TUTORIA

Autores/as: DANIEL MILL

 

A tutoria constitui um dos termos mais controversos da modalidade de educação a distância (EaD), tanto na sua terminologia (concepções diversificadas) quanto nas suas funções e competências (variadas e até contraditórias). Isso pode ser observado na literatura, em investigações científicas e práticas cotidianas da tutoria.

Como terminologia, a tutoria apresenta a primeira dificuldade. A concepção de tutor recebe como sinônimos termos do tipo: educador on-line, mentor, orientador virtual, monitor pedagógico, e-formador, formador virtual, etc. Como tutoria, há outras variações: tutor presencial, tutor virtual, tutor eletrônico, tutor a distância, etc. Entretanto, apesar dessas variações nos nomes, todos são compreendidos no que geralmente conhecemos como tutores para EaD. Pelo dicionário Houaiss (2001), o termo tutor data do século XIII e, no latim, significa “guarda, defensor, curador”. Tutor como “indivíduo que exerce uma tutela (ou tutoria)”, “aquele que ampara e protege”, “quem ou o que supervisiona, dirige, governa”. No âmbito da EaD, a ideia de guia prevalece nas definições de tutor, sendo aquele que organiza e facilita a participação dos estudantes, usando um conjunto de estratégias pedagógicas preestabelecidas para uma aprendizagem enriquecedora. Assim, o tutor na EaD pode ser entendido como aquele que apoia a construção do conhecimento e dos processos reflexivos de estudantes. A tutoria é assim vista como a atividade do tutor.

Na EaD, o trabalho do tutor diferencia-se do trabalho do professor, embora ambos exerçam atividade docente. O professor é responsável pela disciplina, prepara seus conteúdos, organizando-os pedagogicamente em (multi)mídias, conforme orientações da proposta pedagógica indicada. Em alguns sistemas de EaD, esse professor ainda acompanha os alunos em parceria com um grupo de tutores durante a oferta da disciplina. Os tutores, por outro lado, geralmente não participam da concepção da disciplina e dos seus materiais didáticos. Suas atividades iniciam na oferta da disciplina, após a matrícula dos alunos.

O trabalho de tutoria é composto por atividades didáticas circunscritas no atendimento aos alunos: estudar os materiais do curso e estimular os estudantes em seus estudos, orientar na realização das atividades da disciplina, auxiliar os estudantes em suas dúvidas e dificuldades com o conteúdo ou com questões técnicas, desenvolver e empregar estratégias de estímulo à reflexão sobre os temas discutidos na disciplina, gerenciar o ambiente virtual de aprendizagem da disciplina e dar feedback sobre as atividades dos alunos, promover interações entre formando-formando-formador, que ocorrem no processo de formação. Essas atividades do tutor podem variar de acordo com a proposta pedagógica de EaD e de tutoria.

Para realizar adequadamente essas atividades, o docente-tutor precisa de uma base de conhecimentos, sendo parte destes coincidentes com os saberes do professor da educação presencial. Schulman (1987) propõe uma base de conhecimento e um modelo de raciocínio pedagógico para o exercício da docência (da educação presencial), em que se destacam o conhecimento do conteúdo específico, conhecimento de conteúdo pedagógico e conhecimento pedagógico do conteúdo. Essa mesma base vale para o docente da educação a distância (que inclui o tutor), pois também na docência virtual esses processos (base de conhecimento para o ensino e modelo de raciocínio pedagógico) são essenciais, embora sejam partilhados na polidocência (MILL et al., 2010). Em suma, é errôneo pensar que um tutor precisa saber “menos” que um docente presencial (MAGGIO, 2001): o tutor, como participante efetivo da polidocência virtual, também precisa dominar os saberes essenciais à docência.

O exercício da tutoria virtual exige alguns cuidados do tutor, tais como:

– Conhecer a proposta curricular, o perfil do egresso e o desenho do curso.

– Dominar os conteúdos específicos da disciplina e os materiais didáticos de apoio.

– Conhecer as particularidades do trabalho docente virtual.

– Compreender suas responsabilidades, tarefas e rotinas.

– Dominar efetivamente as competências sociais e comunicacionais.

– Desenvolver habilidades de boa comunicação escrita e audiovisual.

– Buscar seu letramento digital, apropriando-se de recursos tecnológicos adotados no curso.

– Organizar sua agenda de trabalho, reservando disponibilidade para dedicar-se à atividade de tutoria.

– Cuidar dos aspectos administrativos tangentes à tutoria.

– Desenvolver sua capacidade de trabalho coletivo (com alunos e colegas de trabalho).

– Conhecer bem o perfil dos alunos.

– Ter boa conexão com a internet e acesso a equipamentos necessários ao curso.

Outros cuidados podem ser levantados como desdobramentos destes acima e conforme a natureza da tutoria empregada.

Destaca-se ainda que, pela natureza desse trabalho, a tutoria pode ser considerada uma função docente. Embora não seja o professor responsável pela disciplina, sua prática pedagógica constitui verdadeiramente uma atividade da categoria profissional docente. Na EaD, a divisão social e técnica do trabalho docente ocorre em maior intensidade do que na docência presencial. Na perspectiva trabalhista, essa divisão pode ser observada como fragmentação do trabalho pedagógico, o que traz consigo decorrências por vezes perversas ao tutor, como teletrabalhador (MILL, 2006). A tutoria tem sido realizada em condições de trabalho indesejáveis, precárias e com autonomia limitada. Os tempos e espaços da tutoria virtual indicam maior intensificação do trabalho docente. Esse quadro deprecia a tutoria, que, por equívoco, é tratada como subcategoria da docência. Isso desvaloriza ainda mais a categoria profissional docente.

No atual cenário brasileiro de expansão da EaD, os sistemas de tutoria têm se destacado como elementos-chave das propostas pedagógicas da modalidade, evidenciando a necessidade de maior profissionalização da área e melhoria das condições de trabalho. A importância da tutoria é evidenciada também no aumento de pesquisas interessadas na melhor compreensão das especificidades e dificuldades da tutoria. O grau de maturidade que o campo de trabalho pedagógico dos tutores desenvolveu nos últimos anos nos dá elementos suficientes para compreender a tutoria como parte da categoria profissional docente e também como uma atividade com necessidades especiais em termos de saberes e competências.

Bibliografia

DIAS, A. A.; GOMES, M. (Org.). E-learning para e-formadores. Azurém: Tecminho, 2007.

DURAN, D.; VIDAL, V. Tutoria. Porto Alegre: Artmed, 2007.

HOUAISS, A. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MAGGIO, M. O tutor na educação a distância. In: LITWIN, E. (Org.) Educação a distância. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 93-110.

MILL, D. Educação a distância e trabalho docente virtual. 2006. 322f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas gerais, Faculdade de Educação.

MILL, D.; RIBEIRO, L.; ROZENFELD, M. Polidocência na educação a distância. São Carlos: EdUFSCar, 2010.

PATIÑO, A.; VERGARA, J.; ESPINOZA, N. Modelo de formación tutorial CPEIPVirtual. In: MILL, D.; PIMENTEL, N. Educação a distância. São Carlos: UFSCar, 2010.

PEREIRA, J. O cotidiano da tutoria. In: CORRÊA, J. (Org.). Educação à distância. Porto Alegre: Artmed, 2007. p. 85-104.

SALMON, G. E-moderating: the key to teaching and learning online. London: Routledge Falmer, 2000.

SCHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of a new reform. Harward Educational Review, Cambridge, v.57, n.1, p. 1-22, 1987.