OS SABERES DOS PROFESSORES
Marcos históricos e sociais: Antes mesmo de serem um objeto científico, os saberes dos professores representam um fenômeno social. Em que contexto social nos interessamos por esses saberes? Por que essa questão, que é ao mesmo tempo científica, política e profissional, emergiu e se impôs à atenção dos pesquisadores, dos políticos responsáveis pelos programas de formação dos professores e, mais amplamente, da profissão docente? Na realidade, e paradoxalmente, podemos dizer que os saberes dos professores se tornaram uma questão socialmente e cientificamente importante a partir do momento em que as sociedades e os sistemas escolares perderam suas certezas tradicionais sobre o ensino.
Ora, essa perda das certezas é muito recente: a democratização escolar e a edificação dos grandes sistemas escolares de massa começa, grosso modo, por volta dos anos 1940-1960; e é só a partir desse momento que o ensino escolar, como atividade social, perde pouco a pouco sua transparência e suas certezas. Em todos os países, a nova escola de massa confronta os professores com novos públicos heterogêneos, sobre os quais as pedagogias tradicionais têm pouca ou nenhuma influência. Essas pedagogias foram elaboradas nos séculos XVII e XVIII por comunidades religiosas docentes: os jesuítas, em particular, no que se refere ao ensino médio; e os frades das escolas cristãs, no que se refere ao ensino fundamental. Por outro lado, dos anos 1960 em diante, a missão que a escola de massa confia aos professores vai se tornando mais importante e mais longa. A partir desse momento, os professores não podem mais se limitar ao ensino dos saberes rudimentares (ler, escrever e contar) e das virtudes cívicas ou religiosas. Eles devem preparar seus alunos para estudos cada vez mais longos e, em seguida, para a vida numa sociedade complexa e altamente qualificada. Em suma, a partir da metade do século XX, ensinar não é mais uma coisa simples ou evidente: as antigas crenças, rotinas e certezas, nas quais se fundava o trabalho pedagógico tradicional, vão progressivamente sendo reduzidas a pouco ou nada, por influência das novas realidades escolares. Tudo: a autoridade pedagógica, as virtudes cívicas e morais, as matérias escolares incontestáveis – que é preciso ensinar obrigatoriamente, os exercícios pedagógicos tradicionais (memorização, recitação, etc.), tudo está doravante confrontado com novas tensões, com novas questões sociais. A atividade pedagógica torna-se obscura. Por outro lado, as antigas ideologias religiosas, morais e vocacionais (dedicação, obediência, etc.), que legitimavam o ensino, enfraquecem. O mesmo ocorre com os saberes disciplinares que serviam de base tradicional para o ensino médio.
Enfim, é nesse contexto de ruptura com as tradições pedagógicas que a questão dos saberes dos professores apareceu na história recente. Com efeito, nas décadas e nos séculos precedentes, ninguém se interessava realmente por essa questão: ela simplesmente não existia, pois as pessoas julgavam saber como instruir as crianças. Em última análise, é o fato de não sabermos mais muito bem, hoje em dia, o que e como ensinar que nos leva a esse questionamento sobre a natureza do saber-ensinar. Sob esse ponto de vista, a interrogação é tão científica quanto social e política.
Os saberes dos professores e a profissionalização: Os primeiros trabalhos científicos sérios sobre os saberes dos professores remontam aos anos 1940, justamente, quando a escola americana se democratiza com o impulso do ensino médio; é nesse momento também que os pesquisadores começam a se questionar sobre o professor eficiente ou o bom professor, isto é, aquele que sabe ensinar bem. Todavia, é somente com o movimento de profissionalização do ensino, que começa pelo meio dos anos 1980, que a pesquisa sobre os saberes dos professores ganha destaque e adquire rapidamente renome internacional. Ora, a profissionalização é, antes de qualquer coisa, um processo sociopolítico: trata-se de uma reação das autoridades políticas e acadêmicas diante do declínio da escola de massa americana nos anos 1970 e 1980. Essa reação, amplamente apoiada pelos universitários do campo da educação, considera que os professores americanos, assim como seus alunos, têm um baixo nível intelectual; que eles ensinam relativamente mal; e que seu engajamento ético e profissional para com o aprendizado e os alunos é pouco consistente. Eis a razão pela qual, na opinião dos reformistas, torna-se necessário renovar as bases do trabalho docente e produzir novos saberes para fundamentar o ato de ensinar. Em resumo, é preciso justamente profissionalizar o ensino porque os professores não sabem ensinar corretamente. A profissionalização visa, portanto, edificar uma nova Knowledge base para os professores. O modelo de profissionalização proposto na época é aquele usado na profissão médica. Isso significa que a nova Knowledge base deve estar fundamentada, como na medicina, na pesquisa científica e ser, ao mesmo tempo, eficaz na prática docente.
A pesquisa sobre os saberes docentes: Trinta anos mais tarde, o que sobra da profissionalização e dessa vontade política de edificar uma Knowledge base? Milhares de pesquisas foram feitas sobre a questão… Mas será que sabemos melhor, hoje em dia, o que vem a ser os saberes dos professores? Responder a essas perguntas não é muito fácil. De um lado, parece bem evidente que o campo internacional da pesquisa sobre os saberes dos professores sofre hoje uma certa estagnação científica por três razões importantes.
Em primeiro lugar, trata-se de um campo muito dividido em disciplinas e teorias múltiplas, que nunca puderam ser unificadas em torno de uma visão comum do saber profissional. Essa é a razão pela qual, segundo as diversas correntes de pesquisa, os saberes dos professores podem corresponder a representações mentais, a crenças pessoais, a regras tácitas de ação, a argumentos práticos, a competências, a saberes de ação, etc. Em suma, as concepções e definições dos saberes dos professores são tão numerosas quanto as pesquisas sobre o assunto.
Em segundo lugar, é muito difícil isolar a questão dos saberes dos professores das outras dimensões do trabalho docente: formação, desenvolvimento profissional, identidade, carreira, condições de trabalho, tensões e questões socioeducativas que marcam a profissão, características das instituições escolares onde trabalham os professores, conteúdos dos programas escolares, etc. Desse ponto de vista, é difícil estudar e apreender os saberes dos professores em si: eles pedem constantemente que a pesquisa se amplie rumo às outras dimensões da profissão.
Enfim, é penoso, e talvez mesmo impossível, separar completamente as questões normativas das questões epistemológicas: com efeito, dizer que um professor sabe ensinar é antes de qualquer coisa um julgamento normativo baseado em certos valores sociais e educativos. Nesse sentido, os saberes dos professores não são uma soma de conhecimentos ou de competências que poderíamos descrever e aprisionar num livro ou num catálogo de competências. São saberes integrados às práticas docentes cotidianas, as quais são amplamente sobredeterminadas por questões normativas e até mesmo éticas e políticas.
Por outro lado, e apesar dessas restrições, pode-se afirmar que a pesquisa internacional sobre os saberes dos professores vem nos ensinando, há 30 anos, algumas coisas importantes. Podemos destacar aqui quatro delas:
1. Os saberes dos professores não são conhecimentos teóricos; trata-se de saberes enraizados no trabalho e na experiência de vida dos professores; eles estão, por conseguinte, ligados a uma epistemologia da prática, mais do que ao conhecimento teórico.
2. Os professores consideram que seus saberes estão fortemente baseados em sua experiência de vida no trabalho. Isso não quer dizer que os professores não utilizem conhecimentos externos, provenientes, por exemplo, de sua formação, da pesquisa, dos programas ou de outras fontes especializadas. Mas isso significa que esses conhecimentos externos são reinterpretados em função das exigências específicas de seu trabalho.
3. Os saberes dos professores parecem também largamente caracterizados pelo contexto das interações com os alunos. Sob esse ponto de vista, pode-se dizer que são saberes que não dizem respeito a objetos ou procedimentos técnicos (como os saberes dos engenheiros ou dos operários, por exemplo), mas que eles se dirigem preferencialmente a outros sujeitos. Em resumo, são saberes articulados com interações humanas e que levam, necessariamente, as marcas dessas interações. Por exemplo, um professor não deve tão somente saber ensinar, ele deve também saber fazer reconhecer e aceitar sua própria competência pelos seus alunos. O reconhecimento social parece, portanto, estar no centro da problemática dos saberes dos professores.
4. Finalmente, os saberes dos professores parecem também profundamente marcados pelo contexto socioeducativo e institucional no qual está inserida hoje sua profissão. Ora, esse contexto se caracteriza, há 50 anos, por profundas mutações das bases tradicionais do ensino escolar. Aquilo que a escola deve fazer os alunos aprenderem e o como deve fazê-lo não é apenas uma questão pedagógica: trata-se de uma real questão cultural e política. Nesse sentido, os saberes dos professores são saberes em debate, como demonstram as numerosas controvérsias sociais e políticas sobre a escola e o aprendizado escolar.
Considerando todos esses aspectos, podemos concluir que os saberes dos professores são, ainda hoje, uma questão central, não somente para a pesquisa, mas também, e talvez sobretudo, para a própria profissão docente. Se até o dia de hoje essa profissão não conseguiu fazer reconhecer seus saberes, é porque ela ainda não os conhece verdadeiramente.