PROFESSOR PESQUISADOR
A definição de professor pesquisador pode levar a equivocadas categorizações do trabalho por ele desenvolvido. Todo professor, de forma variada, no seu trabalho, realiza ensino e pesquisa em todos os níveis e modalidades educacionais. Assume-se que o verbete professor pesquisador é historicamente datado. Isso significa considerar as mudanças ocorridas na esfera educacional, em particular na identidade da instituição universitária, cujo polo irradiador é a pós-graduação. Essa afirmação requer algumas considerações preliminares sobre a dimensão ontológica e histórica do trabalho e da linguagem.
A reprodução social se dá inevitavelmente mediada pela atividade humana e sua intencionalidade. A posição teleológica na atividade humana provoca uma distância entre ser humano objetivo e sua representação na própria consciência. É com base nessa distância que surge a relação sujeito-objeto. Estes eventos simultâneos e indissociáveis – ser e ser na consciência – exigem no âmbito da história a constituição do conhecimento, da linguagem e da sociabilidade. É com base na necessidade concreta da reprodução social e do gênero humano pela sua atividade humana fundamental – o trabalho – que a linguagem e o conhecimento adquirem historicidade. Esses não podem ser entendidos no concreto e nem de per si se não se pressupõe a existência de exigências históricas originadas no trabalho. No processo social, a atividade humana/trabalho influi continuamente sobre a linguagem e o conhecimento, e estes, por sua vez, atuam sobre a primeira. Assim, a expressão linguística professor pesquisador só existe na condição de elemento do ser social professor no contexto da instituição universitária reformada.
As mudanças na educação e na universidade ocorridas na última década no Brasil provocaram alterações estruturais no trabalho do professor, observável de forma explícita e desenvolvida na cotidianidade das atividades do professor da pós-graduação. O cotidiano da prática universitária do professor é um espaço de contradição que envolve tanto propriedades emancipatórias como objetividades que o reduzem ao plano da superficialidade e da mera utilidade. O conhecimento, fruto e motor da sua atividade humana, ao ser constrangido pela objetividade posta pelo pragmatismo da reforma silenciosa da universidade e do aparelho de Estado, tende a ser reduzido à instrumentalidade, retroagindo na forma da negatividade do ser social, afetando a representação social que o professor faz de si mesmo e que a sociedade faz dele, sempre mediada por esta instituição em suas dimensões culturais, políticas e organizacionais.
A natureza do trabalho do professor é decorrência das políticas e imposições oficiais, mas, ao mesmo tempo, é produto das relações das instituições e dos professores com essas políticas e imposições. O conteúdo e a forma do trabalho são atividades dos sujeitos individuais ou coletivos que implicam em expressão de cognições e valores presentes em planos e metas de ação e em ações e participações ativas nas transformações institucionais. O trabalho do professor pode significar formas de efetiva materialização das políticas oficiais para a educação superior pública, por um lado, via redução de financiamento, constrangimentos da carreira docente, medidas de restrição do quadro docente, achatamento salarial, sobrecarga de trabalho, pressões por aumento da produção científica; por outro, via estímulos e facilidades para prestação de serviços extrarregime de trabalho, visando complementações salariais e relaxamento da dedicação exclusiva.
As instituições incorporam as políticas oficiais conforme suas próprias densidades históricas e sua cultura, apropriadas pelos professores sob a mediação das suas histórias de vida e que os orientam na incorporação da (ou resistência à) política oficial na instituição de pertença. Elas não são meras agências reprodutoras de expectativas ou projetos sociais, mas resultado do próprio processo histórico, em que cada unidade institucional, ao mesmo tempo em que incorpora valores, normas, procedimentos socialmente constituídos, constrói sua própria forma de ser e de organizar-se; elabora normas, cria valores e estabelece condutas, costumes, códigos e referências que coletivamente utiliza como critérios para examinar, analisar, incorporar, negar ou modificar o que lhe é proposto. Incorpora uma cultura construída ao longo de sua história e orienta-se por ela na adesão às políticas oficiais, reproduzindo-a e atualizando-a, ao mesmo tempo em que transforma seu processo institucional.
A Capes, fundada nos anos 1950, com o objetivo de capacitação do pessoal de ensino superior, constitui-se como agência de avaliação da pós-graduação e acentua sua função reguladora após a reforma do Estado no Brasil. Ela reorganiza programas de pós-graduação mediante seu modelo de avaliação, mensura a produtividade do professor predominantemente com base em publicações decorrentes de suas atividades de pesquisa e o submete a uma série de exigências e à imposição de tempo de pesquisa e orientação comprimidos com repercussão na avaliação trienal dos programas.
O professor pesquisador defronta-se com as seguintes atividades: publicação de determinada média anual de artigos científicos em periódicos classificados pela agência, ou em editoras de renome; lecionar na pós-graduação e graduação; realizar pesquisa financiada por agências de fomento que gozem de prestígio acadêmico; prestar assessorias e consultorias científicas. É de grande importância para as atividades de pesquisa e intercâmbio do professor pesquisador e para a boa avaliação do programa que ele obtenha algum tipo de bolsa, em especial a de produtividadedo CNPq, e que profira palestras e conferências em eventos nacionais e internacionais, tudo isso em um contexto de individualismo e competitividade, em face da crescente competição por publicação e financiamento, este sempre abaixo da demanda. O professor que assume essas atividades impostas pelo Ministério da Educação mediado pela Capes e pelo Ministério de Ciência e Tecnologia tem a representação institucional de um professor pesquisador. O professor pesquisador, portanto, define-se por meio de sua prática, em conformidade com a ideologia doprodutivismo acadêmico, com a política de Estado e a cultura institucional. Prática que se traduz, no âmbito filosófico, no pragmatismo e, no econômico, na mercadorização da ciência e da inovação tecnológica e que o torna, com a pós-graduação nos moldes atuais, o polo gerador de uma reforma da instituição universitária que tende a colocá-la, não sem contradições, a serviço da valoração do capital em sua condição de objetivação de fundo público.