RAÇA/COR

Autores/as: PAULO VINICIUS BAPTISTA DA SILVA

A palavra raça, quando aplicada a seres humanos, remete à classificação das pessoas (por características fenotípicas, de origem ou imputadas) e, no Brasil, é orientada por categorização por meio da cor. A ideia de raças humanas foi historicamente criada e difundida, vinculada com as bases sociais do racismo, e continua tendo efetividade social com forte inserção no universo simbólico. Ou seja, as pessoas são cotidiana e sistematicamente classificadas por raça/cor e essa classificação é efetiva socialmente: os grupos de cor e os indivíduos pertencentes a estes têm diferentes acessos a bens materiais e/ou simbólicos. Raça é uma construção social, que carece de fundamentos biológicos e científicos, mas é efetiva para a categorização das pessoas em determinados contextos sociais, como é no Brasil, onde a classificação por cor é, para raça, um tropo, uma forma específica de metáfora. Com base na classificação de raça/cor das pessoas, são mobilizadas uma série de expectativas sociais, pautas de comportamentos e definição de espaços sociais. O processo de tratar determinado grupo social como inferior e que têm, sistematicamente, negado ou dificultado o acesso a bens materiais ou simbólicos, faz com que raça/cor, mesmo não existindo como diferença biológica, torne-se plena de existência social.

O termo raça tem algumas complexidades e discussões em seu uso. Em termos biológicos, só é plausível falar de uma raça, a raça humana. No entanto, no século XVIII e principalmente no XIX, alguns intelectuais europeus criaram teorias (que denominaram “racismo científico”) baseadas na ideia de existirem diferenças biológicas entre os seres humanos. Propuseram a existência de diferentes raças humanas e uma hierarquia entre as raças (baseada no suposto critério de mais proximidade da razão e civilidade), classificando as raças em: 1)brancos – europeus; 2) amarelos – asiáticos; 3) vermelhos – americanos e 4) australianos; negros – africanos (outras formas de classificação foram propostas. Essa mais generalizante foi amplamente divulgada e aceita). As ideias do racismo que se dizia científico difundiram-se bastante e as formas de classificação das pessoas baseando-se na suposição de existência de raças foram muito efetivas, sendo que sua influência atravessou os séculos. No século XX, as ideias racistas continuaram muito atuantes e tomaram parte em diversas tragédias sociais. Após o término da II Guerra Mundial e com a organização das multilaterais, ocorreu um esforço em comprovar que raça não existe do ponto de vista biológico.

No entanto, as ideias racistas continuaram existindo e pesquisadores de continentes diversos (por exemplo, DU BOIS, 2000, nos EUA; WIEVIORKA, 1992, na Europa; COETZEE, 1999, na África; FERNANDES, 1964, no Brasil) apontaram não somente a permanência de tais ideias como também sua forte atuação social, em diferentes contextos, para classificar e inferiorizar determinados grupos sociais. Formula-se e se torna corrente o uso do termo racialização para falar de tais processos de transformação de grupos sociais específicos em “raças”. Racialização significa classificar e inferiorizar determinado grupo social, baseado em características que podem ser de aparência ou não, culturais ou de origem, reais ou imputadas.

Tais processos podem ocorrer em contextos geográficos e históricos diversos. Por exemplo, na Europa contemporânea, a racialização passou a pesar também contra europeus do leste e se manifesta, por exemplo, na racialização de “turcos” na Alemanha (BEM, 1993), de Albaneses na Itália (BALBO; MANCONI, 1993). Na América Latina, é comum a racialização de indígenas e de negros, entre outros (ver VAN DIJK, 2008).

Tais exemplos foram tomados somente como ilustração de que o racismo e a racialização são fenômenos mundiais, mas passemos ao contexto brasileiro. Quais grupos têm sistematicamente tratamento como inferiores, dificultando ou impedindo acesso a bens sociais e pessoais no Brasil? Observemos, por exemplo, o Programa Nacional de Direitos Humanos II (BRASIL; 2002), que têm propostas específicas para negros, indígenas e ciganos. São esses os grupos que têm sistematicamente acesso negado a bens materiais e simbólicos no Brasil, a ponto de necessitarem de amparo específico na legislação e propostas de ações relativas aos Direitos Humanos. São esses os grupos que sistematicamente recebem tratamento diferenciado baseado em suposto pertencimento a “raças”. Sobre a população cigana brasileira, a falta de informações e de estudos continua como principal marca. As instituições oficiais de pesquisa pouco integram em seus estudos informações sobre a população cigana e, no campo acadêmico, nas ciências humanas em geral e na educação em específico, também são raros os estudos. A população indígena foi dizimada durante séculos no processo de colonização e interiorização do país e hoje, segundo os dados oficiais, não chega a 1% do total da população do país. O reconhecimento de direitos das populações indígenas convive com processos sistemáticos de discriminação e violações diversas. No campo educacional, ocorre um atraso muito grande que, em certa medida, tem sido contraposto por políticas educacionais específicas bastante recentes, em especial, a necessidade de construção de uma Educação Escolar Indígena “caracterizada pela afirmação das identidades étnicas, pela recuperação das memórias históricas, pela valorização das línguas e conhecimentos dos povos indígenas, pela vital associação entre escola / sociedade / identidade e em consonância com os projetos societários definidos autonomamente por cada povo indígena” (BRASIL, 2009).

A população negra corresponde a cerca de 50% do total do país, segundo dados do IBGE, que trabalha com uma classificação de cor/etnia contendo os grupos: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Na pesquisa, convencionou-se usar o termo “negro” como correspondente ao agrupamento dos grupos de cor “preto” e “pardo”, o que foi, em grande medida, incorporado pelos movimentos sociais negros.

O racismo, no Brasil, em especial em relação a indígenas e negros, é um racismo ambíguo, que se afirma por sua negação, bastante amparado num imaginário de mestiçagem (MUNANGA, 2004). A negação do racismo gerou uma hegemonia do denominado “mito da democracia racial” em grande parte do século XX. Atualmente esse ideário de um país não racista deixou de ser hegemônico, mas continua muito presente no imaginário social.

Bibliografia

BALBO, L.; MANCONI, L. Razzismi.un vocabolario. Milano: Feltrinelli, 1993.

BEM, A. S. Educação e reprodução do racismo: as armadilhas dos modelos alternativos. Educação e Sociedade, v. 14, n. 44, p. 96-110, abr. 1993.

BRASIL. Ministério da Educação. Documento Final da I Conferência de Educação Escolar Indígena. Brasília: FUNAI, 2009.

BRASIL. Ministério da Justiça.Secretaria de Comunicação Social. Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH II. Brasília: Presidência da República, 2002.

COETZEE, J. M. Le origini ideologiche dell’apartheid. Verona: Dipartimento de Anglística della Università de Verona, 1999.

DU BOIS, W. E. B. The conservation of races In: BACK, L.; SOLOMOS, J. (Ed.). Theories of race and racism. London: Routledge, 2000. p. 79-86.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: USP, 1964.

MUNANGA, K. Rediscutinfo a mestiçagem no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

VAN DIJK, T. (Org.) Racismo e discurso na América Latina. São Paulo: Contexto, 2008.

WIEVIORKA, M. El espacio del racismo. Barcelona: Paidós, 1992.