AÇÃO AFIRMATIVA NA EDUCAÇÃO

Autores/as: DANIELLE CIRENO FERNANDES

Ação afirmativa é uma daquelas expressões de difícil definição, em face de sua diversidade de sentidos, reflexo dos debates e experiências dos países em que foram desenvolvidas. É possível, contudo, afirmar que o termo se originou nos Estados Unidos, na década de 1960. Nesse período, o país vivia um intenso movimento de reivindicações democráticas pelos direitos civis, cujo propósito era a ampliação da igualdade de oportunidades a todos. “É nesse contexto que se desenvolve a ideia de uma ação afirmativa, exigindo que o Estado, para além de garantir leis antissegregacionistas, viesse também a assumir uma postura ativa para a melhoria das condições da população negra” (MOEHLECKE, 2002, p.198).

Para Guimarães (1997, p.233), ação afirmativa consiste em “promover privilégios de acesso a meios fundamentais – educação e emprego, principalmente – a minorias étnicas, raciais ou sexuais que, de outro modo, estariam deles excluídas, total ou parcialmente”. Ainda segundo o autor, ela surge “como aprimoramento jurídico de uma sociedade cujas normas e mores pautam-se pelo princípio da igualdade de oportunidades na competição entre indivíduos livres”. (GUIMARÃES, 1997, p. 233).

No Brasil, a discussão sobre ações afirmativas e, em particular, sobre políticas de igualdade racial não é recente. Seu primeiro registro data de 1968, quando o Ministério do Trabalho apresentou-se a favor da criação de uma lei que exigisse das empresas privadas a contratação de uma porcentagem de empregados negros. Tal lei, contudo, não foi elaborada (SANTOS, 1999).

De acordo com Moehlecke (2004), o primeiro projeto de lei propondo uma “ação compensatória” ao afro-brasileiro data dos anos de 1980. A partir da década seguinte, o debate amplia-se. “Em 1995, pela primeira vez, o presidente da República reconhece que o Brasil é sim um país racista e organiza um encontro, no ano seguinte, com o objetivo de pensar ações que modifiquem essa situação” (MOEHLECKE, 2004, p.758).

Em 13 de maio de 1996, é lançado o Programa Nacional dos Direitos Humanos – PNDH, pela Secretaria de Direitos Humanos, recém-criada. Tal programa estabelece como objetivo principal “desenvolver ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes, à universidade e às áreas de tecnologia de ponta, formular políticas compensatórias que promovam social e economicamente a comunidade negra e apoiar as ações da iniciativa privada que realizem discriminação positiva” (BRASIL, 1996, p.30).

Como já se percebe, as políticas de ações afirmativas têm escolhido a educação como caminho preferencial para atingir seus objetivos. As ações afirmativas na educação, em grande parte conhecidas como políticas de cotas, têm gerado um debate acirrado e, por vezes, de difícil diálogo.

Por enquanto tem sido difícil, às vezes ríspido, o diálogo entre os prós e os contras das ações afirmativas. A bem da verdade, os primeiros têm sido propositivos, articulados e eficazes, conclamando ao debate e esgrimindo estatísticas e argumentações substanciais. Seus discursos têm falado na emergência e transitoriedade das cotas e ações afirmativas e na necessidade do enfrentamento da questão racial em todos os setores da sociedade. Os segundos têm sido mais reativos e reiteram, em geral, a postura universalista que sempre caracterizou o senso comum em torno da mestiçagem e da vocação brasileira para a harmonia racial, da importação desse problema etc. Contrapõem-se a medidas preferenciais para negros em setores dos serviços públicos, para apresentações na mídia etc., se bem que não respondem aos reclamos de que esses são tradicional e ostensivamente brancos. Reafirmam a exigência do mérito (que se manifestariam nas melhores notas nos vestibulares) como único critério para galgarem vagas nas universidades públicas, e alertam para a racialização intrínseca aos procedimentos que estão sendo adotados (PEREIRA, 2003, p.475-476).

É importante lembrar, entretanto, que o discurso e práticas liberais têm sido insuficientes para evitar que atributos adscritos, como o sexo e a raça, sejam utilizados como critérios de estratificação social (FERNANDES, 2005; HELAL, 2007). Essa é também a posição defendida por Rawls (2002), que rediscute o ideal meritocrático, destacando suas limitações e trazendo seu significado ao contexto histórico, ao se referir aos usos e fins que a sociedade atribui às diferenças, inatas ou sociais. O princípio da diferença, nesse sentido, é tido como algo próprio da estrutura da sociedade.

O principal desafio, ao se discutir as ações afirmativas na educação, consiste em decidir quem são os desfavorecidos. Aparecem aqui, de um lado, os defensores das cotas raciais e, de outro, os das sociais. Os que defendem as cotas sociais afirmam que somos mestiços. O problema a ser enfrentado é a pobreza e não a raça em si. Considera-se que o estabelecimento de cotas raciais pode levar a entrada na universidade de negros ricos, o que pode ser considerado uma enormediscriminação.

Almeida (2007) também considera complexa a implementação de uma política de cotas a partir da raça, no Brasil. Com base em uma pesquisa quantitativa sobre vários problemas sociais, dentre eles racismo e preconceito, o autor (2007) conclui que no Brasil o preconceito é maior contra os pardos do que contra os pretos; que apesar do maior preconceito contra os pardos, a população afirma que os mais pobres e com menos chances e oportunidades na vida são os pretos; que há preconceito contra os brancos nordestinos; e que há diferenças importantes entre os pretos e entre os pardos, ou seja, alguns pretos terão mais dificuldades que outros. Almeida (2007) ressalta, todavia, que tais dificuldades apresentadas não implicam dizer que as cotas são desnecessárias, mas que, em face da realidade nacional, as políticas de cotas precisam ser baseadas em informações da ciência social, produzidas e analisadas de forma cientificamente rigorosa.

Por fim, Pereira (2003) considera que a defesa da adoção de cotas fortalece a questão da raça; um problema, em sua opinião. Contudo, continua o autor (2003, p.479), como um movimento tático, de caráter emergencial e temporário, cumpre o duplo papel de tensionar a sociedade em direção ao enfrentamento das desigualdades, e de expor a fragilidade, nesta questão, do pensamento social brasileiro, obrigando-o a se voltar sobre si mesmo, observando suas lacunas, com a oportunidade de engajar-se na efetiva construção do universalismo, em vez de esvaziá-lo em insensata proclamação idealista.

Bibliografia

ALMEIDA, A. C. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2007.

BRASIL. Ministério da Justiça. Programa nacional de direitos humanos. Brasília,1996.

FERNANDES, D. C. Estratificação educacional, origem socioeconômica e raça no Brasil: as barreiras da cor. Brasília: IPEA, 2005. (Prêmio IPEA 40 anos).

GUIMARÃES, A. S. A. A desigualdade que anula a desigualdade: notas sobre a ação afirmativa no Brasil. In: SOUZA, J. (Org.). Multiculturalismo e racismo: uma comparação Brasil-Estados Unidos. Brasília: Paralelo 15, 1997. p.233-242.

HELAL, D. H. Empregabilidade no Brasil: padrões e tendências. Brasília: IPEA, 2007. (Prêmio IPEA 40 anos).

MOEHLECKE, S. Ação Afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,n.117, p.197-217, nov. 2002.

MOEHLECKE, S. Ação Afirmativa no ensino superior: entre a excelência e a justiça racial. Educação e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 88, p.757-776, out. 2004.

PEREIRA, A. M. Um raio em céu azul: reflexões sobre a política de cotas e a identidade nacional brasileira. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, Ano 25, n.03, p.463-482, 2003.

RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SANTOS, J.T. Dilemas nada atuais das políticas para os afro-brasileiros: ação afirmativa no Brasil dos anos 60. In: BACELAR, J.; CAROSO, C. (Org.). Brasil, um país de negros?Rio de Janeiro: Pallas, 1999. p. 221-234.