SAÚDE DOCENTE
Antes de começar as reflexões em torno ao conceito de saúde docente, cabe delimitar que este se trata de um objeto de estudo que entranha uma grande complexidade, o que se evidencia claramente seguinte nota: Era sua vida pensar e sentir e fazer pensar e sentir… Miguel de Unamuno e sua preocupação por enlaçar pensamento e sentimento… Nunca achei uma melhor definição do trabalho do professor: dedicar a própria vida a pensar e sentir, e a fazer pensar e sentir; ambas coisas juntas (ESTEVE, 2005). Em certa medida, o percurso do estudo da saúde dos docentes é um reflexo da complexidade da tarefa docente.
A definição de saúde docente é uma tarefa delicada que requer uma ampliada revisão sobre o tema, mas também uma reflexão epistemológica sobre esse conceito. A esse respeito, é importante notar que nem a saúde nem a doença podem ser analisadas de maneira isolada. Tomamos como pressuposto que a saúde-doença é um processo que deve ser explicado em sua determinação social e histórica e, portanto, começaremos por definir o conceito como saúde-doença do trabalhador docente.
Um termo frequentemente utilizado e que agrupou o esforço de muitos pesquisadores sobre o tema é o de mal-estar docente. A esse respeito, existe o consenso de que falar em mal-estar remete ao estudo e compreensão dos problemas de saúde derivados da prática docente. Isto é, estudam-se as doenças e/ou os signos e sintomas próprios de afecções tanto psíquicas como físicas, contudo, esse conceito não incorpora o de saúde docente. A saúde e a doença são parte de um mesmo processo, cuja principal determinação se encontra na estrutura social e econômica. Assim, o processo saúde-doença precisa ser explicado historicamente dentro de um contexto político, social e econômico (LAURELL, 1982; BREILH, 2003), considerando também a reprodução social do cotidiano e dos elementos culturais que intervêm na configuração dos riscos para a saúde, assim como sua defensa e proteção (ALMEIDA FILHO, 2000).
Embora os estudos sobre mal-estar docente venham avançando na identificação de evidências de danos à saúde dos professores, em geral não têm abordado o problema sob essa perspectiva teórica, já que a maior parte deles corresponde a estudos epidemiológicos tradicionais.
Se por um lado os estudos da relação trabalho-saúde datam de muito tempo atrás, por outro, seu espaço tradicional era fundamentalmente o das fábricas. No entanto, com o aumento e a diversificação da força de trabalho, os espaços laborais se diversificaram. No campo da educação, as pesquisas sobre o tema são recentes e escassas, já que o conceito de profissionalidade do trabalho docente surgiu há apenas três décadas, em meio aos debates acerca da qualidade da educação e sua relação com o desenvolvimento (OREAL-UNESCO, 2005).
Nos anos 70, iniciaram-se estudos partindo do campo da saúde mental na Europa e, partindo da psicologia do trabalho, da clínica e da psicanálise, estudaram-se diversos padecimentos tais como a síndrome de Burnout, a síndrome do desestimento, assim como a relação entre sofrimento e subjetividade (MARTÍNEZ, 2001). Com o auge da teoria do capital humano, a partir da economia e da administração pública, geraram-se os mecanismos de controle e regulação sobre o docente, atribuindo-lhe um papel de executor de programas. Os aportes da sociologia do trabalho e da educação abriram a análise crítica sobre a relação sociedade-educação-escola e, com a recuperação da categoria processo de trabalho, a análise fez do sujeito um ator central. Por sua vez, a pesquisa etnográfica alentou o aprofundamento do estudo do trabalho dos docentes na escola. Alguns autores reportaram padecimentos derivados do uso intensivo da voz, da exposição a fatores físicos e químicos e de outros derivados do uso de computador, entre os mais importantes.
Dentro de um contexto mais amplo e diante da atual flexibilização laboral, o debate sobre a escola pública e o controle do processo de trabalho pelos docentes têm sido um campo de tensão e ação tanto para a política educativa como para os sindicatos e movimentos sociais. O processo de trabalho do docente não escapou a essas modificações que, desde uma perspectiva geral, estão determinadas pela mudança na atribuição do papel social da educação, cujo sentido emancipador perdeu valor ante seu novo objetivo: ser um espaço privilegiado da reprodução do capital e ferramenta da expansão capitalista (TAMEZ; PÉREZ, 2009).
Como já foi mencionado, existe uma tendência a pesquisar o mal-estar docente. Esteve (2005) afirma que ( ) quando alguém nos diz que tem um mal-estar, quer dizer que sabe que não está bem; mas, ao mesmo tempo, não acaba de identificar por que não está bem Os professores, ao querer responder a um ideal de educador, recorrem regularmente a ocultar e negar os problemas profissionais, nesse processo e quando já começam a vacilar, apelam a toda uma série de mecanismos adicionais que incluem nesse conceito de mal-estar docente ou Síndrome de Burnout. Numerosos estudos têm categorizado e explicado as distintas fases sintomáticas da síndrome de estar queimado, também denominada desgaste profissional uma revisão exaustiva pode-se encontrar nos trabalhos de Moriana e Herruzo (2004) e Lemos (2005) no entanto, a patologia laboral do trabalhador docente não se limita somente ao denominado burnout e aos aspectos psicossociais. (TAMEZ; PÉREZ, 2009).
É necessário atualizar e tornar complexos os estudos sobre o tema considerando os perfis epidemiológicos por gênero, etnia e nível educativo, já queosetor educativo é um dos setores com maior índice de mulheres. Contudo, até agora os estudos têm secentrado em um enfoque maternalista e fundamentalmente biológico da saúde das mulheres (ACEVEDO, 2002). Podemos afirmar que existe um trabalho nulo para investigar as condições laborais e a saúde dos trabalhadores docentes no contexto rural e indígena, o qual não somente é uma consequência do alto grau de marginação e discriminação histórica sobre esse setor, senão que representa também uma negação de facto de uma demanda dos povos originários de nossa região com respeito à compreensão intercultural da educação.
Por outro lado, é preciso considerar que o professor é também, frequentemente, investigador, que ele produz uma pequena parte do conhecimento científico e em muitos casos desconhece o produto final e, em sua grande maioria, a totalidade do processo do conhecimento científico e sua aplicação prática e/ou tecnológica geralmente lhe é alheia. Tal sentido de alienação o despoja de qualidades humanas como a solidariedade e a responsabilidade com os outros, assim como da criação coletiva e fraterna do conhecimento e de sua socialização não mercantilizada. (TAMEZ; PÉREZ, 2009)
No desenvolvimento do trabalho docente, geram-se com frequência sentimentos e emoções desencadeadoras de impulsos. A relação particular com o mundo, a plena identificação do eu com seu próprio caráter psíquico e, além disso, com as normas do seu entorno, a consciência acrítica do nós leva, na maior parte das vezes à explosão dos hábitos afetivos e emocionais reprimidos mediante os canais permitidos. Os sentimentos puramente particulares como a inveja e a vaidade, os ciúmes e a covardia , vinculados à defesa da particularidade, com frequência se transformam, subitamente, em destrutividade (HELLER, 1994). A escola moderna em seu caráter disciplinar acarreta um mecanismo de dominação. A disciplina, indica Foucault (2001), aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência) convertendo-as em uma relação de sujeição estrita. Essa situação exige investigações e ações que considerem a subjetividade do trabalhador da educação e sua relação com a construção política educacional (MARTÍNEZ, 2001).