UNIVERSIDADE INTERCULTURAL
Universidade Intercultural é um termo que, no contexto social e educativo latino-americano, designa um conjunto diverso e heterogêneo de modalidades de educação superior universitária (ESU) que, diferenciando-se das universidades seculares tradicionais, ressaltam a necessidade de atenção e reconhecimento aos povos indígenas originários e afrodescendentes (PIA) e à integração de seus saberes no mundo acadêmico universitário.
Diante do caráter monocultural e universalista da concepção do conhecimento que se adjudica às universidades tradicionais, (modelo Napoleônico Humboldtiano) de corte elitista, burocrático, científico e estruturado por faculdades (VERGER, 1992), as universidades interculturais surgem como ação política contestatória dos PIA propondo alternativas institucionais e educativas para dar respostas sociais e culturalmente ajustadas a suas demandas.
Em sentido amplo, o termo universidade intercultural utiliza-se em referência a projetos educativos estratégicos ou a modalidades de atenção educativa para pessoas que aspiram a cursar o nível de ESU, tanto de origem indígena como de outros setores sociais, envolvidos no desenvolvimento dos PIA e interessados em aplicar conhecimentos construídos desde diferentes perspectivas culturais. (CASILLAS; SANTINI, 2006; COORDINACIÓN GENERAL DE EDUCACIÓN INTERCULTURAL BILINGÜE, 2004; SCHMELKES, 2006)
Em
um sentido mais limitado, as universidades
interculturais definem-se comoInstituições de SEU, criadas
especialmente para atender às necessidades, demandas e propostas de formação em
educação superior de comunidades com mais de um PIA e/ou com outras atribuições
ou identificações culturais, nas quais se busca aprender com os saberes, modos
de produção de conhecimento e modos de aprendizagem de várias tradições
culturais, colocando-as em relação (MATO, 2008b).
Apresentam ao menos quatro características: a) são instituições criadas intencionalmente para atender às demandas e necessidades de PIA; b) acolhem a população de mais de uma origem cultural; c) integram no currículo saberes de várias origens culturais ou os relacionam; d) têm um sentido de busca da equidade e remetem ao reconhecimento profundo da diversidade cultural, entendida como visões de mundo, valores, sensibilidades, marcos de interpretação e de ação.
O conceito de universidade intercultural baseia-se nos processos de transformação social e política vinculados a movimentos de reivindicação dos PIA latino-americanos que (entre 1980-1990) incluem de maneira explícita em suas demandas as universidades indígenas e/ou interculturais.
Por isso, as diferentes acepções e os sentidos com os quais se usa tanto o termo universidades interculturais como universidades indígenas e/ou universidades indígenas interculturais têm sua raiz nos contextos histórico-sociais em que essas experiências são gestadas, nos atores que as impulsionam e que participam no seu desenvolvimento (MATO, 2007; WEISE, 2009).
Assim, o termo universidade intercultural aparece associado a diferentes modalidades de ESU que se baseiam em três eixos: a) a inclusão de populações historicamente excluídas das universidades tradicionais com o objetivo de melhorar o acesso, a permanência e as possibilidades de profissionalização de jovens de PIA; b) a recuperação e revitalização de saberes indígenas como conhecimentos válidos e sistemáticos, integrando-os com os conhecimentos científicos ocidentais contemporâneos, em formatos institucionais socialmente reconhecidos e legítimos, como são as universidades; c) a criação de espaços formativos e de espaços de pesquisa próprios que equilibrem as forças na legitimação epistemológica dos saberes (DÁVALOS, 2002) e nos quais a capacidade de tomada de decisões e o exercício do poder sobre a seleção, organização e estruturação desses saberes, assim como sua forma de transmissão e os processos sociais e políticos relacionados com seu uso esteja em mãos de seus promotores.
Cada modalidade de ESU enfatiza algum dos eixos mencionados e suas características organizacionais diferem segundo: a origem das iniciativas (estatal, universidades tradicionais, movimentos indígenas, grupos organizados ou outros); o formato proposto (Programas específicos, projetos conjuntos, instituições privadas, fundações, instâncias dentro de outras universidades); e os atores que participam (líderes e organizações de PIA, governos, cooperação internacional, etc.).
Tomam a forma de instituições universitárias novas; seja de iniciativa pública por meio de políticas governamentais que regulam sua criação, ou introduzindo mudanças nas universidades já existentes, ou se concretizam na figura de universidades privadas, comunitárias ou mistas; universidades virtuais ou em rede; projetos regionais, convênios interuniversitários de colaboração com organizações de PIA; programas de atenção específica dentro de universidades tradicionais e outros (UNESCO, 2003; MUÑOZ, 2006; MATO, 2008). Embora muitas delas sejam, em sentido estrito, monoculturais ou intraculturais (MATO, 2007; WEISE, 2009) e/ou não consigam se afastar dos modelos universitários tradicionais, evidenciam sua vinculação a demandas e reivindicações dos movimentos sociais e dos PIA se autodefinindo como universidades interculturais. Todas elas outorgam titulações de ESU, de nível de técnico superior, licenciatura/bacharelado e/ou pós-graduação (diplomado, especialidade e mestrado).