CADERNOS ESCOLARES
Definidos em dicionário da língua portuguesa como um conjunto de folhas de papel cortadas, coladas ou cosidas, formando livro de anotações ou de exercícios escolares, têm despertado, cada vez mais, o interesse dos pesquisadores que visam compreender os usos do tempo na escola, as diferenças entre o currículo prescrito e o ensinado (CHARTIER, 2003), os modelos femininos transmitidos nas salas de aula (POZO e RAMOS, 2003), a hierarquização das disciplinas que se expressa nos rituais e práticas cotidianas, a função disciplinadora dos exercícios e as práticas avaliativas que se deixam entrever nas correções dos professores (LOPES, 2006), por exemplo. Nas duas últimas décadas, pesquisadores e, em particular, historiadores da educação os tomam como fonte privilegiada para a compreensão da caixa preta da sala de aula e eles passam, segundo Antonio Viñao (2008), a se constituir em fontes complexas (MEDA, MONTINO e SANI, 2010) que figuram em três campos historiográficos relacionados e complementares: a história da infância, a da cultura escrita e a da educação. Dentre os estudos que se voltaram para a escrita escolar e seus suportes, destacam-se o de Dominique Julia (1995), que considera que se constituem em importantes observatórios do conteúdo ensinado, pois permitem examinar os usos do tempo na escola, a dimensão moral que se faz presente nos enunciados dos exercícios de cópia e caligrafia, além de exemplificar como a criança foi construindo o espaço gráfico, o que pode ser visto nos títulos e no respeito às margens e pautas, fazendo com que muito se assemelhem aos livros. A partir deles, Silvina Gvirtz (1997) reconstituiu as práticas escolares, desde as primeiras décadas do último século, o que lhe permitiu evidenciar as operações mais rotineiras no cotidiano escolar que ultrapassavam as reformas educativas, as crenças pedagógicas e os momentos políticos: copiar, traduzir, selecionar, classificar, ordenar, enumerar, completar, separar, compor, relacionar, definir, analisar, resumir, redigir, calcular e resolver. Jean Hébrard (2001), por sua vez, debruçou-se sobre cadernos escolares considerando que, a partir do momento em que a escola francesa não mais se limitou a ensinar a ler, escrever e contar, eles passaram a ser o espaço da escrita no qual o aluno aprendeu a ordenar o espaço gráfico e o tempo destinado às atividades escolares. Coleções brasileiras de cadernos escolares como a Coleção Cívica, produzida e distribuída pela centenária Casa Cruz, entre meados da década de 1930 até a metade da década de 1980, que traziam estampados, nas capas assinadas por Manuel Mora, ilustrador português radicado no Brasil, heróis nacionais, riquezas naturais e símbolos pátrios, indicam que não eram destinados apenas à aprendizagem e exercício da escrita (MIGNOT, 2005.a). Como O Colegial, Caderno Brasil, Caderno Universitário, Avante, Caderno Alvorada, (PEIXOTO, 2004), a presença de bandeiras, hinos, mapas do território nacional, personagens ilustres, produtos brasileiros se propunham também a cultuar vultos históricos e símbolos nacionais, despertando e cultivando o amor à pátria, o respeito às tradições e a obediência à ordem. Nas capas de cadernos de caligrafia, por sua vez, os nomes dos autores chamam a atenção para o trabalho que requeria um saber especializado. Parecer assinado recomendando a adoção dos cadernos da série Caligraphia Vertical novo méthodo de escripta por phraseação, de 1913, indica que os suportes da escrita escolar não estiveram distantes das prescrições legais. Elas traziam ainda o nome da gráfica, da livraria, da editora ou da papelaria onde haviam sido impressos. Informavam sobre a circulação e, vez por outra, sinalizavam ser exclusividade de alguma instituição de ensino (MIGNOT, 2003). Ao longo do tempo, os cadernos escolares sofreram modificações em função da modernização do parque gráfico, do barateamento do custo do papel, da expansão da indústria caderneira e do aumento substantivo de estudantes nos bancos escolares. Deixaram de ser costurados e colados e passaram a ser grampeados ou espiralados. Desapareceram também das capas os nomes dos autores, as indicações para adoção e a assinatura dos ilustradores que sinalizavam para a importância atribuída aos cadernos escolares, num momento no qual ainda tinham centralidade no processo ensino-aprendizagem (MIGNOT, 2008). Os cadernos escolares à venda, refletem, via de regra, a segmentação da produção em escala industrial, o que pode ser visto em diferentes séries com capas projetadas para públicos diferenciados, com os ídolos que povoam o cotidiano e o imaginário das crianças e jovens. Apesar de tantas mudanças, em tempos de escrita digital, nos cadernos escolares, os alunos ainda aprendem e exercitam a escrita imposta e regulada pela instituição escolar ou transgridem as normas instituídas.