APRENDIZAGEM
Não existe apenas uma explicação para a aprendizagem. Em sua complexidade, esse fenômeno é visto sob diversas perspectivas. Em uma perspectiva convencional, a aprendizagem tende a ser considerada como um fenômeno resultante de influências externas, que ocorre na mente do aprendiz. Por meio de um processo mnemônico, os sujeitos apreendem os conhecimentos que são transmitidos socialmente, tanto em situações da vida cotidiana quanto em situações formais de ensino ou de trabalho. Ainda dentro dessa perspectiva, uma forma de ver a aprendizagem é pelo condicionamento. As pessoas aprendem a agir propriamente em seu ambiente sendo reforçadas e, às vezes, punidas. Isso se refere a um conhecimento mais tácito, que perpassa as relações interpessoais que ocorrem no cotidiano. Se pensarmos no ambiente escolar, poderíamos dizer que a aprendizagem, vista por esse prisma, é resultante do repasse de informações fornecidas pelo professor, que programa o conteúdo, passo a passo, de forma que o aluno, por repetição e acumulação, por reforço ou punição, venha a assimilá-lo. Além dos conteúdos, aprendem-se também as regras. Por exemplo, na escola, não se aprende apenas as respostas certas, mas a ser estudante. Aprende-se a desempenhar papéis, a ter sucesso, a enganar, trapacear, a expor ou recolher os sentimentos, aprende-se uma série de formas de convivência que não estão explícitas no currículo oficial. Outra maneira de pensar a aprendizagem é aquela descrita pela Abordagem Histórico-cultural (VYGOTSKY, 1994). Nessa perspectiva, a aprendizagem é resultante de uma rede de interações sociais a que os sujeitos estão submetidos em seu meio cultural. Aprender, portanto, é atribuir significado às experiências vividas pelos sujeitos. Essa forma de ver a aprendizagem nega a visão de que a aprendizagem ocorre dentro da mente de um único indivíduo e vê a aprendizagem distribuída entre as pessoas, os artefatos materiais e os recursos semióticos. Para essa abordagem, a relação que o ser humano estabelece com o mundo não é direta, mas mediada pela cultura. Assim, o exercício de dar significado aos objetos, às relações, aos sentimentos é mediado. Nessa perspectiva, inverte-se a forma tradicional de conceber a aprendizagem. Aprender não seria colocar um conhecimento que está fora, no mundo, para dentro da cabeça do sujeito, mas atribuir significado às experiências vivenciadas de forma que o ser humano possa se distinguir do entorno no qual está submerso. Os conceitos fora e dentro passam a ser problematizados. Essas relações são vistas dialeticamente, ou seja, em um movimento que vai do mundo para o sujeito e do sujeito para o mundo, sempre mediadas pelas significações culturais dadas pelo ambiente a que o sujeito pertence. As pessoas, portanto, compartilham modos de agir e de pensar. Nessa troca, aprende-se. Essa perspectiva não concebe a aprendizagem separada do desenvolvimento. Percebe-se que não são fenômenos equivalentes, mas que há uma interdependência entre ambos. Para Vygotsky (1993), são as aprendizagens ocorridas no meio que impulsionam o desenvolvimento. Aprendizagem e desenvolvimento, portanto, intercambiam-se dialeticamente. Melhor dizendo: as aprendizagens impulsionam o desenvolvimento que permite que novas aprendizagens ocorram. Isso significa que as relações sociais cotidianas, o acesso a práticas culturais, o acesso ao conhecimento sistematizado são fundamentais. Vygotsky chega a dizer que até mesmo os processos mentais que julgamos ser individuais têm uma natureza que ele denomina como quase-social. Isso quer dizer que, originariamente, até nossos pensamentos considerados mais íntimos tiveram sua origem na interação social, elaborados na discussão com nossos semelhantes. Avançando as concepções de Vygotsky, Leontev (1978) vê o fenômeno da aprendizagem como resultante do engajamento dos seres humanos em sistemas de atividade. Para ele, as ações praticadas (individual ou coletivamente) inserem-se em um sistema mais amplo, que ele denominou de sistema de atividade. Isso significa que as ações praticadas pelo sujeito são orientadas por um motivo mais amplo, compartilhado por um determinado grupo social. Por outro lado, toda ação requer uma condição específica para ser realizada, que ele denomina de operação. Se tomarmos seu exemplo clássico da caçada, à época dos homens primitivos, temos uma atividade coletiva, a caçada, movida por um motivo óbvio, a sobrevivência do grupo. Essa atividade é realizada por meio de ações dos sujeitos nela envolvidos, a exemplo de correr para chamar a atenção do animal, esperar, atacar, que possuem objetivos claros e diferenciados, segundo a divisão do trabalho organizada pela coletividade. As operações envolvem o uso de instrumentos necessários à realização dos diversos objetivos. As aprendizagens que ocorrem em uma situação como essa são resultantes do engajamento dos sujeitos na atividade coletiva. Decorrente dessa forma de pensar a aprendizagem, Lave e Wenger (1991) apresentam uma visão de aprendizagem situada em práticas sociais concretas. Para eles, a aprendizagem é função da atividade, do contexto e da cultura na qual ocorre. As práticas sociais são vistas por esses pesquisadores como heterogêneas e multifocais e os conflitos como aspectos inerentes à existência humana que só podem ser enfrentados nas situações práticas. Ações, sentimentos, pensamentos e valores também não se separam quando as pessoas se engajam nas atividades. Para eles, a aprendizagem vai além da aquisição racional do conhecimento. Ao contrário, essa ideia apresenta aprendizagem, pensamento e conhecimento como relações que surgem em um mundo estruturado social e culturalmente, em uma comunidade concreta. Assim, a noção de aprendizagem situada engloba tanto os aspectos racionais quanto a emoção, os sentimentos, as formas de comunicação, os conflitos, as rupturas e as divergências. Essa abordagem vê a aprendizagem como mudança nas formas de participação dos sujeitos em atividades que se encontram em andamento e o conhecimento como um meio para a resolução de problemas colocados por essa prática assim como um produto da atividade que está em curso. Aprender na participação ultrapassa o mental; abrange o corpo, a mente, os sentimentos e a identidade das pessoas envolvidas. Tanto os indivíduos quanto a coletividade transformam-se nessa experiência. Relevantes, então, para a discussão sobre a aprendizagem, não são os conteúdos da mente, mas as formas de participação das pessoas nos diversos ambientes que frequentam. Essa maneira de ver a aprendizagem rompe com uma visão puramente cognitivista e concebe a aprendizagem como um processo coletivo que leva em conta as experiências anteriores dos sujeitos envolvidos. Sendo assim, o conhecimento, fruto dessas experiências, estará sempre sofrendo transformações.