REPRESENTAÇÕES DE PROFESSORES SOBRE O ALUNO

Autores/as: ALDA JUDITH ALVES-MAZZOTTI

Referem-se ao conjunto de informações, crenças e atitudes elaboradas pelos professores com o objetivo de orientar e justificar suas práticas com relação ao aluno e a se situar nas interações mantidas no ambiente escolar. Essas representações, construídas coletivamente nas atividades e conversações cotidianas, tomam por base características dos alunos, mas também experiências anteriores dos professores e normas e valores de seu grupo. Uma vez produzidas, comunicadas e validadas pelo grupo, elas passam a constituir verdadeiras “teorias” sobre o aluno e a docência, dando origem a expectativas, julgamentos e comportamentos com relação ao aluno. Essas “teorias” ajudam a forjar a identidade docente e o sentimento de pertencimento a esse grupo profissional.

Apesar de seu interesse para a educação, pesquisas sobre representações de professores sobre os alunos são escassas. Os poucos estudos disponíveis focalizam, em sua quase totalidade, alunos da rede pública de ensino fundamental e as representações encontradas são francamente negativas: os alunos são retratados como pobres, sem apoio da família, carentes de tudo, desinteressados, deseducados, sem limites, com déficits cognitivos, sem base para a aprendizagem. A visão dos professores sobre a família dos alunos é coerente com esse perfil: uma família pobre, desestruturada, pouco escolarizada, ocupada demais na luta pela sobrevivência e que não dá assistência aos filhos, delegando à escola funções que tradicionalmente lhe cabiam (ALVES-MAZZOTTI, 2006; SALES, L. C.; LIMA 2007). Esse mesmo perfil aparece em um grande número de pesquisas que, embora não se proponham a focalizar a representação do aluno, a incluem necessariamente, como é o caso de estudos sobre o trabalho docente. 

Em resumo, o que se destaca no perfil dos alunos da escola pública traçado pelos professores é a pobreza e as inúmeras carências e impossibilidades a ela tradicionalmente vinculadas. Tais representações levam o professor a formar baixas expectativas sobre esses alunos, com consequências negativas para o sucesso escolar das crianças pobres. De fato, estudos que focalizam as expectativas de professores da escola pública sobre seus alunos indicam que estas são, em sua maioria, extremamente pessimistas, evidenciando que a perpetuação da situação de pobreza lhes parece um destino inexorável, uma sensação que esses professores deixam transparecer, não sem revelar também a frustração e o sentimento de impotência diante das dificuldades da tarefa que lhes cabe. (ALVES-MAZZOTTI, 2006; 2003).

De acordo com o enfoque das representações sociais, estas apresentam em sua estrutura elementos arcaicos, ligados à memória do grupo, ao lado de outros, mais vinculados às comunicações e interações cotidianas, o que fica claramente evidenciado nas representações apresentadas pelos professores. O lado arcaico parece estar relacionado à antiga escola pública, cujos alunos eram predominantemente de classe média e as mães ajudavam os filhos em suas tarefas escolares. Essa memória sustenta um modelo ideal de aluno que não mais corresponde ao que hoje constitui a maior parte da clientela da escola pública de ensino fundamental: a criança pobre, cujos pais têm, em geral, baixa escolaridade e lutam pela sobrevivência. As interações com esse “novo” aluno constituem um elemento importante na constituição da representação, mas a distância entre o modelo ideal e o aluno real contribui para a amplificação de suas dificuldades.

Complementando o quadro sobre as possíveis origens dessas representações, cabe destacar a contribuição das informações recebidas na formação inicial e em leituras feitas individualmente com respeito aos efeitos da pobreza. Com base em ampla revisão da literatura sobre o “fracasso escolar” das crianças pobres, Patto (2000, p. 155) conclui que, dentre as explicações existentes para esse “fracasso”, a da carência cultural de seu ambiente é a que prevalece até hoje, ainda que sob diferentes feições. A autora acrescenta que muitas dessas explicações baseiam-se mais em estereótipos do que em resultados de pesquisas pautadas por critérios rigorosos. Por desconhecerem o habitus das classes populares, os pesquisadores acabam por “preencher esta lacuna com suposições fundadas em preconceitos”.  Tais suposições, veiculadas nas aulas, transmitidas nas conversações, contribuem para a formação de representações negativas sobre o aluno.

Considerando a estreita relação entre representações e práticas, esse quadro é preocupante. De fato, um grande número de pesquisas sobre práticas docentes que observaram as interações professor/aluno indicaram que: (a) o baixo nível socioeconômico do aluno tende a fazer com que o professor desenvolva baixas expectativas sobre ele; (b) os professores tendem a interagir diferentemente com alunos sobre os quais formaram altas e baixas expectativas; (c) esse comportamento diferenciado frequentemente resulta em menos oportunidades para aprender e diminuição da autoestima dos alunos; e (d) tais circunstâncias tendem a depreciar o desempenho do aluno, produzindo o “fracasso escolar” das crianças pobres (ALVES, 1983).

Mais especificamente, essas pesquisas mostraram que os professores apresentavam os seguintes padrões de comportamento diferenciado com relação aos alunos sobre os quais tinham baixas expectativas: (a) interagiam menos com eles; (b) olhavam menos para eles ao dirigir perguntas para a turma; (c) chamavam-nos menos para ir ao quadro; (d) esperavam menos tempo por suas respostas; (e) quando eles demonstravam alguma dificuldade em responder, chamavam outro aluno ou davam logo a resposta, ao invés de tentar ajudá-los a chegar à resposta correta, refazendo ou repetindo a pergunta; (f) criticavam-nos mais por respostas incorretas; (g) elogiavam-nos menos por respostas corretas; (h) elogiavam-nos por respostas incorretas; (i) deixavam mais frequentemente de dar feedback às suas respostas em situações grupais; e (j) davam-lhes feedback menos preciso e menos detalhado (ALVES, 1983).

Cabe esclarecer que nem todos os professores agem dessa maneira; mas só a verificação de que muitos o fazem, e que geralmente esse comportamento diferenciado é inconsciente, já deve ser objeto de preocupação. Daí a importância de se conhecer as representações dos professores sobre seus alunos, alertando-os sobre o impacto das baixas expectativas sobre rendimento destes, de modo a evitar a concretização da chamada “profecia autoconfirmada”.

Bibliografia

ALVES, A. J. Classroom interactions of the teacher with mainstreamed handicapped students and their non-handicapped peers. 1983. Tese (Doutorado) - New York University, New York.

ALVES-MAZZOTTI, A. J. O aluno da escola pública: o que dizem as professoras. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.87, n.217, p.349-359, set./dez. 2006.

ALVES-MAZZOTTI, A. J. Representações de professores de ensino fundamental sobre o “fracasso escolar”. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 26, 2003, Poços de Caldas. Anais... Poços de Caldas: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação, 2003. CD-Rom.

SALES, L. C.; LIMA, F. F. As representações sociais do aluno de escola pública partilhadas por professores de língua inglesa que atuam em escolas públicas e particulares de Teresina. In Jornada internacional e Conferência Brasileira sobre Representações Sociais, Brasília, 2007. Disponível em <http://www.gosites.com.br/vjirs>. Acesso em 21/9/2010.

PATTO, M. H.  S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000.