TRABALHADORES DA EDUCAÇÃO

Autores/as: MAURÍCIO ESTEVAM CARDOSO

Expressão utilizada para designar indistintamente todos os segmentos que compõem o quadro de pessoal de uma escola: professores/as, especialistas e funcionários/as. No Brasil, o termo emerge no contexto das mobilizações dos trabalhadores a partir das greves de 1978-1979, evidenciando uma tendência organizativa das entidades estaduais docentes no período, como a APEOESP em São Paulo, o CPERS no Rio Grande do Sul e a UTE em Minas Gerais, em se identificarem com as lutas dos trabalhadores em geral. Essa identificação impulsiona essas entidades a atuarem como sindicatos, mesmo que a legislação em vigor durante o regime militar (1964-1985) proibisse a sindicalização de funcionários públicos. Algumas dessas entidades adotam até mesmo em suas denominações a referência a essa identidade, como a União dos Trabalhadores do Ensino, UTE-MG. A partir da promulgação da Constituição de 1988 e das reformas na Legislação Sindical, permitindo a greve e a sindicalização no setor público, várias entidades estaduais se reestruturam ou se unificam, dando origem a sindicatos que trazem em sua denominação a nomenclatura “trabalhadores da educação”. A própria Confederação de Professores do Brasil, que reunia as entidades docentes estaduais e municipais, vivencia esse processo e, a partir de 1989, passa a denominar-se Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, CNTE.

Em período anterior, constituiu-se um “Sindicato dos Trabalhadores do Ensino do Rio de Janeiro”, de orientação anarcossindicalista, fundado em julho de 1931, que teve curta duração, encerrando suas atividades em novembro do mesmo ano (RÊSES, 2010). Na América Latina, há casos nos quais a identificação entre docentes e trabalhadores remontam à primeira metade do século XX, como o “Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación”, fundado no México, em 1943. Ou ainda um processo de reconfiguração de entidades docentes em “sindicatos de trabalhadores da educação”, no período 1970-1973, como no Chile, Peru e Argentina (FONTOURA et al., 2009).

No contexto de crescimento do setor público em fins dos anos 1970 e início dos 1980, de ampliação do acesso à educação, frente a uma crise financeira do Estado brasileiro, provocando o rebaixamento dos salários dos/as professores/as, os docentes irão se identificar como sujeitos que em muitos aspectos se assemelham aos operários, vivenciando problemas similares como longas jornadas, distanciamento do controle do produto de seu trabalho, baixos salários; e, buscando se organizar nos moldes dos sindicatos, adotam estratégias de mobilização semelhantes, como as greves, passeatas de ruas, panfletagens.

Criou-se nesse período uma solidariedade entre “trabalhadores da produção” e “trabalhadores do ensino”, gerando uma identificação entre esses grupos, pois os docentes foram se transformando em “força de trabalho” vendida ao “patrão Estado”. Uma nova identidade docente se constituiria na luta por melhores condições de trabalho e salário, mas também na luta pela transformação da sociedade, a partir dessa solidariedade comum (ARROYO, 1980).

A construção de uma ordem simbólica ligada à ideia de “trabalhadores da educação” seria uma forma de se contrapor às imagens da profissão como uma vocação, um sacerdócio, ou à identificação com os demais funcionários públicos. O termo vai além de seu estrito valor semântico, adquire o estatuto de signo de pertencimento. Entre vários termos a priori equivalentes, algumas entidades docentes foram levadas a utilizar aquele que marca sua posição no campo discursivo, com a intenção de estabelecer uma relação de pertencimento a um conjunto mais amplo de trabalhadores.

A construção identitária a partir do termo “trabalhadores da educação” seria marcada por contradições, tensões e incertezas entre as trajetórias biográficas e as situações relacionais vivenciadas no exercício da profissão. No processo de constituição identitária dos docentes, as condições de vida e trabalho, níveis de renda e os meios técnicos disponíveis nas escolas estruturariam identificações com os trabalhadores assalariados. Por sua vez, as finalidades da atividade e suas práticas linguísticas estruturariam identificações com ações abnegadas, às imagens de sacerdócio e missão (DUBAR, 2005). Dessa forma, a identidade de “trabalhadores da educação” não seria única, inequívoca, estável e unificadora a ponto de subordinar outras formas identitárias.

Apesar da produção simbólica contínua das entidades docentes, a partir da qual constroem elementos que exercem pressões uniformizadoras e tendências hegemônicas, há também a afirmação de contratendências, de resistências a essas formulações identitárias.

A tentativa de se estabelecer uma identidade homogeneizadora, sob a sigla “trabalhadores da educação”, seria um modo de afirmar uma espécie de essência comum a todos os membros de uma categoria, impondo-se uma base identitária supostamente mais profunda e substancial, que ultrapassa suas individualidades ou especificidades de atuação, centrada na ideia de que todos seriam trabalhadores (MARTUCCELLI, 2002). Mas a identificação dos docentes como “trabalhadores da educação”, em uma entidade homogênea, centrada e bem definida, com uma identidade clara, dirigida por centros decisórios bem estabelecidos, seria “insustentável”, pois tal centramento não ocorre de forma mecânica, ao contrário, é dinâmico e processual e sua realização pode ou não ser alcançada de acordo com variados fatores, dentre eles, o sistema de relações no qual aquelas coletividades se inserem (DOMINGUES, 2004). As entidades docentes não teriam conseguido forjar uma identificação perseguida nas lutas sindicais classistas dos tempos de ditadura, havendo uma nítida separação entre professores/as e funcionários/as dentro das escolas (OLIVEIRA, 2006). Relativizando essa posição, pode-se considerar a identificação com o termo “trabalhadores da educação” como uma “abstração real” (DOMINGUES, 2009), pois diante do contexto de luta contra a ditadura militar, de degradação das condições de trabalho e salariais dos docentes, a identificação com os demais trabalhadores teria um substrato real, porém marcada por uma “utopia homogeneizante” que geralmente tende a rejeitar particularidades. Essa identificação evidencia o caráter transitório e relacional das constituições identitárias, mas revela também sua busca por coerência e estabilidade, que dê a sensação aos indivíduos de se reconhecerem como parte de uma coletividade.

Bibliografia

ARROYO, M. Operários e educadores se identificam: que rumos tomará a educação brasileira? Educação e sociedade, Campinas, v.2, n.5, p.5-23, jan.1980.

DOMINGUES, J. M. A América Latina e a modernidade contemporânea. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.

DOMINGUES, J. M. Ensaios de sociologia. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

FONTOURA, J. et al. Sindicatos docentes e reformas educacionais na América Latina. Brasil. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2009.

MARTUCCELLI, D. Grammaires de l’individu. Paris: Gallimard, 2002.

OLIVEIRA, D. A. Regulação educativa na América Latina: repercussões sobre a identidade dos trabalhadores docentes. Educação em Revista, Belo Horizonte, n.44, p.209-227, dez. 2006.

RÊSES, E. S. Emergência do sindicalismo docente da educação básica no Rio de Janeiro. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA REDE DE PESQUISADORES SOBRE ASSOCIATIVISMO E SINDICALISMO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO. Anais... Rio de Janeiro: IUPERJ, 2010. CD-ROM.