EDUCAÇÃO INTEGRAL
Ação educacional que envolve diversas e abrangentes dimensões da formação dos indivíduos. Quando associada à educação não-intencional, diz respeito aos processos socializadores e formadores amplos que são praticados por todas as sociedades, por meio do conjunto de seus atores e ações, sendo uma decorrência necessária da convivência entre adultos e crianças. O conceito é utilizado também conforme a ideia grega de Paideia, significando a formação geral do homem que envolve o conjunto completo de sua tradição e propicia o pleno desenvolvimento, no indivíduo, da cultura a que ele pertence (JAEGER, 2010). Do ponto de vista de quem educa, indica a pretensão de atuar em diferentes aspectos da condição humana, tais como os cognitivos, emocionais e societários. Por isso, com frequência, aparece associado ao conceito de homem integral. Quando referida à educação escolar, apresenta o sentido de religação entre a ação intencional da instituição escolar e a vida em sentido amplo. A concepção de educação integral, como prática político-social, visando a interferência no destino não só dos indivíduos mas da sociedade como um todo, entrou em pauta, no mundo ocidental, a partir da difusão da escolarização, ao final do século XVIII. A generalização social da escola, ou seja, da educação apartada da vida cotidiana e produtiva, fez surgir duas interpretações de certa forma antagônicas: de um lado, a compreensão desse apartamento como sendo a base para a realização da tarefa educativa. Situam-se aí os esforços de Comenius a Herbart pela definição de uma cultura especificamente escolar. De outro lado, a preocupação com a necessidade de reatamento entre educação e vida que teve sua expressão precoce em Rousseau e, posteriormente, nos séculos XIX e XX, nas concepções libertárias, socialistas e liberais da educação.
Os vínculos entre educação escolar e natureza, valores espirituais, valores morais, formação da cidadania e formação para o trabalho foram, em diferentes momentos, considerados insatisfatórios e levaram ao desenvolvimento de propostas de educação integral. Diversas correntes do pensamento educacional representam tentativas de recuperar alguns desses vínculos, fortalecendo determinado tipo de formação. É o caso de movimentos filosófico-educacionais tais como o naturalismo de Rousseau, o filantropismo de Basedow, a educação política de Condorcet, o neo-humanismo social de Pestalozzi, a pedagogia da ação de Dewey, a pedagogia do trabalho de Blonski (LARROYO, 1974), ou ainda a politecnia na tradição marxista (MACHADO,1989), que buscavam a reunificação entre a escola e aquilo que cada um deles considerava ser o fundamento da vida em sociedade.
Os movimentos autoritários de diferentes matizes apresentaram, a seu modo, a ideia de educação integral. Nesse caso, a expectativa de pensamentos e comportamentos monolíticos encontrava nessa ideia a possibilidade de construção de consensos, à base de imersão em treinamento doutrinário e limitação de alternativas.
Para os anarquistas, a educação integral poderia formar homens novos. Entendiam-na como o desenvolvimento de todas as possibilidades da criança, sem abandonar nenhum aspecto mental, físico, intelectual ou afetivo. Segundo Kropotkin, importante representante desse movimento, à divisão da sociedade em trabalhadores intelectuais e braçais, nós opomos a integração de ambos os tipos de atividades; e em vez de “educação técnica”, que impõe a manutenção da atual divisão dos dois tipos de trabalho referidos (científico e mecânico), proclamamos a educação integral ou completa, o que significa o desaparecimento dessa distinção tão perversa. (KROPOTKIN, 1989, p. 52).
O conceito é, portanto, utilizado em diferentes contextos ideológicos. No Brasil, o movimento integralista desenvolveu, nas décadas de 1920 e 1930, em teoria e prática, a concepção de uma escola de educação integral. Essa educação envolvia o Estado, a família e a religião, postos em sintonia pela escola, numa intensiva ação educativa. Tinham como lema a educação integral para o homem integral (CAVALARI, 1999).
Anísio Teixeira, embora não utilizasse o termo, propôs, ao longo de sua obra, uma educação escolar que ultrapassasse a instrução escolar. Afirmava que a escola já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vezes da casa, da família, da classe social e por fim da escola, propriamente dita, oferecendo à criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudos, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos. (TEIXEIRA, 1994, p. 162). No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, a expressão está explícita e afirma o direito de cada indivíduo à sua educação integral […] a ser realizada com a cooperação de todas as instituições sociais.(AZEVEDO et al., 2006, p. 192.)
Em políticas educacionais brasileiras, desenvolvidas nas décadas de 1980 e 1990, no âmbito dos estados e municípios, bem como na bibliografia produzida a partir delas, a expressão educação integral representa a ideia de que é a instituição escolar que pode propiciar ações para uma abrangente, múltipla e criticamente refletida educação escolar (COELHO, 1997). Nesse período, a expressão aparece quase sempre relacionada à jornada escolar em tempo integral, objetivando o enfrentamento da desigualdade educacional associada à desigualdade social. É o caso de programas como os Centros Integrados de Educação Pública – CIEP no Estado do Rio de Janeiro, os Centros de Atenção Integral à Criança CAIC, em nível nacional, e os Centros de Educação Integral – CEI na cidade de Curitiba. Em 2007, o conceito aparece na Portaria Interministerial que cria o Programa Mais Educação, o qual visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no contraturno escolar (BRASIL, 2007). Nessa aplicação, a educação integral é entendida como ampliação de tempos e espaços educacionais, bem como dos compromissos sociais da escola, que se associa às demais políticas sociais e às comunidades locais para a melhoria da qualidade da educação.