MUNICIPALIZAÇÃO DO ENSINO
Refere à assunção, por parte do governo municipal, da responsabilidade com o provimento de determinados níveis e modalidades da educação formal, trazendo, de modo subjacente, a ideia das relações intergovernamentais entre os entes federativos: União, Estado e Municípios. No caso brasileiro, conforme regulamentado no artigo 11º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação ─ LDB, são incumbências dos municípios a oferta da educação infantil em creches e pré-escolas e, prioritariamente, a oferta do ensino fundamental. A Lei, entretanto, permite a atuação do município na oferta de outros níveis, desde que estejam plenamente atendidas as necessidades de sua área de competência no seu território, e que os recursos destinados a essa atuação sejam superiores aos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Além dessa significação, que tem por base os marcos legais, a expressão, igualmente, pode referir ao espaço geográfico para o qual são transferidos encargos e responsabilidades relativos a programas e projetos educacionais cuja concepção e o fulcro das decisões se situam no poder central (na União), ou no governo estadual. Um terceiro sentido é o de descentralização político-administrativa da educação que guarda estreita relação entre esta última, a sua democratização e a melhoria da qualidade do ensino. É de acordo com essa última conotação que tem se situado o debate a respeito da municipalização do ensino, de há muito presente no campo educacional brasileiro. Trata-se de uma questão cuja problematização remonta ao início do século XX, no momento em que a educação foi se constituindo como setor alvo de políticas públicas (AZEVEDO, 2008). O debate representa uma das formas de contestação das práticas centralizadoras e concentradoras que historicamente marcam a ação governamental no Brasil desde a formação do Estado-nação, passando pelos processos que possibilitaram o desenvolvimento e afirmação do capitalismo entre nós e, portanto, das inúmeras conjunturas em que se instalaram os regimes de exceção (FERNANDES, 1977; DRAIBE, 1985). Desde os anos de 1920 que se discutia a importância de uma efetiva delegação de poderes de decisão e ação para as municipalidades como meio de adequar as escolas aos espaços locais, conferindo-lhes autonomia em relação à tutela administrativa estadual e federal. Nesse contexto, é que Anísio Teixeira pugnou pela municipalização do ensino, defendendo que […] a administração municipal das escolas constituirá a melhor unidade administrativa do sistema escolar brasileiro [… pois…] a administração local concorrerá para tornar possível essa integração, passando a escola a ser a instituição fundamental da comunidade, servindo-a e dela se servindo para a vitalidade e riqueza dos seus processos educativos (TEIXEIRA, 1957). A Constituição, promulgada no ano de 1988, no contexto do processo de redemocratização, em certa medida atendeu reivindicações pela descentralização das decisões ao estabelecer novo pacto no qual os municípios se tornaram entes federativos. Estabeleceu, também, em seu artigo 211, que, igualmente à União, aos Estados e ao Distrito Federal, os Municípios podem organizar seus sistemas de ensino. Uma expressão das lutas por uma efetiva municipalização do ensino é representada pela existência da União dos Dirigentes Municipais de Educação UNDIME, criada nos anos de 1980 e que permanece atuante. Mais recentemente, a municipalização do ensino tem sido tomada como um dos mecanismos de resistência aos processos de globalização, no contexto em que o poder local está sendo valorizado como um dos espaços de resistência às formas de regulação social imperantes mundialmente. Todavia, mesmo que se reconheça a força e as potencialidades dos espaços locais, ainda estamos distantes de processos substantivos de democratização e de descentralização da educação, o que requer, entre outras coisas, considerar e procurar equacionar graves problemas presentes nas municipalidades brasileiras. Igualmente, é necessário levar em conta o grau de organização e de participação das comunidades locais em relação ao controle social da oferta dos serviços de educação com a qualidade socialmente requerida.