ENSINO MÉDIO

Autores/as: ELIZA BARTOLOZZI FERREIRA

Etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, o ensino médio é um período controvertido na trajetória escolar dos brasileiros. Suas finalidades, definidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), são abrangentes e atendem especialmente ao disposto no § 2º do Art. 1º, o qual deve reger toda a educação escolar no país: “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”. O art. 35 da citada lei coloca como finalidades para o ensino médio: a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental para fins de prosseguimento dos estudos; preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando de modo que ele possa ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; e a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Estudos apontam a ambiguidade como uma característica na organização do ensino médio que, ao mesmo tempo, tem de preparar para o trabalho e para a continuidade dos estudos. Os desafios para o ensino médio foram potencializados a partir das transformações operadas pela reestruturação do capital no final do século XX. Historicamente, a oferta desse serviço educacional foi marcada pela desigualdade social, precariedade estrutural e, consequentemente, ausência de projeto político-pedagógico que articule trabalho e educação de forma a desenvolver a autonomia intelectual, o pensamento crítico e os fundamentos científico-tecnológicos conforme enunciado na lei.

A dualidade estrutural é considerada a categoria explicativa da constituição do ensino médio no Brasil, conforme atestam diversas pesquisas que revelam a relação direta de sua oferta (integrada ou não ao ensino profissional) para atender às necessidades definidas pela divisão social e técnica do trabalho. Portanto, a compreensão do ensino médio passa pela discussão da educação profissional desde a criação, no início do século XX, das escolas profissionais e, posteriormente, nos anos 40, quando foi criado o ensino médio. Ambas as ofertas definiam as funções intelectuais e/ou operativas de cada brasileiro de acordo com as etapas de desenvolvimento das forças produtivas.

Conforme registrado por Kuenzer (2000), em 1942, a reforma Capanema fez o ajuste entre as propostas pedagógicas existentes para a formação de intelectuais e trabalhadores e as mudanças que estavam ocorrendo no mundo do trabalho. Para as classes privilegiadas, foram criados os cursos médios de 2º ciclo, científico e clássico, com três anos de duração, sempre destinados a preparar os estudantes para o ensino superior. Com a edição das Leis Orgânicas, a formação profissional destinada aos trabalhadores instrumentais passou também a contar com alternativas em nível médio de 2º ciclo: o agrotécnico, o comercial técnico, o industrial técnico e o normal, os quais não davam acesso ao ensino superior. Todavia, pela primeira vez, a lei esboçou uma tentativa de articulação entre as modalidades científica e clássica e as profissionalizantes, por meio da abertura de possibilidade dos estudantes dos cursos profissionalizantes de prestarem exames de adaptação que lhes dariam o direito a participar dos processos de seleção para o ensino superior.

Tal estrutura organizacional sofreu alterações com a edição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024/61), em atendimento às mudanças ocorridas no mundo do trabalho. Pela primeira vez, a lei reconheceu a integração entre o ensino profissional e o ensino regular de 2º grau com o estabelecimento da equidade entre os cursos profissionalizantes e os propedêuticos para fins de prosseguimento de estudos. Todavia, a dualidade estrutural permaneceu porque continuaram a existir dois ramos distintos de ensino. Esse limite foi enfrentado com a reforma da LDB, em 1971, por meio da Lei nº 5.692, a qual estabeleceu a profissionalização compulsória no ensino de 2º grau e, com isso, todos passaram a ter a mesma trajetória escolar. A mudança na lei vinha atender às expectativas do acentuado crescimento econômico alcançado pela via do desenvolvimento industrial do país que demandava uma força de trabalho qualificada de nível técnico. Em 1975, com o Parecer 76, depois com a Lei nº 7.044/82, foi restabelecida a modalidade de educação geral, tendo em vista as dificuldades políticas de implantação daquele modelo escolar e do fim da euforia do milagre econômico.

O texto da Lei nº 9.394/96 enunciou a articulação entre a formação do ensino médio e a formação para o trabalho, o que tornaria possível uma organização a partir desse modelo se não fosse a edição do Decreto nº 2.208/97, que proibiu a junção da oferta. No período de 1997 a 2004, houve uma significativa expansão do ensino profissional privado no país, pois eram poucas as vagas públicas ofertadas em um cenário de altas demandas de qualificação profissional e índices extremos de desemprego. Com a edição do Decreto nº 5.154/2004, foi recuperada a possibilidade de integração de cursos de formação geral e para o trabalho, sendo viabilizados via a criação do Programa do Ensino Médio Integrado e o Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja).

No ano de 2008, de acordo com os dados fornecidos pela Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad/Ibge), na faixa etária de 18 anos ou mais (considerando que esse grupo já teria idade suficiente para ter concluído o ensino médio, ou seja, pelo menos 11 anos de estudo), foi constatado que essa população tinha, em média, 7,4 anos de estudo. Aos 25 anos ou mais de idade, o número médio de anos de estudo foi calculado em 7,0 anos. A distorção idade-série é um problema recorrente na educação brasileira. Apenas 48% dos jovens entre 15 e 17 anos estão no ensino médio, ou seja, a maioria está presa ainda no ensino fundamental. A meta do PNE era 50% de cobertura em 2006 e 100% em 2011 (CASTRO et al., 2009).

Após a década de 1990, houve uma significativa expansão do acesso ao ensino médio, sendo essa oferta de responsabilidade dos estados. A Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional nº 14/96, estabeleceu uma “progressiva universalização do ensino médio gratuito”, enquanto a LDB, no momento de sua promulgação, permaneceu com a mesma ideia no Art 4º, II – “progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio”, contudo, acentua o papel do Estado e da família na provisão do direito. No ano de 2009, a universalização do ensino médio gratuito foi garantida juridicamente por meio da edição da Lei nº 12.061, que alterou o inciso II do Art. 4º e o inciso VI do Art. 10 da Lei nº 9.394/96, buscando assegurar o acesso de todos os interessados ao ensino médio público. A rigor, o debate sobre a universalização é mais complexo e o parâmetro de comparação é o ensino fundamental que alcançou a taxa de escolarização de 97,5% na faixa etária de 6 a 14 anos de idade, em 2008. Contudo, a permanência no ensino fundamental se constitui em uma trajetória de abandono, reprovação, violência e baixo poder cognitivo.  A universalização do ensino médio – entendida como assegurar 100% de frequência à escola nas séries adequadas a cada idade à população de 15 a 17 anos – exige, necessariamente, a regularização do fluxo escolar no ensino fundamental.

A pesquisa de Sampaio (2009) sobre a situação educacional dos jovens brasileiros na faixa etária de 15 a 17 anos revela que a capacidade instalada do ensino médio é insuficiente para a incorporação imediata do contingente de jovens aos quais ele se destina; a taxa de distorção idade-série indica que quase metade dos alunos tem idade superior à adequada para a série frequentada; os indicadores de fluxo escolar apontam altos índices de fracasso escolar; a maioria desse público-alvo (67,8%) provém de famílias com renda per capita igual ou inferior a um salário mínimo; predominam os cursos regulares noturnos e, em muitos municípios, não há oferta desse nível de ensino.

O trabalho e a formação docente dos profissionais que atuam no ensino médio têm uma particularidade em relação às outras etapas da educação básica. Em relação à formação, o MEC constatou a falta de 235 mil docentes, principalmente na área de matemática, biologia, física e química. Os casos mais críticos são de física e química no ensino médio, com 55% e 43%, respectivamente, dos docentes sem habilitação necessária nas salas de aula. No Brasil, chama a atenção o déficit de professores de física (54,6% sem formação específica), artes (44,7%), matemática (40,4%) e química (38,9%). O censo da educação básica do Inep (SAMPAIO, 2009) mostra que o professor do ensino médio é o mais sobrecarregado do país. De acordo com o levantamento, 50% dos docentes dessa etapa são responsáveis por cinco ou mais turmas, incluindo os 14% que respondem por dez ou mais classes.

Bibliografia

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