POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS

Autores/as: VERA ALICE CARDOSO SILVA

Este conceito denota, de modo amplo e geral, todo tipo de ação de governos que tem por objetivo minimizar carências nas condições de vida de estratos sociais específicos, vistos como prejudicados ou discriminados pelo padrão dominante de distribuição da riqueza social. Nesse nível de generalidade, o conceito aplica-se a sociedades historicamente determinadas e refere-se às opções de políticas sociais de seus governos. Essas políticas têm incluído programas de assistência e de transferência de renda, além daquelas referidas à educação gratuita, à previdência e à seguridade social.

O conceito e as diretivas políticas que denota estão associados às transformações históricas pelas quais passou o Estado Liberal, à medida que modificações significativas nos pactos políticos necessários para a manutenção da estabilidade institucional e da legitimidade dos governantes passaram a incluir a questão social na agenda política de países capitalistas. A concepção e a execução de políticas compensatórias deram origem às estruturas do chamado  Estado do Bem Estar ou Estado Social. O conceito de compensação está associado, desse modo, à ideia de proteção social, que pode ser considerada como fundamento ético da revisão ideológica do liberalismo político mais ortodoxo, segundo o qual caberia ao Estado apenas e exclusivamente garantir a ordem jurídica protetora dos direitos de propriedade e a estabilidade social em geral, e mais especificamente no âmbito das relações entre trabalhadores e empregadores. A revisão ideológica de que se trata aqui decorre do reconhecimento, no plano do discurso político que gradualmente se torna dominante no século XX, na maioria dos países, de que a dinâmica da economia de mercado, organizada na forma capitalista, dá origem a desigualdades de condições de vida para indivíduos e famílias, tanto no que se refere a oportunidades de obtenção de renda monetária, quanto de acesso a bens sociais considerados essenciais para a plena realização no âmbito da cidadania e da sobrevivência digna, como é o caso da moradia adequada, da educação, da saúde e de serviços de consumo coletivo, exemplificados no transporte, no abastecimento, no provimento de eletricidade, de água e esgoto e de segurança pública. A partir do reconhecimento político das desigualdades sociais, muitas vezes associado ao discurso centrado na denúncia da injustiça social, articulou-se a noção de função social do Estado. Por meio dela, difundiu-se a tese de que cabe aos governos, ou, dito de maneira mais geral e universal, ao poder público o dever de intervir na ordem social, por meio de ações específicas financiadas com recursos públicos, com o objetivo de compensar carências impeditivas da igualdade de oportunidades de acesso a requisitos sociais básicos, necessários para que o conjunto de todos os indivíduos governados possa realizar plenamente suas potencialidades no âmbito do trabalho e do consumo. Essa concepção política encontrou ampla ressonância nos contextos sociais modernos, isto é, em países em que o processo de industrialização induziu grandes alterações na estrutura das relações sociais e a irreversível tendência à urbanização. Vários estudos já feitos comparando o impacto das mudanças na estrutura econômica e demográfica sobre as condições de vida da população de diferentes países mostram que rapidamente se impôs a preocupação com a necessidade de intervenções públicas para minimizar efeitos perversos da urbanização e da impossibilidade de continuidade de formas estritamente familiares de provimento de serviços e de cuidado para atender situações específicas, como atenção a crianças, idosos, doentes e pessoas afetadas por algum tipo de incapacidade permanente. Gradualmente, tal preocupação veio a se traduzir em propostas de políticas de provimento de bens e de serviços públicos por parte dos governos, a serem financiadas com recursos provenientes de tributos e de contribuições compulsórias destinados à formação de fundos para o financiamento de políticas sociais. Ficava, assim, configurada a concepção do Estado do Bem Estar ou Estado Social, que passava a ter o dever de compensar indivíduos e famílias negativamente afetados por condições de vida que, se não fossem alteradas, impediriam que tivessem existência digna e níveis adequados de consumo. Em tal contexto social e político, o conceito de política compensatória passa a denotar, então, toda e qualquer ação e investimento do poder público que visa a promover a melhoria das condições de vida de indivíduos e de famílias com o objetivo de garantir-lhes o acesso continuado a bens e serviços que assegurem vida digna, segundo padrões socialmente acatados de equidade social. Um tipo de política compensatória tornou-se particularmente significativa e difundida em sociedades capitalistas. É a que se refere à transferência de renda com o objetivo de garantir capacidade de consumo. O fundo de financiamento da renda social provém de contribuições compulsórias de indivíduos e negócios que pagam tributos. Os beneficiários são indivíduos que gozam do direito de acesso à educação gratuita e a serviços de assistência médica e social sem terem de contribuir diretamente para a sustentação das estruturas públicas montadas para esse fim. Em muitos casos, os beneficiários recebem renda monetária, que podem utilizar segundo suas preferências. Mas, em geral, devem se comprometer com o cumprimento de algumas condições.  Estas são impostas pelo poder público justamente na perspectiva da concepção de compensação, pois buscam levar o indivíduo ou a família a adequar seu comportamento a padrões de conduta valorizados em sociedades modernas, caracterizadas por níveis altos de consumo e de desenvolvimento humano. Note-se que, na evolução do Estado Liberal que incorporou as estruturas do Estado do Bem Estar, o âmbito de abrangência das políticas compensatórias foi sendo gradualmente ampliado. Por exemplo, estratos da classe média diferenciados por níveis de renda familiar puderam obter, como resultado de movimentos políticos, isenções diversas relacionadas ao dever de pagar impostos que sustentam a estrutura do Estado e as políticas que põem em prática. A concepção do que é direito social que deve ser protegido e assegurado pelo Estado tem sido cada vez mais ampliada, à medida que as sociedades capitalistas se tornam mais complexas na estruturação das relações econômicas e mais pluralistas e reivindicativas no âmbito político. O resultado dessa dinâmica tem sido a expansão e diversificação de políticas e programas públicos cuja justificativa é a necessidade ou conveniência de compensar indivíduos e grupos pela falta de algum bem social, aí incluído o reconhecimento de direitos de afirmação e preservação de identidades coletivas. Pode-se concluir, então, que, atualmente, o conceito de política compensatória não tem conteúdo ou destinatário específico, exprimindo, antes, uma diretiva política de governos de democracias liberais comprometidas com a efetividade da função social do Estado, concebida esta como dever permanente de assegurar proteção social aos governados, em qualquer área das relações sociais em que essa proteção for requerida.

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