento moderno e contemporâneo, definimos MOVIMENTOS INSTITUINTES NA ESCOLA como aqueles em que prevalecem tendências ético-políticas que se endereçam para uma outra educação e uma outra cultura, tensionadas por construções permanentes de uma maior includência e amorização da vida, marcadas por uma dignificação crescente do humano-social em seu processo de diferir, criar e criar-se com autonomia, legitimando as alteridades como forma de enfrentamento das desigualdades na escola e em todos os intercâmbios culturais que a constituem. (LINHARES, 2010, p. 815).