PRODUTIVISMO ACADÊMICO

Autores/as: VALDEMAR SGUISSARDI

Fenômeno em geral derivado dos processos oficiais ou não de regulação e controle, supostamente de avaliação, que se caracteriza pela excessiva valorização da quantidade da produção científico-acadêmica, tendendo a desconsiderar a sua qualidade. Este fenômeno – cultura ou ideologia – tem sua origem nos anos 1950, nos EUA. Tornou-se mundialmente conhecido pela expressão public or perish, significando que os professores/pesquisadores universitários que não publicassem de acordo com os parâmetros postos como ideais pelos órgãos financiadores, pela burocracia universitária ou pelo mercado, veriam sua carreira definhar e fenecer. Isso talvez esteja na origem da famosa frase do Prêmio Nobel de Física, Wolfgang Pauli: “Não me importo com seu pensamento lento. O que me importa é você publicar mais rápido do que pode pensar” (apud WATERS, 2006, p. 5). É Waters que, por sua vez, denuncia: “Afirmo que há um elo causal entre a demanda corporativa pelo aumento da produtividade e o esvaziamento, em todas as publicações, de qualquer significação que não seja gerar números” (apud WATERS, 2006, p. 12).

No caso brasileiro, esse fenômeno tem sido objeto de preocupação da crítica, nos anos 1970, não exatamente nos termos de hoje, mas em que se destacam elementos que se tornariam centrais na sua forma atual. Maurício Tragtenberg, no Seminário de Educação Brasileira, de 1978, na Unicamp, denunciava: “a política de ‘panelas’ acadêmicas de corredor universitário e a publicação a qualquer preço de um texto qualquer se constituem no metro para medir o sucesso universitário. Nesse universo não cabe uma simples pergunta: o conhecimento a quem e para que serve?” (TRAGTENBERG, 1978).

A adoção, no Brasil, de parâmetros baseados em critérios quantitativos de produção acadêmica dá-se de forma mais intensa a partir dos anos 1996/1997, quando se implanta o atual modelo Capes de avaliação da pós-graduação stricto sensu, pela agência estatal de financiamento, regulação e controle, CAPES, que tem nesses parâmetros a base de sua notação e classificação dos cursos de mestrado e doutorado em todas as áreas. Esse modelo é visto pela crítica como um processo que considera muito mais o quanto um docente/pesquisador publica do que a qualidade ou o benefício científico, público e social do que é publicado. Enfatiza-se a produtividade, não a recepção ou o interesse público-social do produzido (BIANCHETTI; SGUISSARDI, 2009). O que afirma Waters (2006) a propósito do que ocorre nas Ciências Humanas, nos EUA pode servir para o caso brasileiro em geral: “Estamos experimentando uma crise generalizada das avaliações, que resulta de expectativas não razoáveis sobre quantos textos um estudioso deve publicar. Não estou dizendo que não haja boas publicações – isso está muito longe de ser o caso –, mas o que as boas publicações têm de bom se perde em meio a tantas produções que são apenas competentes e muitas mais que não são nem isso” (p. 25).

Ainda no caso brasileiro, o produtivismo acadêmico alimenta-se do e no processo de competição – interuniversidades, interprogramas de pós-graduação e entre docentes/pesquisadores – engendrado por agências financiadoras de pós-graduação e pesquisa, seja pela Capes e seu modelo de avaliação (regulação e controle), seja pelos mecanismos e normas adotados pelo CNPq e outras agências para concessão de auxílios à pesquisa e de bolsas, que têm no Currículo Lattes seu principal instrumento indicador da produtividade (BIANCHETTI; MACHADO, 2009; e SGUISSARDI; SILVA JÚNIOR, 2009).

O problema posto pelo produtivismo acadêmico, traduzindo a quantidade pura e simples de produções/publicações – em geral pouco lidas ou que não têm maior importância científica – é que ele serve de parâmetro básico para os concursos de acesso à (e progressão na) carreira acadêmica, para a obtenção de bolsas de estudo e de auxílios à pesquisa, e até, em muitos casos, para o próprio acesso a cargos administrativos.

A proeminência a cada dia maior do produtivismo acadêmico segue a lógica do mercado ou da transformação, no capitalismo atual, de todos os bens materiais e simbólicos em mercadoria, e das universidades e institutos de pesquisa em empresas ou corporações, devendo esses ser geridos nos moldes gerenciais destas. Sem crescimento contínuo do número de “produtos”, a universidade, institutos de pesquisa e seus docentes e pesquisadores estariam incorrendo no grave pecado da desatualização e ineficiência, e contrariando as expectativas do Estado, em seu polo privado/mercantil, e do próprio mercado.

Outro produto correlato ao empresariamento e mercantilização da universidade, no campo da produção do conhecimento, que conduz à maior valorização da produtividade, ao invés da qualidade e do benefício público-social da produção acadêmico-científica, é o ranking das universidades estabelecido por instituições que utilizam variados critérios, em especial os que mais estão ao alcance das instituições dos países centrais ou das ilhas de excelência de alguns países da semiperiferia do capitalismo mundializado. Como afirma Lopez Segrera (2008), “O que ocorre é que os rankings constroem-se a partir de parâmetros – número de Prêmios Nobel, professores da universidade com trabalhos no citation índex, doutorados e mestrados, equipamento, financiamento… – próprios das universidades de ‘classe mundial’ do mundo anglo-saxão, em especial os EUA e Inglaterra, e que, além disso, privilegiam as ciências duras em detrimento das sociais e humanas” (p. 270). As primeiras universidades do ranking sempre serão as que se destacam segundo tais parâmetros e não necessariamente as que melhor formam seus estudantes, mestres e doutores, ou que melhor cumpram sua função social de ensino, pesquisa e extensão para a superação dos históricos déficits de igualdade e justiça social das sociedades em que se inserem.

Decorrências do produtivismo acadêmico, ou fatos que o constituem, são, ainda, a multiplicação dos textos oriundos de uma única investigação, assim como da autoria e da falsa autoria, visando ao aumento da produtividade. São também a realização de eventos com centenas de exposições de trabalhos ditos científicos para auditórios vazios, ou quase, o que não propicia nem seu debate nem sua efetiva divulgação.

Enfim, o produtivismo acadêmico está na raiz da intensificação e precarização do trabalho dos docentes/pesquisadores e põe-se como um dos grandes desafios que envolvem a universidade como instituição e a produção do conhecimento necessário ao desenvolvimento e soberania do país.

Bibliografia

BIANCHETTI, L.; MACHADO, A. M. N. Trabalho docente no stricto sensu: publicar ou morrer? In: FIDALGO, F.; OLIVEIRA, M. A. M.; FIDALGO, N. L. R.. (Org.). A intensificação do trabalho docente: tecnologias e produtividade. Campinas: Papirus, 2009. p. 49-90.

BIANCHETTI, L.; SGUISSARDI, V. (Org.). Dilemas da pós-graduação:gestão e avaliação. Campinas: Autores Associados, 2009.

LOPEZ S., F. Tendencias de la educación superior em el mundo y em América Laitna y el Caribe. Avaliação,Campinas, v. 13, n. 2, p. 267-291, jul. 2008.

 

SGUISSARDI, V.; SILVA JÚNIOR, J. R. Trabalho intensificado nas federais: pós-graduação e produtivismo acadêmico. São Paulo: Xamã, 2009.  

TRAGTENBERG, M. A delinquência acadêmica. In: A Delinqüência-acadêmica: o poder sem saber e o saber sem poder. São Paulo, Editora Rumo, 1979, p. 15-23.

WATERS, L. Inimigos da esperança: publicar, perecer e o eclipse da erudição.São Paulo: Editora Unesp, 2006.