POLÍTICAS SOCIAIS
O termo designa o conjunto de intervenções políticas de caráter distributivo, voltadas para assegurar o exercício dos direitos sociais da cidadania e impulsionar a segurança e coesão da sociedade por meio do acesso e utilização de benefícios e serviços sociais considerados como necessários para promover a justiça social e o bem-estar dos membros da comunidade.
A proteção social, nas sociedades tradicionais, é parte da esfera familiar ou da caridade religiosa e se insere nas relações de troca de dependência por proteção tutelada. Sua inserção como parte da esfera pública foi consequência das novas relações de produção no capitalismo industrial, que destruiu os laços tradicionais de proteção e, inicialmente, deixou desprotegidos os pobres e trabalhadores, em nome do liberalismo que apregoava a liberdade dos indivíduos e o Estado mínimo (POLANYI, 1980). A educação foi a primeira política social aceita pelos liberais, na medida em que ela assegurava a igualdade de oportunidades e seus beneficiários não eram ainda cidadãos, portanto não estavam sendo assim tutelados pelo Estado.
As demais políticas sociais vieram responder muito mais às demandas dos trabalhadores do que à questão da pobreza, mas, ao permitir por seu intermédio uma melhor distribuição da riqueza, elas contribuíram para elevar o padrão de vida nas sociedades. As lutas dos trabalhadores foram fundamentais para a inclusão dos direitos sociais como parte da condição de cidadania, mas as políticas sociais também foram utilizadas como forma de desmobilizar a agitação operária, compatibilizando um sistema produtivo baseado na desigualdade de classes com um status político de cidadão, baseado na igualdade de todos diante do Estado (MARSHALL, 1967).
A introdução das políticas sociais como direitos de cidadania alterou a estrutura restrita do Estado em direção a um Estado ampliado. No entanto, essas mudanças não se deram de forma idêntica em cada sociedade, pois a assimilação das demandas sociais foi institucionalizada a partir dos valores predominantes e das estruturas sociais existentes, em uma dada correlação de forças sociais. Analisando casos históricos sobre o desenvolvimento dos sistemas de proteção social em países considerados industrializados, foi possível construir uma tipologia das formas de proteção social. Nessa tipologia, além dos elementos ideológicos e valorativos que estão nas bases dos sistemas de proteção, são incluídos os elementos organizativos e institucionais. Por fim, nessa tipologia, são assinaladas as relações entre os modelos de proteção social e as condições de cidadania geradas em cada caso. Portanto, os mesmos benefícios concedidos podem ter significados políticos distintos.
Os diferentes modelos podem ser entendidos a partir da modalidade de proteção social que provêm os critérios de organização dos sistemas e de incorporação das demandas sociais, por meio de uma institucionalidade específica. Assim, encontramos as seguintes modalidades da proteção social: a assistência social, o seguro social e a seguridade social. Por outro lado, tomando a expressão jurídica e política da articulação Estado/Sociedade em cada uma das modalidades, encontramos, respectivamente, as relações de cidadania invertida, cidadania regulada e cidadania universal. Os diferentes modelos de proteção social podem ser assim resumidos: (FLEURY, 1994).
No modelo assistencial, as ações, de caráter emergencial, estão dirigidas aos grupos de pobres mais vulneráveis, inspiram-se em uma perspectiva caritativa e reeducadora, organizam-se em base à associação entre trabalho voluntário e políticas públicas, estruturam-se de forma pulverizada e descontínua, gerando organizações e programas muitas vezes superpostos. Embora permitam o acesso a certos bens e serviços, não configuram uma relação de direito social, tratando-se de medidas compensatórias que terminam por ser estigmatizantes. Por isso, denomino a esta relação como de cidadania invertida, na qual o indivíduo tem que provar que fracassou no mercado para ser objeto da proteção social.
No modelo de seguro social, a proteção social dos grupos ocupacionais estabelece uma relação de direito contratual, na qual os benefícios são condicionados às contribuições pretéritas e à afiliação dos indivíduos a tais categorias ocupacionais que são autorizadas a operar um seguro. A organização altamente fragmentada dos seguros expressa a concepção dos benefícios como privilégios diferenciados de cada categoria, como resultado de sua capacidade de pressão sobre o governo. Como os direitos sociais estão condicionados à inserção dos indivíduos na estrutura produtiva, Wanderley G. dos Santos (1979) denominou a relação como de cidadania regulada pela condição de trabalho.
No modelo de seguridade social, busca-se romper com as noções de cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e afrouxar os vínculos entre contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos. Os benefícios passam a ser concedidos a partir das necessidades, com fundamentos nos princípios da justiça social, o que obriga a estender universalmente a cobertura e integrar as estruturas governamentais. Portanto, nesse caso, o Estado passa a assegurar os direitos sociais estendidos a uma cidadania universal.
Um exemplo da implantação desse último modelo em país em desenvolvimento encontra-se na Constituição Federal Brasileira de 1988. Como outros países que se democratizaram, buscou-se incluir os direitos sociais como parte da condição de cidadania. Nela, define-se um novo padrão constitucional da política social que se caracteriza pela universalidade na cobertura, o reconhecimento dos direitos sociais, inclusive a uma renda mínima, a afirmação do dever do estado, a subordinação das práticas privadas à regulação em função da relevância pública das ações e serviços nessas áreas, uma perspectiva publicista de cogestão governo/sociedade, um arranjo organizacional descentralizado.
A originalidade da Seguridade Social brasileira está dada em seu forte componente de reforma do Estado, ao redesenhar as relações entre os entes federativos e ao instituir formas concretas de participação e controle sociais, com mecanismos de articulação e pactuação entre os três níveis de governo. A organização dos sistemas de proteção social deveria adotar o formato de uma rede descentralizada, integrada, com comando político único e um fundo de financiamento em cada esfera governamental, regionalizada e hierarquizada, com instâncias deliberativas que garantissem a participação paritária da sociedade organizada em cada esfera governamental.