PROFISSÃO DOCENTE
As profissões são ocupações que requerem um conhecimento especializado, uma capacitação educativa de certo nível, controle sobre o conteúdo do trabalho, organização própria, autorregulação e normas éticas.
Tenti Fanfani caracteriza uma profissão como uma combinação estrutural de três características típicas: conhecimento credenciado mediante títulos, autonomia no desempenho e prestígio, e reconhecimento social (TENTI FANFANI, 1995, p. 20). Em relação à docência como profissão, existe um longo debate acerca das condições de possibilidade de exercê-la, limitadas tanto pelos diferentes níveis de formação e atualização, como pelos diferentes níveis de autonomia e reconhecimento, que, desde os anos setenta, em particular, refletem-se em suas lutas e organizações como trabalhadores/as em defesa de seus direitos.
Alguns autores (BURBULES; DENSMORE, 1992; FELDFEBER, 2004; IMEN, 2010) questionam o discurso hegemônico sobre “profissão” docente, porque se fundam numa ideologia legitimadora de caráter elitista, discriminadora, que reproduz no plano do conhecimento a estrutura hierárquica e desigual da sociedade. Contudo, também não aderem à categoria de semiprofissão em que se enquadra a atividade docente, baseada em relativas limitações enquanto à autonomia, à especialização e ao reconhecimento.
No marco das políticas neoliberais que orientaram as reformas dos anos 90, a ideia do docente como profissional aparece com maior força, renovando o modelo tecnicista que se instalou em meados do século XX. A partir dessa lógica tecnocrática, afirma Feldfeber (2004), definiram-se, desenharam e implementaram as políticas de profissionalização docente a partir dos escritórios centrais, participando os interessados apenas da execução, apesar da retórica de autonomia expressada nos documentos das agências internacionais. Em um encontro de 1993, define-se profissionalização como o desenvolvimento sistemático da educação fundamentado na ação e no conhecimento especializado, de maneira que as decisões sobre o que é aprendido, como isso é ensinado e quais as formas organizativas para que isso aconteça, sejam tomadas de acordo com os avanços dos conhecimentos científicos e técnicos, os marcos de responsabilidade preestabelecidos, os critérios éticos que regem a profissão e os diversos contextos e características culturais (UNESCO/OREALC apud MENGHINI, 2005).
A questão chave é que partindo desses enfoques identifica-se profissionalização com melhoramento do ensino e vincula-se diretamente com a qualidade da educação, depositando a responsabilidade do funcionamento do sistema sobre os docentes e deixando de lado a responsabilidade principal do estado e os componentes políticos, sociais e institucionais dos problemas educativos. Essa ressignificação do termo se apoia em duas premissas implícitas: a aceitação das políticas de ajuste, que reduzem os recursos do Estado e, portanto, os destinados à educação, e o juízo negativo generalizado acerca do desempenho dos docentes, aos que se responsabiliza pela baixa qualidade da educação (BATALLÁN, 2007)
De acordo com Menghini (2005), desvirtua-se a reclamação coletiva dos docentes serem respeitados e tratados como profissionais da educação quando os governos e as agências associam a profissionalização a medidas que implicam transferência de responsabilidades estatais e institucionais aos agentes individuais, também quando se delega a responsabilidade de atender graves problemas de aprendizagem e de origem social em geral, com recursos escassos ou nulos e a consequente carga laboral.
A mudança na lógica política de vários países e a importante reação ao neoliberalismo-neoconservadorismo produziu um deslocamento das demandas de profissionalização para um modelo que propõe o desenvolvimento profissional, os docentes continuam sendo o objeto da política, antes que os sujeitos centrais em sua definição (FELDFEBER, 2004).
Fernández Enguita (2001) propõe um modelo de profissional democrático no qual aquilo que define a profissionalidade (além do nível e da amplidão da qualificação necessária) não seria mais a autonomia, a definição de uma jurisdição como âmbito exclusivo de competências, como no modelo liberal; nem a disciplina, a disponibilidade para os fins da organização e integração no corpo, como no modelo burocrático. Seria o compromisso com os fins da educação, com a educação como serviço público: para o público (igualitário, em vez de discriminatório) e com o público (participativo, em vez de imposto).