CRIANÇA

Autores/as: SONIA KRAMER; FLÁVIA MOTTA
Pessoa de pouca idade, que produz cultura, é nela produzida, brinca, aprende, sente, cria, cresce e se modifica, ao longo do processo histórico que constitui a vida humana. As crianças são constituídas a partir de sua classe social, etnia, gênero e por diferenças físicas, psicológicas e culturais. Diversas concepções teóricas sobre a criança são encontradas na Filosofia, na Psicologia e na Sociologia. No âmbito da Filosofia, a teoria crítica da cultura e da modernidade considera que a criança cria cultura, brinca, dá sentido ao mundo, produz história, recria a ordem das coisas, estabelece uma relação crítica com a tradição. “As crianças são especialmente inclinadas a buscarem todo local de trabalho onde a atuação sobre as coisas se processa de maneira visível. Sentem-se irresistivelmente atraídas pelos detritos que se originam da construção (…) Nesses produtos residuais, elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas volta exatamente para elas, e somente para elas. Neles, estão menos empenhadas em reproduzir as obras dos adultos do que em estabelecer uma relação nova e incoerente entre esses restos e materiais residuais. Com isso, as crianças formam o seu mundo de coisas, um pequeno mundo inserido no grande.” (Benjamin, 2002). Segundo essa concepção, a arte em geral e o cinema e a literatura em particular ajudam a apreender o olhar infantil e a ver o mundo do ponto de vista da criança. Para a Psicologia histórico-cultural, a criança supera sua condição natural através da linguagem fazendo-se na história ao mesmo tempo em que faz história. “Falar de desenvolvimento cultural da criança (…) é falar da construção de uma história pessoal no interior da história social.” (Pino, 2000). Relações sociais se convertem em funções mentais (Vigotski, 2000), assim, o que importa é entender os processos sociais que atuam sobre a criança para que ela desenvolva as funções mentais superiores que são produto dessa ação. O ser humano se constitui na relação com o outro; na interação social, as dimensões cognitiva e afetiva não podem ser dissociadas. Quando interagem, as crianças as aprendem, formam-se, criam e transformam; são sujeitos ativos que participam e intervêm na realidade; suas ações são maneiras de reelaborar e recriar o mundo. Aos adultos cabe a importante função de mediação. “O desenvolvimento do pensamento e da linguagem depende dos instrumentos de pensamento e da experiência sociocultural da criança.” (Vigotski, 2001). O papel do outro é fundamental tanto na constituição do eu, quanto no desenvolvimento e aprendizagens que o sujeito faz ao longo da vida. Esses processos, manifestos na infância, constroem realidades individuais e históricas que se traduzem na subjetividade de cada um. A criança constitui seu eu a partir de outros eus, uma subjetividade necessariamente dialógica. E, desde bem pequenas, as crianças criam e imaginam, expressando seus desejos e emoções. (Vigotski, 2009). Para a Sociologia da Infância, a criança possui uma dupla inserção na sociedade: estrutural, enquanto geração e concreta, enquanto cada sujeito histórico. As perspectivas estruturais tomam a infância como categoria geracional: as crianças pertencem à mesma faixa etária, ao mesmo tempo, e sofrem as ações da estrutura social em que estão inseridas. As perspectivas interpretativas partem também do pertencimento da criança à categoria social da infância e estudam processos de subjetivação, nas interações com adultos e com seus pares, recriando as culturas onde estão inseridas. As crianças devem ser estudadas a partir de seu próprio campo e não apenas sob uma perspectiva adultocêntrica (Sarmento, 2008). As crianças de todas as raças/etnias, religiões, classes sociais, origens e locais de moradia, gêneros, independente da condição dos pais, têm direito à educação de qualidade que amplie seu desenvolvimento, seu universo cultural e o conhecimento do mundo físico e social, a constituição de sua subjetividade e autoestima, favoreça trocas e interações. As práticas educativas, em todos os tipos de instituições, devem respeitar e acolher as crianças em suas diferenças e deficiências; entendendo que são cidadãs de direitos à proteção e à participação social, a experiências culturais onde se combinam saberes da experiência, fruto de vivências das crianças e conhecimentos que integram a natureza, a produção e o patrimônio cultural na perspectiva da formação humana. A linguagem e a brincadeira são articuladoras entre saberes e conhecimentos. As instituições e os adultos devem favorecer a brincadeira, entendida como experiência de cultura e forma privilegiada de expressão da criança. As crianças têm direito à atenção, à “proteção, à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (Brasil, 1990). As crianças “têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis” (Brasil, 1990). É inadmissível qualquer tipo de violência – física ou simbólica – ou negligência contra as crianças.

Bibliografia

BENJAMIN, W. Reflexões: a criança, o brinquedo e a educação.São Paulo: Duas Cidades, Ed. 34, 2002. BRASIL. Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências.  Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 1990. PINO, A. Editorial. Educ. Soc. 2000, vol.21, n.71, p. 07-17. SARMENTO, M. Sociologia da Infância: correntes e confluências. In: SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S. (Orgs.). Estudos da infância: educação e práticas sociais.  Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 17-39. VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. _____________. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2001. Trad. Paulo Bezerra. _____________. Imaginação e criação na infância. São Paulo: Ática, 2009.