REVOLUCIÓN PINGÜINA (Revolução dos Pinguins), CHILE, 2006

Autores/as: MILTON VIDAL ROJAS

Essa expressão popular alude ao uniforme ou vestimenta tradicional dos estudantes secundários chilenos. De fato, por décadas, acostumou-se a usar essa palavra para referir-se ao uso masculino de jaquetas azuis, calças cinza e camisas brancas ou azuis; assim como a saias azuis e blusas brancas nas estudantes.

Pois bem, a atribuição do caráter “pinguim” da mobilização estudantil chega a ter duplo sentido: confunde-se com certa diminuição do movimento ou, pelo menos em certa etapa, compromete sua maturidade. Alguns líderes estudantis, agudos e perspicazes, fazem essa advertência e tentam superar o cerco fático de uma denominação ardilosa, particularmente nos meios de comunicação de massa.

A irrupção da “rebelião dos pinguins”, em maio de 2006, não só provocou um problema político de proporções dentro do recém-assumido governo de Michelle Bachelet (2006-2010), que culminou posteriormente com a saída do gabinete dos ministros do Interior, Andrés Zaldivar, e da Educação, Martin Zilic; assim como do Intendente da Região Metropolitana, Víctor Barrueto; como também trouxe à tona uma série de questionamentos sobre a forma como os estudantes secundários se transformaram em um importante ator social dentro da sociedade chilena.

O fenômeno ocorrido no outono de 2006 possui várias características excepcionais para a dinâmica histórica dos conflitos sociais que têm enfrentado o Chile. A novidade não é o ator que protagoniza o conflito, os jovens conquistaram esse lugar há muitas décadas nesse país (SALAZAR, 2006, p. 154) e em toda América Latina, mas a forma como o conflito foi se moldando, superando as expectativas iniciais dos próprios dirigentes estudantis.

A Lei Orgânica Constitucional de Educação (LOCE), promulgada em 10 de março de 1990, um dia antes do fim do regime militar, constituiu desde sua origem o eixo de discussão em matéria de qualidade da educação e condições educacionais, além de seus vícios de legitimidade. Não obstante, manteve-se inalterável no tempo durante 16 anos de governos da coalizão que ainda governava no ano de 2006, a Concertación de Partidos por la Democracia.

Durante seus anos de vigência, não existiram resultados educativos bons e significativos, os resultados médios da avaliação da qualidade em educação foram baixos. O sistema educativo chileno compõe-se de diferentes administrações de escolas – as municipais, particulares subvencionadas e particulares – que expressam a desigualdade social por meio dos resultados educativos. Dada essa situação, uma alta porcentagem dos estudantes secundários do Chile decide organizar-se em defesa da qualidade da educação pública, manifestando demandas que pretendem fazer do sistema educativo um sistema equitativo, onde a origem sociocultural dos estudantes não se constitua na variável que defina a diferença para receber uma educação de qualidade.

O impacto social produzido pela mobilização estudantil foi de tal magnitude que permitiu colocar todos os níveis da sociedade no debate das condições gerais e de qualidade da educação chilena. Desse modo, estima-se que o movimento contou com a participação de aproximadamente 600.000 estudantes secundários de todos os tipos de colégios do país, constituindo-se em uma das mobilizações mais massivas e prolongadas das últimas décadas no Chile.

A pressão política que produziu a mobilização estudantil levou a Presidenta da República da época, Michelle Bachelet, a convocar diferentes estratos da sociedade a conformar o “Conselho Assessor Presidencial de Educação”. Como resultado da análise desenvolvida por essa entidade, obteve-se um informe de diagnóstico da realidade educacional chilena e uma proposta de lei, que mais tarde se discutiu no Congresso Nacional e aprovou-se no dia 12 de setembro de 2009, dando origem à nova Lei Nº 20.370 Geral de Educação.

As características principais do denominado “movimento pinguim” são: o assembleísmo, a utilização das novas tecnologias da informação, a desvinculação do movimento estudantil com os partidos políticos tradicionais, a estética utilizada pelos estudantes durante o conflito e o apoio cidadão manifestado às demandas dos estudantes, além de ter aproveitado a oportunidade histórica para exigir uma mudança na Lei Orgânica Constitucional de Ensino promulgada pelo regime militar em março de 1990, demanda que havia sido adiada pelo conjunto dos atores sociais educacionais. 

Os estudantes chilenos desenvolveram um movimento que pode caracterizar-se como “adscriptivo”, ou seja, ao qual os indivíduos aderem independentemente de sua situação de classe, e ao que, não obstante, ingressam para superar estruturas de dominação no interior da sociedade (TOURAINE, 2006). Nessa linha, guardam semelhança com movimentos como o ecologista, pacifista, feminista ou outros. Outra característica compartilhada com novos movimentos sociais se verifica no estreitamento da distância entre os dirigentes e a base, posto que o papel que cumprem é distinto, já que estes se autodenominam “porta-vozes”, porque não assumem a função de “dirigir”, mas de expressar e negociar a partir das resoluções assumidas pela assembleia, realizando a partir do próprio movimento social a formação dos seus quadros diretores. De fato, parte do processo de constituição como movimento social é a geração desses líderes.

Os “pinguins” enfrentam o conflito a partir de uma dupla estratégia (SANTOS, 2001, p.179): exige-se a incorporação de suas demandas ao conjunto da sociedade, mas a partir de sua própria especificidade, já que não pretendem subordinar-se, mas conservar sua própria identidade (CASTELS, 2006, p.20).

É importante destacar esse ponto, já que não subordinam suas demandas às de outros segmentos da população, porque possuem graus crescentes de autonomia em relação aos atores políticos tradicionais, especialmente diante dos partidos políticos, o que não significa que se encontrem atomizados ou isolados (TOURAINE, 2006).

Os conflitos sociais que envolviam os jovens até a década de sessenta contemplavam à categoria estudantil e especificamente aos universitários. Contudo, a partir dos anos oitenta, no Chile, nas jornadas de protesto contra a ditadura (1983-1986), “a juventude” tornou-se mais complexa, já que nessas jornadas pôde-se constatar uma dupla autoria juvenil: a população dos setores populares e a universitária, dos setores médios e altos. Ambos os setores possuíam formas de organização, práticas, discursos e relações com os partidos políticos, apesar de estarem contra a ditadura.

Durante os anos noventa, fazem sua aparição as tribos urbanas, nas quais a estética no vestuário, no consumo cultural e na música passa a ser um mecanismo de identidade juvenil, constituindo-se em contraculturas que são bem apropriadas pela indústria cultural. Esse elemento deve ser levado em consideração na hora de analisar o fenômeno da Revolução dos Pinguins, já que detrás da estética dessas tribos urbanas se encontra uma profunda crítica ao “sistema social” adulto, que é de caráter político. Buscam a identidade mediante um mecanismo de homogeneização interna, mas mostrando suas diferenças com os de fora, desenvolvem formas de convivência tribais, construindo comunidades emocionais com ritos e discurso próprio (MAFFESOLI, 1990). Isso é possível de apreciar nos novos movimentos juvenis e, especificamente, no movimento dos pinguins dos estudantes secundários chilenos, no qual nenhuma tribo foi marginalizada do processo e inclusive alguns porta-vozes pertenciam a essas tribos.

Bibliografia

CASTELLS, M. Globalización, desarrollo y democracia: Chile en el contexto mundial. Santiago: Fondo de Cultura Económica, 2006.

CHILE. Ley n. 20.370, de 17 de agosto de 2009. Establece la ley general de educación. Diario Oficial de Chile, Santiago, 12 set. 2009.

CHILE. Ley n. 18.962, de 7 de marzo de 1990. Fija los requisitos mínimos que deberán cumplir los niveles de enseñanza básica y enseñanza media y asimismo regula el deber del Estado de velar por su cumplimiento. Del mismo modo norma el proceso de reconocimiento oficial de los establecimientos educacionales de todo nivel. Diario Oficial de Chile, Santiago, 10 mar. 1990.

MAFFESOLI, M. El tiempo de la tribus: el declive del individualismo en las sociedades de masas. Barcelona: ICARA Editorial, 1990.

SALAZAR, G. La violencia en Chile: v.1, la violencia política popular en las “grandes alamedas”: Santiago 1947-1987: una perspectiva histórico-popular. Santiago: Ediciones SUR, 2006.

SANTOS, B. S. Los nuevos movimientos sociales. Revista del Observatorio Social de América Latina/OSAL, Buenos Aires,n.5, p.177-188, Sept. 2001.

TOURAINE, A. Un nuevo paradigma : para comprender el mundo de hoy. Buenos Aires: Paidos, 2006.