MANUAIS PEDAGÓGICOS

Autores/as: DENICE BARBARA CATANI

São livros escolares que versam sobre questões de ensino e são escritos para formar professores e/ou para auxiliá-los no aperfeiçoamento do seu trabalho. Os manuais pedagógicos são atualmente chamados de livros didáticos e partilham, com todos os livros desse tipo, o fato de concentrar em si noções essenciais da matéria específica que representam e de apresentar linguagem e organização adequadas a um entendimento fácil para os estudantes. No que diz respeito aos manuais pedagógicos, ao resumirem os saberes e referências importantes na área da Pedagogia, podem ser identificados como súmulas, compêndios, lições ou introduções. A palavra “manual” remete ao propósito de “levar às mãos dos leitores”, de forma clara e acessível, os saberes que fundamentam a prática docente. Uma breve incursão pelos significados do termo “manual” permite articulá-lo ao sentido de “pequeno livro” ou “livro que contém noções essenciais acerca de uma ciência, de uma técnica, etc.” (FERREIRA, 1986, p. 415). O conhecimento sobre as especificidades desses livros permite ampliar o que se sabe sobre a formação e o exercício do magistério, sobre a profissão e as ciências da educação, uma vez que eles traduzem o que se considera, em cada momento, “o que há de melhor” a ser feito pelos professores. Os conteúdos dos manuais pedagógicos são, assim, elementos fundamentais para a construção da história da profissionalização e do trabalho na área educacional. No Brasil, o Compêndio de pedagogia, de Antônio Marciano Pontes, publicado em 1874 e 1881; as Lições de pedagogia colecionadas por um “amigo da instrução”, publicadas em 1907; a famosa Introdução ao estudo da Escola Nova, de Lourenço Filho, editada 14 vezes desde 1930 até 2002 e o Manual do professor primário (1962), um entre vários outros títulos escritos por Teobaldo Miranda Santos para a coleção Curso de Psicologia e Pedagogia da Companhia Editora Nacional são exemplos de manuais pedagógicos. As edições mais antigas das quais se tem conhecimento no país são da década de 1870, quando são realizados concursos de ingresso na carreira docente e os cursos de formação de professores começam a se estruturar nas Escolas Normais, substituídas depois de praticamente um século pelas Habilitações Específicas para o Magistério (HEM´s), pela Lei nº 5692/1971. Tendo como público professores primários, os manuais pedagógicos foram lidos, sobretudo, por candidatos de concursos, alunos da Escola Normal, das HEM’s, de Faculdades de Filosofia ou Pedagogia, enfim, de cursos que, em diferentes lugares, níveis e momentos, corresponderam a espaços de formação para o ensino. Nos dias atuais, livros como os de Claudino Piletti, intitulado Didática Geral e publicado pela Editora Ática desde a década de 1980, são também usados em Institutos Superiores de Educação ou Faculdades de Pedagogia. Os manuais pedagógicos são impressos escolares e essa é uma categoria tão ampla que poderia nos conduzir a outros termos, usados pelos próprios livros para indicar seus temas e seus propósitos. É difícil nomear esses impressos com uma única palavra, pois, dentre eles, há os que podem ser chamados de apostilas, livros ou manuais. Do mesmo modo, uma definição pode remeter a títulos que, embora sejam de uso escolar, destinam-se a alunos e disciplinas diferentes. Essa é uma espécie de “ambiguidade terminológica” (OSSENBACH; SOMOZA, 2001) que exige uma caracterização mais cuidadosa dos manuais pedagógicos. Tal como ocorre com livros de outras disciplinas e níveis de ensino, eles foram produzidos a partir dos programas oficiais, detalhando os pontos aí previstos para estudo (CORREIA; SILVA, 2002). Os textos escolares disponibilizaram para os estudantes determinados saberes e valores morais, religiosos ou políticos. E auxiliaram os professores, ao organizarem os conteúdos dos cursos e ordenarem métodos e técnicas de ensino (CHOPPIN, 2000). Mas os livros escritos para os professores foram feitos para ensinar a ensinar, explicando a relação pedagógica, as regras da vida escolar, o uso de determinados métodos em sala de aula, o desenvolvimento social, psicológico e fisiológico dos alunos. O discurso dos manuais pedagógicos distingue-se de outros livros didáticos porque constitui um corpo de saberes específicos dos professores (SILVA, 2005). Os manuais pedagógicos dão conta de disciplinas como a Didática, a Pedagogia, a Metodologia e a Prática de Ensino, matérias aproximadas entre si pela temática e que participam dos currículos dos cursos de formação docente de maneiras diferenciadas. Ora essas disciplinas estão previstas nos planos de estudos, ora não. Podem contar com uma carga horária significativa, como podem ser estudadas apenas no final do curso, somando um tempo relativamente pequeno de trabalho. Note-se, apenas a título de exemplo, que no Brasil, em meados do século XX, os manuais pedagógicos de Metodologia de Ensino passam a ser mais comuns que os de Didática e Pedagogia, o que está relacionado com a própria estrutura curricular das escolas onde são usados. Isso nos conduz a pensar sobre o que os professores leem para auxiliar a sua formação e o seu trabalho. Vale lembrar que, além dos manuais pedagógicos, outros textos também são consultados, mas os primeiros ocupam um espaço específico no conjunto dessa bibliografia, pois são leituras obrigatórias, que resumem o que há de “essencial”sobre ensino: autores, livros, ideias, experiências, movimentos. Em seus prefácios, os autores chegam a se “desculpar” pelo seu tom sistemático e pouco original, justificado pela necessidade de um primeiro contato dos estudantes com a literatura da área. Os textos dos manuais pedagógicos selecionam as referências tomadas como fundamentais para os professores e constroem, a partir delas, representações sobre o exercício ideal do magistério, as tarefas esperadas do aluno e determinados usos de métodos para conduzir a aula. Os manuais conduzem-nos, assim, à reflexão sobre os conhecimentos produzidos para a formação e o ofício dos professores (CATANI, 1994). De que modo esses saberes criam significados e sentidos do trabalho docente na sociedade contemporânea? Tal é uma importante questão que, articulada aos manuais pedagógicos, ajuda-nos a compreender as transformações da docência, as relações com os conhecimentos e as práticas e as novas imposições sociais ao exercício do magistério.

Bibliografia

BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 ago. 1971.

CATANI, D. B. Ensaios sobre a produção e circulação dos saberes pedagógicos. 1994. Tese (Livre-Docência) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, São Paulo.

CHOPPIN, A. Los manuales escolares de ayer a hoy: el ejemplo de Francia. Historia de la Educación: Revista Interuniversitaria, Salamanca, n. 19, p.13-36, 2000.

CORREIA, A. C.; SILVA, V. B. Manuais pedagógicos: Portugal e Brasil, 1930 a 1971. Lisboa: Educa, 2002.

FERREIRA, A. Novo dicionário da língua portuguesa, 2.ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

OSSENBACH, G.; SOMOZA, M. Los manuales escolares como fuente para la historia de la educación en America Latina. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia, 2001.

SILVA, V. B. da. Saberes em viagem nos manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970). 2005. 400f. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação, São Paulo.