SALA DE AULA

Autores/as: EDUARDO MORTIMER

É o espaço no qual se dá a interação entre a professora e seus alunos. A professora atua como mediadora das relações que os alunos estabelecem com o conhecimento. Uma sala de aula funciona sempre guiada por um contrato implícito entre professora e alunos, chamado contrato didático. Esse contrato estabelece a maior ou menor assimetria entre professora e aluno. Por exemplo, se a professora unicamente valoriza as respostas corretas dos alunos às suas perguntas, os alunos logo descobrirão que só devem falar quando têm certeza da resposta. Se, ao contrário, ela valoriza a participação dos alunos quando eles expõem seus pontos de vista, estes falarão independente de terem certeza da resposta.

O interesse em “abrir a sala de aula” é que tem gerado vários estudos que tentam construir instrumentos teóricos e metodológicos que permitam dar visibilidade às interações sociais e discursivas que são aí produzidas. A sala de aula tem sido estudada, desse modo, por pesquisadores de diferentes áreas da educação, com destaque para sociólogos, psicólogos e linguistas. Foram Sinclair e Coulthard (1975), na Inglaterra, e Mehan (1979), nos Estados Unidos, que começaram a analisar o discurso da sala de aula para além da frequência da ocorrência de diversas categoriais de comportamento. Até então, havia vários esquemas de análise da sala de aula que quantificavam a frequência de várias categorias de comportamento, sendo o método de Flanders (FLANDERS, 1970) o mais conhecido entre eles. De acordo com Mehan (1979), “um sistema como o de Flanders, que simplesmente tabula o número de questões feitas pela professora e o número de respostas dadas pelos estudantes, não é adequado para a tarefa de capturar as interações em sala de aula porque mesmo simples trocas do tipo questões-respostas que ocorrem em sala de aula são produções interacionais complexas, estabelecidas pela professora em colaboração com seus estudantes” (MEHAN, 1979, p. 10-11).

Uma das principais consequências desses estudos foi a determinação de um padrão triádico de discurso que ainda hoje tem importância nos estudos sobre a sala de aula: o padrão conhecido como IRA (MEHAN, 1979) ou como IRF (SINCLAIR; COULTHARD, 1975). Para ambos os autores, I corresponde a uma iniciação (normalmente por meio de uma questão do(a) professor(a)) e R a uma resposta do(a) aluno(a). Em relação ao terceiro movimento, Sinclair e Coulthard referem-se a follow-up (prosseguimento), enquanto Mehan e outros autores referem-se à Avaliação. Mehan foi pioneiro ao chamar a atenção para a necessidade de formular conceitos funcionais e não mais gramaticais para o estudo da linguagem em situações naturais como, por exemplo, a sala de aula. A professora, por meio desses padrões, não faz perguntas, mas evoca informações dos estudantes.

              Esses padrões discursivos influenciaram grandemente os estudos posteriores das salas de aula. Muitos deles reforçam a ideia de que o ensino que adere a padrões linguísticos e tem por objetivo transmitir os padrões temáticos de uma disciplina deixa pouco espaço para o processo de justificação e discussão do conteúdo (por exemplo, LEMKE, 1990). Isso ocasiona a perda de interesse pela maior parte dos estudantes. Por outro lado, Moje (1997), por exemplo, usou a análise crítica do discurso (FAIRCLOUGH, 1989) para descrever o que conta como conhecimento no discurso oral e escrito de uma sala de aula de ensino médio de química. Na mesma linha de Lemke, essa autora mostra que nessas salas de aula, apesar de o professor ter a intenção de engajar os estudantes com o discurso científico, os estudantes acabam participando de práticas que têm por objetivo obter a resposta certa e garantir a realização dos trabalhos escolares (MOJE, 1997). O trabalho de Moje, por seu lado, mostra a importância que adquirem os trabalhos na perspectiva da etnografia interacional, cuja pergunta fundamental passa a ser “o que conta” como conhecimento, aprendizagem e ensino. Esses trabalhos mostram que esse tipo de questão só pode ser respondida levando em conta as múltiplas posições subjetivas dos sujeitos envolvidos e seus vários discursos.

Todos esses trabalhos colocavam uma questão importante para o desenvolvimento da aula: o que poderia ser feito com esse discurso triádico, para transformar a sala de aula em um espaço de múltiplas relações entre a professora e suas alunas? Wells (1999) foi um dos primeiros a chamar atenção para o fato de que o terceiro movimento feito pela professora nesses padrões (IRA ou IRF) pode servir a diferentes funções. Em alguns contextos, ele tem uma função avaliativa. Em outros, “a função do terceiro movimento é muito mais uma oportunidade de estender a resposta do estudante, de chamar a atenção para a sua importância, ou para estabelecer conexões com outras partes de toda a experiência dos estudantes durante a unidade” (WELLS, 1999, p. 200). Dessa forma, a importante contribuição de Wells para o estudo da sala de aula foi chamar a atenção para o fato de que esses padrões triádicos não são inerentemente bons ou ruins. “Seus méritos – ou deméritos – dependem da intenção de usá-los para servir em ocasiões particulares e dos objetivos de larga escala que informam esses objetivos” (WELLS, 1999, p. 169).

Consistente com essa proposta de Wells (1999), Mortimer e Scott (2003) propuseram uma estrutura analítica para o estudo da sala de aula na qual o conceito de abordagem comunicativa desempenha um papel central.  O conceito de abordagem comunicativa fornece a perspectiva de como a professora trabalha com os estudantes para desenvolver os significados na sala de aula. De acordo com Mortimer e Scott (2003), quando esse trabalho é desenvolvido, a abordagem da professora pode ser caracterizada ao longo de duas dimensões. A primeira pode ser caracterizada como um contínuo entre dois polos extremos: a professora considera o que os estudantes têm a dizer do ponto de vista do próprio estudante; ou a professora considera o que o estudante tem a dizer apenas do ponto de vista da disciplina escolar. A primeira dessas posições é chamada de abordagem comunicativa dialógica – mais de um ponto de vista é considerado e há interanimação entre diferentes ideias conforme elas são exploradas. A segunda, abordagem comunicativa de autoridade – apenas um ponto de vista é considerado.  

Uma consequência da distinção entre essas abordagens é que uma sequência de fala pode ser de natureza dialógica ou de autoridade independentemente de ser enunciada individualmente ou entre pessoas. (MORTIMER; SCOTT, 2003). Isso leva à segunda dimensão a ser considerada na abordagem comunicativa: que ela pode ser interativa, no sentido de envolver a participação de mais de uma pessoa, ou não-interativa, no sentido de envolver a participação de apenas uma pessoa. Combinando essas duas dimensões, temos um conjunto de quatro categorias que são usadas para caracterizar diferentes situações que ocorrem numa sala de aula: 1 – Interativa e dialógica, que incluem situações em que a professora explora as concepções dos alunos, verifica os seus entendimentos, encoraja a apresentação de hipóteses por parte dos alunos; 2 – Interativa e de autoridade, que inclui as interações triádicas do tipo IRA e todas as situações em que a professora verifica o conhecimento dos estudantes, checa o seu entendimento; 3 – Não-interativa e de autoridade, que inclui as diversas modalidades de exposições e apresentações do conteúdo disciplinar pela professora; e 4 – Não-interativa e dialógica, que incluem a revisões da matéria pela professora, na qual ele expõe diferentes pontos de vista que circularam na sala de aula até então.

Bibliografia

FAIRCLOUGH, N. Language and power. London: Longman, 1989

FLANDERS, N. A. Analyzing teacher behavior.Reading: Addison-Wesley, 1970.

LEMKE, J. L. Talking science: language, learning and values. Norwood: Ablex, 1990.

MEHAN, H. Learning lessons: social organization in the classroom. Cambridge: Havard University Press, 1979.

MOJE, E. B. Exploring discourse, subjectivity, and knowledge in chemistry class. Journal of Classroom Interaction, Houston, n.32, p.35-44, 1997.

 MORTIMER, E. F.; SCOTT, P. H. Meaning making in secondary science classrooms. Maidenhead: Open University Press, 2003.

SINCLAIR, J. M.; COULTHARD, M. Towards an analysis of discourse: the english used by teachers and pupils. London: Oxford University Press, 1975.

WELLS, G. Dialogic inquiry:towards a sociocultural practice and theory of education. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.