EDUCAÇÃO INTEGRAL

Autores/as: ANA MARIA CAVALIERE

Ação educacional que envolve diversas e abrangentes dimensões da formação dos indivíduos. Quando associada à educação não-intencional, diz respeito aos processos socializadores e formadores amplos que são praticados por todas as sociedades, por meio do conjunto de seus atores e ações, sendo uma decorrência necessária da convivência entre adultos e crianças. O conceito é utilizado também conforme a ideia grega de Paideia, significando a formação geral do homem que envolve o conjunto completo de sua tradição e propicia o pleno desenvolvimento, no indivíduo, da cultura a que ele pertence  (JAEGER, 2010). Do ponto de vista de quem educa, indica a pretensão de atuar em diferentes aspectos da condição humana, tais como os cognitivos, emocionais e societários. Por isso, com frequência, aparece associado ao conceito de “homem integral”. Quando referida à educação escolar, apresenta o sentido de religação entre a ação intencional da instituição escolar e a vida em sentido amplo. A concepção de “educação integral”, como prática político-social, visando a interferência no destino não só dos indivíduos mas da sociedade como um todo, entrou em pauta, no mundo ocidental, a partir da difusão da escolarização, ao final do século XVIII. A generalização social da escola, ou seja, da educação apartada da vida cotidiana e produtiva, fez surgir duas interpretações de certa forma antagônicas: de um lado, a compreensão desse apartamento como sendo a base para a realização da tarefa educativa. Situam-se aí os esforços de Comenius a Herbart pela definição de uma cultura especificamente escolar. De outro lado, a preocupação com a necessidade de reatamento entre educação e vida que teve sua expressão precoce em Rousseau e, posteriormente, nos séculos XIX e XX, nas concepções libertárias, socialistas e liberais da educação.  

Os vínculos entre educação escolar e natureza, valores espirituais, valores morais, formação da cidadania e formação para o trabalho foram, em diferentes momentos, considerados insatisfatórios e levaram ao desenvolvimento de propostas de “educação integral”. Diversas correntes do pensamento educacional representam tentativas de recuperar alguns desses vínculos, fortalecendo determinado tipo de formação. É o caso de movimentos filosófico-educacionais tais como o naturalismo de Rousseau, o filantropismo de Basedow, a educação política de Condorcet, o neo-humanismo social de Pestalozzi, a pedagogia da ação de Dewey, a pedagogia do trabalho de Blonski (LARROYO, 1974), ou ainda a politecnia na tradição marxista (MACHADO,1989), que buscavam a reunificação entre a escola e aquilo que cada um deles considerava ser o fundamento da vida em sociedade.

Os movimentos autoritários de diferentes matizes apresentaram, a seu modo, a ideia de “educação integral”. Nesse caso, a expectativa de pensamentos e comportamentos monolíticos encontrava nessa ideia a possibilidade de construção de consensos, à base de imersão em treinamento doutrinário e limitação de alternativas.

Para os anarquistas, a “educação integral” poderia formar homens novos. Entendiam-na como o desenvolvimento de todas as possibilidades da criança, sem abandonar nenhum aspecto mental,  físico, intelectual ou afetivo. Segundo Kropotkin, importante representante desse movimento, à “divisão da sociedade em trabalhadores intelectuais e braçais, nós opomos a integração de ambos os tipos de atividades; e em vez de “educação técnica”, que impõe a manutenção da atual divisão dos dois tipos de trabalho referidos (científico e mecânico), proclamamos a educação integral ou completa, o que significa o desaparecimento dessa distinção tão perversa.” (KROPOTKIN, 1989, p. 52).

O conceito é, portanto, utilizado em diferentes contextos ideológicos. No Brasil, o movimento integralista desenvolveu, nas décadas de 1920 e 1930, em teoria e prática, a concepção de uma escola de “educação integral”. Essa educação envolvia o Estado, a família e a religião, postos em sintonia pela escola, numa intensiva ação educativa. Tinham como lema “a educação integral para o homem integral” (CAVALARI, 1999).

Anísio Teixeira, embora não utilizasse o termo, propôs, ao longo de sua obra, uma educação escolar que ultrapassasse a instrução escolar. Afirmava que “a escola já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vezes da casa, da família, da classe social e por fim da escola, propriamente dita, oferecendo à criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudos, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos.”  (TEIXEIRA, 1994, p. 162). No Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, a expressão está explícita e afirma o “direito de cada indivíduo à sua educação integral […] a ser realizada com  a cooperação de todas as instituições sociais.”(AZEVEDO et al., 2006, p. 192.)

Em políticas educacionais brasileiras, desenvolvidas nas décadas de 1980 e 1990, no âmbito dos estados e municípios, bem como na bibliografia produzida a partir delas, a expressão “educação integral” representa a ideia de que é a instituição escolar que pode propiciar ações para uma abrangente, múltipla e criticamente refletida educação escolar (COELHO, 1997). Nesse período, a expressão aparece quase sempre relacionada à jornada escolar em tempo integral, objetivando o enfrentamento da desigualdade educacional associada à desigualdade social. É o caso de programas como os Centros Integrados de Educação Pública – CIEP no Estado do Rio de Janeiro, os Centros de Atenção Integral à Criança – CAIC, em nível nacional, e os Centros de Educação Integral – CEI na cidade de Curitiba. Em 2007, o conceito aparece na Portaria Interministerial que cria o Programa Mais Educação, o qual visa “fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades socioeducativas no contraturno escolar” (BRASIL, 2007). Nessa aplicação, a educação integral é entendida como ampliação de tempos e espaços educacionais, bem como dos compromissos sociais da escola, que se associa às demais políticas sociais e às comunidades locais para a melhoria da qualidade da educação.

Bibliografia

AZEVEDO, F. et al. O manifesto dos pioneiros da educação nova: (1932). Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n. especial, p.188–204, ago. 2006.

BRASIL. Portaria Normativa Interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação, que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, 26 abr. 2007.

CAVALARI, R. M. F. Integralismo: ideologia e organização de um partido de massas no Brasil (1932-1937)/. Bauru, EDUSC, 1999.

COELHO. L. M. C.C. Escola pública de horário integral. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v.3, n.15, maio/jun. 1997.

JAEGER, W. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

KROPOTKIN, P. Trabalho cerebral e braçal. In: MORIYÓN, F. G. Educação libertária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. p. 50-67.

LARROYO, F. História geral da pedagogia. São Paulo: Mestre Jou, 1974.

MACHADO, L. M. Politecnia, escola unitária e trabalho.  São Paulo: Cortez, 1989.

TEIXEIRA, A. Educação não é privilégio. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.