REGIME JURÍDICO ÚNICO
Com vistas a assegurar um tratamento isonômico entre os servidores públicos, condizente com os princípios que regem a relação entre Estado e cidadãos tais como impessoalidade, moralidade, legalidade e publicidade a Constituição da República, em sua redação original, determinou que a União e os demais entes da federação (estados, Distrito Federal e municípios), deveriam instituir um regime jurídico único para fins de normatização das relações estabelecidas entre a administração pública e os respectivos trabalhadores. Assim, por força da referida disposição constitucional, todos os trabalhadores vinculados a uma determinada unidade política da federação estariam sob a égide de um mesmo rol de direitos e deveres, constituindo-se, desse modo, um padrão claro, isonômico e público quanto às carreiras de Estado. O regime jurídico a ser adotado em comum aos profissionais que laboram em favor do Poder Público poderia se definir, a rigor, entre dois amplos gêneros, quais sejam, o estatutário e o celetista.
O regime celetista submete os trabalhadores do setor público à disciplina jurídica aplicável ao âmbito privado, salvo no que se refere às garantias constitucionais instituídas em favor daqueles, como a impossibilidade de resilição do contrato de trabalho em decorrência de um juízo de conveniência e oportunidade do empregador. Com efeito, é importante observar que a adoção das normas da CLT para os servidores públicos não afasta dispositivos como o artigo 41 da Constituição, cuja norma assegura estabilidade, após um triênio de efetivo exercício, aos trabalhadores nomeados para cargos públicos de provimento efetivo em virtude de concurso público.
Por meio do regime jurídico estatutário, estabelece-se entre Estado e trabalhador um vínculo peculiar em relação às normas trabalhistas atinentes ao setor privado. Antes de uma relação jurídica de ordem contratual, ancorada na clivagem entre capital e trabalho, o liame entre servidor público e a administração, nesse regime jurídico, constitui-se com vistas à consecução de interesses e direitos revestidos de alcance geral, de modo que a ênfase recai sobre normas que protegem o serviço público, antes de mandamentos especificamente associados aos vínculos laborais que se estabelecem entre o servidor e o Estado. Um exemplo de estatuto a reger o trabalhador que atua no serviço público é a Lei 8.112/90, que institui o regime jurídico único dos servidores da União.
Em 1998, sob inspiração gerencialista (corrente do direito administrativo que prioriza o controle de resultados da ação estatal, em detrimento do controle de meios para a respectiva consecução) e neoliberal (linha de pensamento que procura resgatar o ideário do liberalismo clássico e tende a minimizar o aparato burocrático do Estado, além de lhe conferir padrões de funcionamento e avaliação correlatos aos de grandes corporações, com claro prejuízo para direitos fundamentais de ordem redistributiva), promulgou-se a Emenda Constitucional de número 19, cujo texto alterou a redação original da Carta de 1988, de modo a extinguir o regime jurídico único dos servidores públicos. Desde então, o Estado passou a ter faculdade de manter, concomitantemente, trabalhadores regidos por estatutos (como a Lei 8.112/90) e pela CLT. Com apoio em tal modificação normativa-constitucional, a União promulgou a Lei nº 9.962/2000, visando a instituir, além do regime estatutário, a possibilidade de contratação de servidores segundo uma normatização mais precária e revestida de menos direitos aos trabalhadores, definida como emprego público. Tal figura reservar-se-ia para funções que não correspondem a atividades precípuas do Estado, categoria que jamais fora definida precisamente, em que pese tramitar junto ao Congresso Nacional proposições legislativas orientadas a fazê-lo.
Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a constitucionalidade da Emenda Constitucional de nº 19, entendeu, em decisão liminar, que o devido processo legislativo não fora obedecido no que tange ao dispositivo que suprimiu o regime jurídico único. Assim, em tese, os entes da federação não poderiam manter duas categorias de trabalhadores, regidos por direitos distintos, como empregados celetistas e servidores estatutários. Todavia, o próprio STF acabou por entender que as leis aprovadas ao tempo em que o Regime Jurídico Único fora suprimido permaneceriam válidas, de modo que ficou mantida a figura do emprego público. Uma definição mais precisa desse quadro só deve ocorrer quando a Ação de Direta de Inconstitucionalidade de nº 2.135 for julgada de modo definitivo pelo STF.
Assim, há, atualmente, no Brasil, uma situação de pouca clareza, senão contradição normativa, quanto ao regime jurídico aplicável aos servidores públicos. Entende o STF que deve haver um único e isonômico regramento para as carreiras de Estado em cada ente da federação, mas, ao mesmo tempo, define-se que a multiplicidade de regimes ocorrentes antes da declaração parcial de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional de número 19 permanece válida.
Há, a partir desse cenário, três gêneros de vínculos entre trabalhador e poder público no direito brasileiro: a) servidores estatutários, aprovados em concursos de provas ou provas e títulos, cujas relações de trabalho se submetem a leis específicas, tal como a Lei 8.112/90; b) empregados públicos, regidos pela CLT, mas, ainda assim, portadores de cargos efetivos, a respeito dos quais pairam as respectivas garantias constitucionais, como impossibilidade de demissão por juízos de conveniência ou oportunidade da administração; e c) servidores especiais: são aqueles que ocupam funções de chefia ou assessoramento, de modo que não se submetem a concursos para a respectiva admissão e não contam com garantias específicas do servidor público, tal como a estabilidade.