PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE

Autores/as: ENEIDA OTO SHIROMAZ

Refere-se aos processos de formação inicial e continuada dos docentes, desenvolvimento profissional, construção da identidade profissional. Duas vertentes de estudos se destacam, uma aborda a profissionalização como processo de formação profissional do professor; a segunda, o processo histórico de construção da docência e identifica as transformações sofridas pelos docentes. Enguita (1991) ressalta que profissionalização não é sinônimo de capacitação e qualificação, mas expressa “uma posição social e ocupacional, [a] inserção em um tipo determinado de relações sociais de produção e de processo de trabalho”. A dimensão política do processo de profissionalização do professorado constitui, assim, um eixo de apreensão do processo que ultrapassa a docência e a escola (WEBER, 2003). Outra vertente aborda a profissionalização como política de Estado (EVANGELISTA; SHIROMA 2003), implementada por meio de medidas como formação continuada, incentivos à docência, exames para ingresso na carreira, avaliação de desempenho atrelada à remuneração, exames de certificação de competências, vinculando-se, portanto, à discussão sobre carreira e valorização do magistério. O debate apresenta-se polarizado pelas teses da profissionalização e da proletarização/desprofissionalização que se articulam para explicar algumas dimensões da precarização do trabalho dos professores (MENGA; BOING, 2004). A noção de profissionalização do final do século XX articula-se à ideologia da “nova direita” e generalizou-se nas políticas sociais em vários países (POPKEWITZ, 1997). Diante do acirramento das contradições inerentes ao capitalismo, governos neoliberais respondem ao agravamento dos problemas sociais com políticas compensatórias. Ressalta-se a necessidade de conhecimento especializado para atender demandas da complexificação da sociedade moderna. As reformas do Estado enfatizam a necessidade de profissionalizar os servidores públicos. A noção de profissional implícita na racionalidade técnica liga-se à eficiência, neutralidade e a um suposto desinteresse e objetividade. Assim, o termo profissionalização nas reformas atuais aparece justaposto a conceitos como competência, eficiência, qualidade, autonomia, responsabilidade, accountability e avaliação no plano de uma nova gestão pública. Em decorrência, reestruturaram-se as escolas, a gestão e as relações entre professores e Estado. A profissionalização foi proposta nos projetos para a América Latina como forma de adequar os professores supostamente desqualificados e desprovidos de competências às demandas da reforma. No Proyecto Principal de Educación en América Latina y el Caribe, “profissionalização” foi eleita pivô da reforma educativa na região (OFICINA REGIONAL DE EDUCAÇÃO PARA A AMÉRICA LATINA  E CARIBE, 1993). No PRELAC (2002), atribui-se ao docente o protagonismo na tarefa de implementar a reforma e melhorar os indicadores escolares. Propaga-se um viés funcionalista da profissionalização, evidenciando a compreensão de que os profissionais servem ao melhoramento da sociedade. Difunde-se a ideia de que a qualidade da educação depende dos professores; estabelece-se uma correlação entre preparação profissional dos professores e sua prática em sala de aula, cujo foco é o de elevar os indicadores de desempenho dos alunos. Sob a justificativa da elevação da qualidade da educação, almeja-se forjar o professor eficaz que “faz mais com menos”. A identidade de professor profissional reforça suas habilidades de gestão e busca responsabilizá-lo pela resolução de problemas educacionais, otimização de gastos e construção de parcerias com a comunidade ou empresas ávidas por desenvolver investimento social privado no campo educacional. Atribui-se à profissionalização a segmentação de salários segundo as competências e performance. A competição por bônus, pautada em indicadores quantitativos, corrói a solidariedade da categoria; o governo, por números (GREK; OZGA, 2008), oblitera a discussão sobre a função social da educação. Contraditoriamente, a política de profissionalização aprofunda a desqualificação e a desvalorização docente, entendida por alguns autores como “desprofissionalização” (FREITAS, 2002). No campo da formação, a política de profissionalização tem promovido a superficialização da formação; a burocratização do trabalho docente. Ao professor “eficiente tecnicamente” se opõe o fragilizado politicamente. Nos moldes em que vem ocorrendo, a profissionalização se configura como um eufemismo, tratando-se de fato de um processo que leva à desintelectualização do professor (SHIROMA, 2003a;2003b). Com esse projeto político, florescem as orientações privatistas que investem na conformação do serviço de desenvolvimento profissional como mercado promissor. A convergência internacional em favor desse modelo de profissionalização e sua eleição como política preferencial de formação e gestão dos docentes constituem-se em nova forma de regulação na América Latina.

Bibliografia

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