TRABALHO DOCENTE NO ENSINO MÉDIO
Refere-se ao trabalho exercido pelos professores na última etapa da educação básica, voltada à consolidação e ao aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, à preparação básica para o trabalho e a cidadania, ao aprimoramento do educando como pessoa humana e à compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos. Trata-se, historicamente, da docência no nível de ensino de mais difícil enfrentamento em termos de concepção e organização, em decorrência da sua própria natureza de mediação entre o ensino fundamental e a formação profissional stricto sensu (KUENZER, 2001, p. 9). Sua especificidade define-se pelo que confere sentido a essa etapa da educação básica: os sujeitos e os conhecimentos. Sujeitos que têm uma vida, uma história e uma cultura. Que têm necessidades diferenciadas, mas conquistaram direitos universais. Conhecimentos que são construídos socialmente ao longo da história, constituindo o patrimônio da humanidade (RAMOS, 2004, p. 39-40), a que todos têm direito. Desenvolvido, hoje, em grande parte pelas redes públicas, o ensino médio brasileiro tem, como alunos, os jovens de classe popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de forma precária por conta própria, do campo e da cidade, de regiões diversas e com particularidades sociais e étnicas (FRIGOTTO, 2004, p. 57). Em razão disso e dos saberes que divulga e produz, que não são neutros, o trabalho docente no ensino médio traz, em si, possibilidades de mediar os interesses da maioria. No Brasil, até os anos 1960, boa parte dos professores e dos demais funcionários da educação, com uma relativa segurança material e prestígio social, não se viam como trabalhadores. A essa situação de trabalho correspondia, principalmente entre os professores, o apego à ideologia meritocrática, segundo a qual a sociedade está hierarquizada em camadas, compostas por indivíduos cuja renda e cujo prestígio desiguais refletiriam os dons e os méritos, também desiguais, desses indivíduos (BOITO JUNIOR, 2002, p. 3). No final dos anos 1970 e nos anos 1980, a luta sindical aproxima os trabalhadores docentes dos demais trabalhadores com avanços para a categoria. Os anos 1980, em particular, foram singulares para os trabalhadores da educação no reconhecimento de sua condição profissional e na redefinição de sua identidade como trabalhadores (OLIVEIRA et al, 2004, p. 4). A partir da segunda metade dos anos 1990, a inserção brasileira no mundo globalizado, pela via da transformação num mercado financeiro emergente, assegurou ao país um papel melancólico na divisão internacional do trabalho. Inaugurou-se, a partir daí, um conturbado período de reestruturação econômica e de reajustamento social e político, apoiado na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados, dos produtos e dos padrões de consumo com efeitos importantes também para os professores do ensino médio. A doutrina neoliberal passa a orientar um conjunto de reformas pautadas na denúncia de uma crise do Estado, incapaz de enfrentar os desafios da competitividade requerida pela globalização. A argumentação produzida pelos organismos internacionais que apoiaram as reformas acentuava que a educação seria a chave-mestra para romper as amarras do subdesenvolvimento e do atraso, reduzir a desigualdade e a pobreza. Aos professores, pedia-se o apoio à formação da sociabilidade requerida para enfrentar a inevitável globalização e participação no desenvolvimento da tolerância. As novas tarefas do professor de ensino médio, cuja expansão de matrículas, nos anos 1990, ocorreu frequentemente em condições precarizadas, incluiriam a participação na elaboração da proposta pedagógica, o trabalho em equipe, o ensino contextualizado, interdisciplinar, articulado em áreas, a autonomia para continuar aprendendo, a flexibilidade ante as mudanças tecnológicas, econômicas e sociais, o ensino e a avaliação tendo como referência competências e, de forma desejável, a capacidade de trabalhar com educandos com necessidades especiais de aprendizagem. São reformas que atuam não só no nível da escola, mas em todo o sistema, repercutindo em mudanças profundas na natureza do trabalho escolar (OLIVEIRA, 2004, p. 1128), implementadas nos níveis federal, estadual e municipal. Dos professores sobrecarregados, com múltiplas funções, paradoxalmente, estão sendo subtraídos os instrumentos necessários ao exercício de um trabalho que, por sua natureza e sentido, está voltado para as necessidades humanas. Pesquisas realizadas nos últimos anos com professores do ensino médio brasileiro acentuam que os docentes, especialmente os de menor renda, leem pouco ou costumam ler apenas eventualmente; vão pouco ao cinema, ao sindicato, raramente ao teatro e quase a metade não tem, em casa, acesso à Internet. Boa parte está com excesso de alunos, submetida a contratos temporários, ganhando mal, dobrando a jornada, não tem tempo para desempenhar satisfatoriamente suas atividades, encontra dificuldades na relação com os alunos e suas famílias, em virtude, segundo eles, da condição social do novo perfil do alunado. De outro lado, a produtividade exigida ao trabalhador docente do ensino médio a partir dos anos 1990, traduzida em melhores resultados nas avaliações padronizadas, restringiu a autonomia e as possibilidades de escolha do professor, impondo controles que subtraem do trabalho docente o seu poder. O conhecimento a ser ensinado no ensino médio foi traduzido em competências, assim como o que será avaliado pelo SAEB e pelo ENEM, embora na escola precarizada o que funcione, muitas vezes, seja o currículo proposto pelo livro didático adotado, que, por sua vez, também vem sendo adequado progressivamente pelas editoras aos mesmos referenciais. Por falta de tempo e de dinheiro, o professor do ensino médio procura leituras rápidas, instrumentais e as formações continuadas temáticas, de curta duração. A formação em cursos de Mestrado e Doutorado não faz parte das possibilidades concretas da maioria dos professores das redes públicas. O professor que perde prestígio como profissional, perde renda e também perde tempo para adquirir cultura e melhorá-la, a fim de ser um cidadão ativo e exigente (FERNANDES, 1986, p. 30). Por fim, cabe destacar a questão da afetividade em relação a quem aprende que, no atual momento, mostra-se frequentemente como estranhamento diante das condições efetivas em que seu trabalho é realizado. Se é verdade que ao professor do ensino médio público estão sendo impostas condições objetivadas e alienadas, que há maior controle sobre o seu trabalho, enfim, que as finalidades mais humanas do trabalho docente no ensino médio público estão ameaçadas, também é verdade que a produção e o consumo desse trabalho não são independentes, ocorrem no mesmo momento, entre professores e alunos, o que confere poder ao trabalho de ensinar. O trabalhador docente no ensino médio tem um amplo conjunto de potencialidades que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se conjugar uma prática pedagógica eficiente a uma prática política da mesma qualidade (FERNANDES,1986, p. 31).