ACESSO À EDUCAÇÃO

Autores/as: LISETE R. G. ARELARO

Essa expressão traduz, modernamente, a primeira etapa que o direito social à educação –  entendido como direito de todos – impõe aos sistemas democráticos, ou seja, o acesso de todos à escola e nela, à educação. No entanto, esse acesso nem sempre foi um direito de todos. Ao contrário, ao longo da História, foi direito de poucos. Na Grécia antiga, por exemplo, apesar de ser considerada a primeira experiência de governo democrático, o acesso à educação era um direito das minorias, uma vez que esse direito era privativo dos cidadãos e a maioria escrava não era considerada cidadã. No início da colonização brasileira, no século XVI, o acesso à educação estava nas mãos dos jesuítas e sua preocupação educacional exclusiva era a catequese, como forma de tornar os índios “civilizados, dóceis e sem idolatrias”, o que a mantinha restrita. Admite-se que foi no século XVIII, a partir da Revolução Francesa, que a discussão sobre o acesso à educação como direito de todos começou a se consolidar no mundo ocidental. No Brasil, apesar de algumas poucas tentativas ligadas à ampliação da educação popular, o Censo de 1872 acusava a existência de 82% de analfabetos, o que mostra o caráter elitista da sociedade brasileira. Com a Proclamação da República (1889) e os ideais liberal-positivistas é que o trinômio: República, cidadania e educação aparecem de forma mais explícita na sociedade, uma vez que através do voto se definia a condição de cidadania e, para votar, as pessoas precisavam saber ler e escrever: essa foi a motivação para o início de um amplo movimento em defesa da educação popular, enquanto educação da maioria. Com a fundação da Associação Brasileira de Educação, em 1924, adepta da “escola do otimismo pedagógico” (COMPARATO, 1987, p. 100) e o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932 – o 1º Manifesto com esse tipo de conteúdo no Brasil –, educadores, intelectuais e artistas colocaram na agenda nacional a necessidade urgente de se renovar a educação, até então bastante elitista. Nos termos do Manifesto, “(…) do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação, na variedade de seus graus e manifestações, como uma função social e eminentemente pública, que ele é chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais”. (BRASIL, 2010, p. 412) A partir daí, admite-se que para realizar o direito de todos à educação, esta precisa ser pública (entendida como dever do Estado), obrigatória (para que os pais se sintam obrigados a mandar seus filhos para a escola e o Estado tenha obrigação de construir escolas para garantir vagas para todos, em todo o território nacional) e gratuita (para viabilizar a frequência de todos à escola, independente de sua classe social). A Constituição Federal de 1946 vai estabelecer esse direito e essas condições.

Nas décadas de 50 e 60 do século passado, com o processo mais acelerado de industrialização no Brasil, a luta pela “democratização das oportunidades educacionais”, como começa a ser chamado o direito ao acesso à educação, liderada, dentre outros, pelo educador Anísio Teixeira, ganha força em todo o território brasileiro. O 1º Plano Nacional de Educação, de 1963, propôs como meta principal, pela 1ª vez na história dos planos educacionais, a matrícula (ou “escolarização”) de 100% das crianças de sete a onze anos de idade, até 1970, na escola primária – naquela época de duração de quatro anos. Houve expansão do acesso à educação no período, no entanto, os censos escolares das décadas seguintes continuaram apontando o não atendimento à maioria da população em idade escolar e a consequente ampliação do número de brasileiros analfabetos maiores de 15 anos de idade. Terminado o governo militar em meados dos anos oitenta e com a pressão dos movimentos sociais internos e externos, em função dos baixos índices estatísticos de matrículas no ensino fundamental brasileiro – um dos mais baixos do mundo -, nos anos noventa, o governo brasileiro assume o compromisso de cumprir as metas estabelecidas no Plano Decenal “Educação para Todos”, para que o direito básico de acesso à educação fosse, afinal, implementado. Até o final da década de 90, o Brasil ampliou a faixa de atendimento escolar das crianças e jovens de sete a catorze anos de idade, atingindo o percentual de 97%. Pode-se afirmar, desde então, que o acesso à educação, no ensino fundamental de oito anos de duração, foi atingido. A partir do século XXI, atingida a meta da matrícula da maioria da população em idade escolar no ensino fundamental, em 2006, nova legislação amplia a duração do ensino fundamental para nove anos (Lei Federal nº 11.274/2006 – art. 3º), sendo então obrigatória a matrícula das crianças a partir dos seis anos de idade nessa etapa de ensino, ampliando a faixa etária obrigatória do direito ao acesso à educação. Em 2009, uma nova complexidade vai incorporar a expressão “acesso à educação”, pois, em função das Emendas Constitucionais (EC) nº 53/2006 e 59/2009, novas exigências são estabelecidas na Constituição Federal, para além da garantia do direito de acesso à educação no ensino fundamental, uma das etapas da educação básica. Essas EC determinam que esse direito seja estendido a toda educação básica, ou seja, da educação infantil ao ensino médio, e que, portanto, o direito à educação – traduzida no seu acesso público, gratuito e obrigatório -, a partir de 2016, esteja garantido e seja realidade seu acesso de forma progressiva, pelo menos, dos quatro aos dezessete anos de idade para toda a população brasileira (EC 59/2009 – art. 1º e 6º).

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Senado, 1946.

BRASIL. Emenda constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos artigos 7, 23, 30, 2006, 208, 211 E 212 da Constituição Federal e ao Artigo 60 do Ato Das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, 20 dez. 2006.

BRASIL. Emenda constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta parágrafo 3 ao Artigo 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da desvinculação das receitas da União incidente sobre os recursos destinados a manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o artigo 212 da Constituição Federal, da nova redação aos incisos i e vii do Artigo 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e da nova redação ao parágrafo do 4 Artigo 211 e ao parágrafo 3 do artigo 212 e ao caput do artigo 214, com a inserção neste dispositivo de inciso vi. Diário Oficial da União, Brasília, 12 nov. 2009.

BRASIL. Lei nº 11.274, de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos Artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei  9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matricula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, Brasília, 7 fev. 2006.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Manifesto dos pioneiros da escola nova. Disponível em: <http://www.inep.gov.br/download/70Anos/ Manifesto_dos_Pioneiros_Educacao_Nova.pdf >. Acesso em: 09 set. 2010.

COMPARATO, F. K. Educação, estado e poder.  São Paulo: Brasiliense, 1987.

TEIXEIRA, A. Educação é um direito.  São Paulo: Cia. Ed. Nacional, 1968.