O NOVO SINDICALISMO E OS DOCENTES

Autores/as: AMARILIO FERREIRA JUNIOR

Quando o fenômeno social do chamado “novo sindicalismo” se manifestou em plena ditadura militar, por meio do ciclo de greves dos metalúrgicos do ABC paulista de 1978, 1979 e 1980, a modernização autoritária e acelerada das relações capitalistas de produção, iniciada após 1930, já tinha alçado o Brasil à condição de uma sociedade urbana e industrial. Os corolários econômicos e sociais derivados do processo autocrático de modernização do capitalismo brasileiro foram muitos, mas podem ser destacados: (A) a 8ª posição do PIB brasileiro na economia mundial; (B) a burguesia e o proletariado fabril como principais protagonistas da estrutura de classes da sociedade brasileira; (C) a escolaridade obrigatória de oito séries em processo de expansão quantitativa acelerada; e (D) consolidação social e cultural da nova categoria dos professores da educação de 1° e 2° graus (atuais professores do ensino básico).

Contudo, a emergência do “novo sindicalismo”, que entre 1978 e 1980 paralisou quase 4,5 milhões de trabalhadores (ALVES, 1985, p. 251 et seq.), não implicou na ruptura com a conformação sindical de caráter fascista consubstanciada na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (BRASIL, 1943), isto é, com a estrutura sindical atrelada ao Estado, o imposto sindical e a verticalização da sua organização. Portanto, o “novo sindicalismo” não se estabeleceu como uma forma associativa paralela à estrutura sindical existente desde a ditadura do “Estado Novo” (1937-1945). Implicou, sim, numa outra concepção de luta sindical frente às contradições sociais e políticas derivadas das relações capitalistas de produção (KECK, 1988, p. 393). Originado na luta de resistência dos trabalhadores contra o arrocho salarial imposto pelo modelo econômico implantado durante o governo do general-presidente Castelo Branco (1964-1967), o “novo sindicalismo” tomou impulso após o fim do chamado “milagre econômico” (1969-1974), quando os sindicatos dos trabalhadores vinculados aos setores mais dinâmicos da economia brasileira passaram a se organizar por meio das comissões de fábricas.

O “novo sindicalismo” caracterizou-se, apesar de não romper com a estrutura da CLT, por ser um sindicalismo classista, politicamente autônomo em relação ao Estado e aos sindicatos patronais, por criticar o imposto sindical e o peleguismo que se manifestou no período denominado de nacional-populismo (1945-1964). Após o ciclo de greves do ABC paulista, o “novo sindicalismo” – juntamente com a Igreja Católica (as Comunidades Eclesiais de Base) e militantes remanescentes de algumas das principais organizações de esquerda que protagonizaram a luta armada (PCBR, ANL, AP-ML, VPR, Ala Vermelha do PC do B) – participou de forma orgânica da fundação do Partido dos Trabalhadores (1980) e da Central Única dos Trabalhadores (1983). A sua plataforma programática incorporou as principais bandeiras defendidas pelas múltiplas tendências políticas que faziam oposição à ditadura militar, tais como: (A) revogação da legislação repressiva; (B) eleições diretas em todos os níveis; (C) direito de greve; (D) autonomia sindical (revisão da CLT); (E) negociação coletiva de trabalho e fim do arrocho salarial. Por conseguinte, o “novo sindicalismo” foi um dos importantes protagonistas sociais da transição política que colocou fim à ditadura militar e instituiu o Estado de direito democrático (CARONE, 1984, P. 220 et seq.).

Após as reformas educacionais implementadas pela ditadura militar, por meio das Leis nº 5.540/68 e 5.692/71, a composição social da categoria dos professores de 1° e 2° graus sofreu transformações do ponto de vista da sua origem econômica e cultural. A nova categoria assumiu uma configuração profissional que combinava extração social assentada nas classes médias populares e precária formação educacional superior, ou seja, o contrário do que ela tinha sido até a década de 1960: deixou de ser uma categoria profissional com origem social nas camadas médias altas e segmentos periféricos das elites econômicas e políticas, cujo capital cultural havia sido amealhado durante a chamada “idade de ouro” da escola pública brasileira. Com o processo de difusão privada do ensino superior após 1968, frações das camadas médias urbanas populares passaram a ter acesso aos cursos de licenciaturas curtas noturnas (dois anos de duração) nas Faculdades isoladas. A formação profissional no âmbito das licenciaturas curtas, noturnas e privadas, por sua vez, tinha como objetivo atender a célere expansão da escola pública e obrigatória de oito séries estabelecidas a partir de 1971 (FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2006ª, p. 66-67).

A categoria social dos professores chegou ao final dos anos 1970 com um contingente constituído por mais de um milhão de componentes atuando no ensino de 1° e 2° graus (IBGE, 1990). Formada social e culturalmente pela política de arrocho salarial e insuficiente preparação pedagógica, a nova composição social dos professores nasceu sob o signo social da proletarização (FERREIRA JUNIOR; BITTAR, 2006b, p. 1166). Concomitantemente ao processo de crescimento quantitativo da categoria social dos professores, a Confederação dos Professores Primários do Brasil, entidade de caráter associativista criada em 1962, retirou a designação de “Primários” da sua sigla e passou a se autodenominar Confederação dos Professores do Brasil (CPB). Durante os anos 1970, a CPB atravessou duas fases de lutas associativistas distintas. Na primeira, negociou diretamente com o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979) as seguintes reivindicações: (A) a luta pela profissionalização docente via implementação do estatuto do magistério, tal como preconizava a Lei 5.962/71, ou seja, passou a reivindicar uma estrutura jurídica que institucionalizasse as suas relações funcionais com os entes estatais (estados e municípios); e (B) desencadeou a luta pela aposentadoria aos 25 anos de trabalho.

Em seguida, quando os fundamentos do modelo econômico implantado pela ditadura militar ficaram abalados devido à “crise do petróleo” (1974), a CPB teve que operar uma inflexão na sua atuação “sindical”. Pressionada pelas massivas greves que o professorado público protagonizou, a partir de 1978, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Pernambuco, a CPB assumiu uma postura associativista com base na plataforma programática que o “novo sindicalismo” havia imprimido na luta dos trabalhadores brasileiros por melhores condições de vida e de trabalho e pela democratização do Brasil com o fim da ditadura militar (1985). Nessa fase, as principais propostas aprovadas nos congressos da CPB foram: (A) fim do modelo econômico imposto pela ditadura militar; (B) convocação da Assembleia Nacional Constituinte; (C) liberdade de organização partidária e sindical; (D) não pagamento da dívida externa; (E) reforma agrária (FERREIRA JUNIOR, 1998, p. 212). Depois, a CPB realizou um congresso nacional extraordinário (1989) que unificou todas as categorias dos educadores e funcionários da escola pública numa única entidade sindical. Assim, surgiu a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), que marcou o início de uma outra fase da luta sindical dos professores. Mas, agora, com a denominação de trabalhadores da educação.

Bibliografia

ALVES, M. H. M. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Tradução de Clóvis Marques. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

BRASIL. Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 9 ago. 1943.

BRASIL. Lei. nº 5.540, de 28 de novembro de 1968.Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 23 nov. 1968.

BRASIL.Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 ago. 1971.

CARONE, E. Movimento operário no Brasil (1964-1984). São Paulo: DIFEL, 1984.

FERREIRA JUNIOR., A. Sindicalismo e proletarização: a saga dos professores brasileiros. 1998. Tese (Doutorado em História Social) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo.

FERREIRA JUNIOR, A.; BITTAR, M. A ditadura militar e a proletarização dos professores. Educação & Sociedade, Campinas, v. 27, n. 97, p. 1159-1179, set./dez., 2006b.

FERREIRA JUNIOR, A.; BITTAR, M. Proletarização e sindicalismo de professores na ditadura militar (1964-1985). São Paulo: Pulsar, 2006a.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais (1550 a 1998). 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1990.

KECK, Margaret. O “novo sindicalismo” na transição brasileira. In: STEPAN, Alfred (Org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.