POLÍTICA DE COTAS RACIAIS

Autores/as: RENATO FERREIRA

São políticas públicas ou privadas que têm o escopo de reservar percentual de vagas, em determinada instituição, a grupos de pessoas tradicionalmente excluídas por motivo étnico ou racial. A discriminação racial promove uma profunda estratificação – constatada nos indicadores sociais – alijando a maioria dos discriminados de direitos fundamentais ao pleno desenvolvimento da cidadania. As cotas possuem o objetivo específico de ajudar a combater os efeitos desse tipo de discriminação. Têm sido aplicadas para ajudar a reduzir as desigualdades entre negros e brancos. Elas são uma espécie do gênero das ações afirmativas e vêm para ajudar a promover o princípio da igualdade material, combatendo, inclusive, os efeitos da discriminação de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física, etc. Essas medidas de discriminação positiva ou de “tratamento específico” originaram-se na Índia, em 1948, para promover a cidadania dos chamados intocáveis (dalits). Elas também foram instituídas nos Estados Unidos, na Europa e na África. As necessidades de reparação, de justiça distributiva e promoção da diversidade têm sido os pilares sobre os quais se assenta a justificação de tais políticas historicamente e a característica comum está no fato de essas ações se destinarem à promoção dos direitos de grupos que têm um histórico de opressão em razão do racismo.

No Brasil, as cotas já são amplamente adotadas como formas de democratizar o acesso ao ensino superior e têm fomentado principalmente o ingresso de estudantes negros nas universidades públicas e privadas. As instituições privadas adotam o sistema de cotas de acordo com as regras do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que objetivam implementar a política de cotas em todas as universidades públicas federais.

Elas constituem-se na forma mais contundente de ação afirmativa e, também por isso, sofrem forte resistência, causando grande polarização quanto à sua legitimidade. 

Os opositores às cotas no ensino superior, por exemplo, consideram que elas são inconstitucionais, pois afrontariam o princípio da igualdade (define que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza) e sustentam também que elas subverteriam o princípio do mérito (identificado de acordo com a capacidade de cada um).

Os favoráveis sustentam que as cotas são constitucionais, pois buscam dar concretude à igualdade material, cabendo ao Estado construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, sobretudo, de grupos excluídos. Os defensores das cotas ressaltam ainda que o mérito não pode ser tomado como ideia abstrata e autônoma, desvinculada de qualquer causalidade social. Assim, as universidades que adotaram cotas fomentam a diversidade na educação, levando em consideração a história dos atores envolvidos na corrida imposta pelo vestibular, valorizando critérios plúrimos de ingresso na universidade, como o mérito contido na trajetória de vida, ou seja, nos dados históricos dos candidatos às vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior. Ressaltam também que os estudantes promovidos pelas políticas de inclusão precisam alcançar os padrões objetivos de avaliação estabelecidos pelas universidades.

Outro argumento utilizado é o de que as cotas seriam inexequíveis, pois políticas públicas não podem adotar critérios raciais ou étnicos devido ao alto grau de miscigenação da sociedade brasileira. Os favoráveis sustentam que a grande miscigenação existente no Brasil não impede que práticas racistas, conscientes ou inconscientes, continuem a influenciar nas desigualdades sociais. Dessa forma, a miscigenação não pode justificar a não adoção dessas medidas.

Um dos temas mais controvertidos na educação, as cotas raciais são reivindicações antigas do Movimento Negro e passaram a ser adotadas como forma de acelerar o processo de inclusão social no Brasil, após a Conferência Mundial Contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata que ocorreu em Durban, na África do Sul, em 2001.

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