OBRIGATORIEDADE ESCOLAR

Autores/as: JOSÉ SILVÉRIO BAIA HORTA

Refere-se tanto à obrigação legal imposta aos pais ou responsáveis de matricularem seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino, dentro de determinada faixa etária, ou durante a duração de determinado nível ou etapa de ensino, quanto à obrigação legal imposta às autoridades competentes de criarem as condições para que essa matrícula possa se realizar no sistema público de ensino. Será somente na época moderna, com o tríplice surgimento da burguesia, da filosofia racionalista e individualista e do Estado nacional, que aparecerá, no século XVIII, a ideia do ensino como um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado. A Prússia de Frederico II é o primeiro país que estabelece a instrução primária obrigatória (1763). Na França, a escola primária “obrigatória, gratuita e laica” será uma realidade somente na Terceira República (1878-1882), mais ou menos na mesma época na qual o ensino elementar adquire caráter obrigatório na Inglaterra e no País de Gales. (Lê Thànk Khôi, 1979, p.179-180). Depois da Segunda Guerra Mundial, assiste-se a uma considerável democratização do ensino e a um aumento da duração da escolaridade obrigatória. Finalmente, a Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada em Paris, no dia 10 de Dezembro de 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, determinará, em seu Artigo 26: “Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos no que se refere à instrução elementar e fundamental. A instrução elementar será obrigatória. Tal determinação será reafirmada no Princípio 7 da Declaração dos Direitos da Criança, aprovada  pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1959: “A criança tem direito de receber educação, que será gratuita e obrigatória pelo menos nas etapas elementares“. Como salienta Huberman (1979), diferentemente dos outros direitos sociais, o direito à educação está estreitamente vinculado à obrigatoriedade escolar: “A educação considerada como um direito humano fundamental difere dos outros serviços que as sociedades tradicionalmente oferecem a seus membros. O direito à educação não se reveste exatamente da mesma dimensão que, por exemplo, o direito à assistência médica gratuita, à alimentação mínima, à habitação decente ou ao socorro em caso de catástrofe natural. Estes são serviços que a sociedade proporciona àqueles que os solicitam. Em geral, os cidadãos podem escolher entre utilizá-los ou prescindir deles e inclusive, adaptá-los, via de regra, a seus interesses individuais. A educação, ao contrário, é via de regra obrigatória, e as crianças não se encontram em condições de negociar as formas segundo as quais a receberão. Paradoxalmente, encontramo-nos assim diante de um direito que é, ao mesmo tempo, uma obrigação. O direito a ser dispensado da educação, se esta fosse a preferência de uma criança ou de seus pais, não existe. (HUBERMAN, 1979, p. 58-59)” Assim, a inclusão do direito à educação entre os direitos sociais se apresenta ao mesmo tempo como uma conquista e uma concessão, um direito e uma obrigação. A extensão da escolaridade à maior parte da população foi, em um primeiro momento, um ato político e uma resposta a considerações sociais mais que às exigências do próprio processo produtivo. Em um segundo momento, a ampliação das lutas populares por educação faz com que a extensão desta às classes populares seja vista como a conquista de um direito. Mas a necessidade de um mínimo de instrução para a incorporação da força de trabalho ao processo produtivo transforma essa extensão em uma necessidade econômica, e a escolarização passa a ser uma imposição (HORTA, 1983, p. 214). Dessa forma, direito à educação e obrigatoriedade escolar, embora não tenham surgido de forma concomitante no processo histórico, estão historicamente relacionados e devem ser estudados conjuntamente. Durante muito tempo, no Brasil, ao direito de educar por parte do Estado correspondeu a obrigatoriedade escolar como imposição ao indivíduo. Só muito recentemente, ao direito à educação, por parte do indivíduo, correspondeu a obrigatoriedade de oferecer educação, por parte do Estado. Um importante passo na direção da garantia do direito à educação se dá quando a mesma é definida como direito público subjetivo, medida defendida no Brasil pelo jurista Pontes de Miranda desde a década de 30, mas que só muito recentemente se fará presente no horizonte dos educadores, sendo finalmente introduzida na Constituição Federal de 1988. Tal direito diz do poder de ação que a pessoa possui de proteger ou defender um bem considerado inalienável e ao mesmo tempo legalmente reconhecido. Daí decorre a faculdade, por parte da pessoa, de exigir a defesa ou proteção do mesmo direito da parte do sujeito responsável. Hoje, no Brasil, o ensino fundamental, com duração mínima de nove anos, é obrigatório e gratuito a partir dos seis anos de idade. O acesso a ele, para qualquer cidadão a partir dos seis anos de idade, constitui direito público subjetivo. A obrigatoriedade do ensino fundamental diz respeito tanto aos pais ou responsáveis quanto aos poderes públicos. Quanto aos pais ou responsáveis, o não cumprimento da obrigação de matricular os seus filhos no ensino fundamental dos sete aos  quatorze anos constitui crime de abandono intelectual (Código Penal, art. 246). Caso o filho não tenha concluído o ensino fundamental até os quatorze anos, essa obrigatoriedade estende-se até a sua conclusão ou até os 18 anos, e seu não atendimento constitui omissão, sujeito às medidas previstas no Art. 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com relação aos Poderes Públicos, o não oferecimento do ensino fundamental ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente, podendo a mesma ser imputada por crime de responsabilidade. (HORTA, 1983).

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código penal. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 7 dez. 1942.

HORTA, J. S. B. Planejamento educacional. In: MENDES, D. T. (Org.). Filosofia da educação brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p. 193-235.

HUBERMAN, A. M. Situatión actual y perspectivas futuras. In: MIALARET, G. (Org.). El derecho del nino a la educación. Paris: UNESCO, 1979. p. 57-77.

LÊ THANH KOI. El papel de los poderes públicos. In: MIALARET, G. (Org.). El derecho del nino a la educación. Paris: UNESCO, 1979, p. 179-195.

MIRANDA, P. Direito à educação. Rio de Janeiro: Alba, 1933. (Coleção dos 5 Direitos do Homem).