SAÚDE DO TRABALHADOR
É uma área de produção de conhecimentos, de práticas e de aplicação política que adota a noção de trabalho como categoria central para apreender os processos saúde-doença na sua dimensão social. Saúde-doença resulta das posições ocupadas pelos indivíduos na sociedade, onde o trabalho, segundo a tradição marxista, é o processo em que o ser humano com sua própria ação põe em movimento as forças naturais de seu corpo, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana.
Inaugura novas percepções sobre as articulações entre o processo de trabalho e a saúde ao encarar o trabalhador como sujeito e não somente como força de trabalho. Seu objeto diz respeito ao humano em situação de trabalho e em suas formas de sentir e manifestar seus mal-estares diante de si e de seu entorno. Os impactos são abordados a partir dessa ótica inovadora, a da vivência e das representações desenvolvidas pelos trabalhadores sobre a saúde e o trabalho em seus coletivos específicos. Por isso, nesse âmbito, adotam-se estratégias para se desenhar modelos de intervenção baseando-se em realidades coletivas. Contrapõe-se assim aos princípios tradicionais da saúde ocupacional cuja ênfase diz respeito aos efeitos de caráter biológico e individual. Esclarece como os trabalhadores reinventam o seu dia a dia de trabalho, elaboram táticas de resistência, alteram os códigos e constroem modos operatórios específicos, reapropriando-se do espaço e do uso dos objetos às suas maneiras. Busca integrar as ciências humanas às ciências sociais, o biológico ao não biológico, e operacionalizar ferramentas metodológicas para abordar os fenômenos de interesse em dois âmbitos (1) vida, doença e morte; (2) organização social e representação social.
Constitui um campo em construção na área da saúde pública ao romper com a concepção hegemônica orientada pelo binômio doença-risco presente no ambiente de trabalho. Bastante influenciado pela corrente da epidemiologia social que desenvolveu o conceito de determinação social do processo saúde-doença, busca compreender a relação dialética entre os determinantes que atuam no plano macro da estrutura social e os que atuam na dimensão singular dos perfis mórbidos dos grupos humanos.
As investigações e diretrizes nessa área se contrapõem à lógica social que sustenta a ideologia da inevitabilidade das condições reais de trabalho e a invisibilidade dos seus efeitos. As condições de trabalho exprimem de modo determinado a sociedade de que faz parte. Ou seja, é uma expressão histórica de uma sociedade determinada. Se a sociedade, em geral, nega na sua estrutura o princípio da igualdade real, nos ambientes de trabalho, as circunstâncias em que o trabalhador se encontra para operar são incoerentes com os objetivos de qualidade da produção e incompatíveis com as características humanas.
As relações sociais e intersubjetivas são realizadas como relação entre um superior que manda e um inferior que obedece. O espaço de trabalho não se difere quanto a essa ordem hierárquica. Nela, as diferenças biológicas, afetivas, cognitivas e culturais e as assimetrias delas resultantes são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando-obediência. Nesse espaço, o outro jamais é reconhecido como sujeito nem como sujeito de direitos, jamais é reconhecido como subjetividade nem como alteridade (CHAUÍ, 2001). As condições de trabalho são reveladoras dessa lógica social, pois são incompatíveis com as necessidades e diferenças entre os indivíduos e inauguram a desigualdade social no espaço da produção e circulação dos bens e serviços.
Desafios no campo da saúde do trabalhador estão em diferentes planos: (1) no plano teórico, esclarecer as mediações que operam entre as condições reais em que ocorre a produção de bens e valores e a produção da saúde e da doença; (2) no plano metodológico, desenvolver estratégias de investigação, com seus correspondentes instrumentos de coleta e análise de informações; (3) no plano prático, formular sistemas e estratégias de formação a fim de intervir nas condições de trabalho.