MULTICULTURALISMO

Autores/as: JEAN RYOO

Um movimento de reforma educacional que valoriza como os estudantes pobres, não-dominantes, de cor e suas comunidades são fontes valiosas de riqueza, força e conhecimento cultural. Ao reconhecer que a opressão institucionalizada é uma fonte fundamental de desigualdade educacional — especialmente quando se ressaltam as experiências negativas de educação dos estudantes não-dominantes, cujas línguas, culturas e sistemas de crença nativos são ignorados ou menosprezados na sala de aula e, portanto, rotulados de irrelevantes, sem importância e “errados”— o multiculturalismo procura desafiar crenças equivocadas de que estudantes pobres, não-dominantes e de cor são privados de cultura e moral. Originalmente, o multiculturalismo serviu como estratégia para unir grupos étnicos e raciais, porém, hoje, abrange outras formas de diversidade (i.e. classe, gênero e sexualidade), enfatizando como a luta social e a opressão institucional ocorrem na interseção das raças, etnicidades, classes, gêneros, sexualidades, religiões, entre outros. Muitos localizam as origens do multiculturalismo no Movimento dos Direitos Civis, nos Estados Unidos, nos anos 1960, no qual ativistas de cor realçaram a importância da diversidade e dos direitos humanos. No entanto, as raízes do multiculturalismo podem ser situadas anteriormente ao primeiro movimento dos estudos étnicos iniciado por estudiosos como George Washington Williams e levado adiante por grandes pensadores como W.E.B. DuBois e Carter G. Woodson. Atualmente, há abordagens, definições e objetivos variados e contraditórios no que diz respeito ao multiculturalismo nas escolas, devido ao engajamento frágil e superficial que muitas vezes se apresenta em relação ao movimento. Infelizmente, o compromisso superficial com o multiculturalismo — o que se pode chamar de “multiculturalismo conservador”— resultou na redefinição do multiculturalismo para significar uma celebração superficial de “comidas, festivais e folclore” não-dominantes (GONZÁLEZ, 1995; NIETO, 1994; MEYER; RHOADES, 2006), sem qualquer crítica sobre a opressão institucional na educação. Professores e administradores multiculturalistas conservadores fazem suposições perigosas e falsas de que as pessoas da mesma nação compartilham a mesma língua e cultura, que as famílias da mesma cultura compartilham os mesmos valores, ou que os estudantes se identificam com apenas uma cultura baseados na cor de sua pele, em um mundo onde a “brancura” é considerada a norma invisível (MCLAREN, 1997). Exemplos de multiculturalismo conservador nos Estados Unidos podem ser relacionados às visões coloniais dos Afro-americanos como escravos, empregados e artistas, assim como as teorias evolucionistas que apoiam as doutrinas da supremacia branca, biologizando as pessoas de pele escura como “criaturas” exóticas a serem exaltadas como objetos não-humanos. Outra forma de multiculturalismo — o “multiculturalismo liberal”— tenta desafiar a objetificação de culturas não-dominantes visíveis no multiculturalismo conservador, sublinhando a “semelhança” intelectual entre todos os povos, ao defender que todos podem competir igualmente no mercado capitalista, se se modificarem as oportunidades sociais e educacionais, a fim de se criarem “condições” justas. Essa visão geralmente resulta em um humanismo etnocêntrico e opressivamente universalista, no qual as normas legitimadoras que governam a substância da cidadania são identificadas mais fortemente com as comunidades político-culturais anglo-americanas. A ênfase do multiculturalismo liberal na semelhança ignora as diferenças culturais importantes entre as raças, as etnicidades, os gêneros, etc., responsáveis pelos diferentes valores, atitudes e práticas sociais. Uma terceira forma de multiculturalismo — o “multiculturalismo liberal de esquerda” — desafia o conceito de multiculturalismo liberal de uma igualdade de raças ao grifar as diferenças culturais relacionadas à raça, etnicidade, classe, etc. No entanto, o multiculturalismo liberal de esquerda tende a exoticizar a “alteridade” e destacar em excesso o conceito de autenticidade cultural, ao ignorar como a diferença está situada tanto social quanto historicamente em maneiras que afetam a interpretação de sentidos tal que a própria política da localização de uma pessoa garante antecipadamente a “correção política” de um indivíduo e concede autoridade especial para falar por todos os “outros”. O multiculturalismo liberal de esquerda pode geralmente admitir que há uma experiência “feminina” ou “Latina” autêntica independentemente da história e das relações de poder. Finalmente, o “multiculturalismo crítico” (MCLAREN, 1994) difere de todos acima, ao adotar uma agenda política transformadora que reconhece como as representações de raça, etnicidade, classe, gênero, etc. são compreendidas como o resultado de lutas sociais maiores por signos e significados. O multiculturalismo crítico não se encarrega simplesmente do jogo textual ou do deslocamento metafórico do multiculturalismo liberal de esquerda como resistência, mas, ao contrário, sinaliza a necessidade de transformar relações institucionais, culturais e sociais que criam o significado. O multiculturalismo crítico vai além dos conceitos essencializantes de “semelhança” ou “diferença” — apontando como a semelhança ou a diferença ocorrem entre dois ou maisgrupos e devem ser compreendidas em termos da especificidade de sua produção. Desse modo, o multiculturalismo crítico reconhece que a transformação institucional não deve apenas assumir as operações internas das instituições educacionais (currículos escolares e materiais de ensino, estilos de ensino e aprendizagem, assim como atitudes, percepções e comportamentos de professores e administradores), mas também promover discussões sobre poder, política, brancura e capitalismo. Os educadores do multiculturalismo devem estar dispostos a questionar suas crenças pessoais a respeito de classe, raça, etnicidade, gênero, etc., enquanto refletem abertamente sobre seus preconceitos moldados por sua própria posicionalidade e participação em grupos raciais, étnicos, de classe, idade, gênero, sexualidade, etc. diferentes. Incorporar de fato o multiculturalismo nas escolas envolve não só abordar como o conhecimento de conteúdo (em matemática, ciência, história, etc.) pode ser integrado nas salas de aulas de formas culturalmente relevantes, mas também tratar como a construção de conhecimento na sala de aula é afetada pelos contextos históricos e sociopolíticos localizados que são internalizados pelos estudantes e professores da mesma forma.

Bibliografia

GONZÁLEZ, N. Processual approaches to multicultural education. The Journal of Applied Behavioral Science, Greenwich, v. 31, n. 2, p. 234-244, 1995.

NIETO, S. Affirmation, solidarity, and critique: moving beyond tolerance in multicultural education. Multicultural Education, Bowling Green, p. 1-8, Spring 1994. Disponível em: <http://edtech.wku.edu/~czippay/Nieto%20article.pdf>. Acesso em: 09 set 2010.

MCLAREN, P. Revolutionary multiculturalism:pedagogies of dissent for the new millennium. Boulder: Westview, 1997.

MCLAREN, P. White terror and oppositional agency: towards a critical multiculturalism. In: GOLDBERG, D. T. (Ed.) Multiculturalism:acritical reader. Cambridge: Blackwell Publishers, 1994. p.45-74.

MEYER, C. F.; RHOADES, E. K. Multiculturalism: beyond food, festival, folklore, and fashion. Kappa Delta Pi Record, Illinois, v. 42, n. 2, p. 82-87, 2006.