REDES PÚBLICAS DE ENSINO

Autores/as: MARISA RIBEIRO TEIXEIRA DUARTE

Na atualidade, a expressão “redes públicas de ensino” é polêmica, pois o termo público, que as qualifica, teve suas fronteiras diluídas. Por sua vez, o termo “redes” remete à apreensão das novas formas de sociabilidade emergentes (CASTELLS, 1999). Público, etimologicamente, deriva de populu, sendo oposto ao privado, portanto, tem um sentido próprio que é o que pertence a todos de modo coletivo (ao populus) e também o que é comum (CURY, 2009, p.80). Por sua vez, comum é o que pertence a todos de modo distributivo, ou seja, a todos considerados como pessoas singulares, como indivíduos (BOBBIO, 1996, p.57). Desse modo, a coisa pública é pública porque não pertence como propriedade a ninguém em particular e sim a todos e é comum porque cada qual pode participar de seus benefícios. O público se opõe ao privado (como singular ou como familiar) e o comum se opõe ao particular (entidade grupal de ordem privada), ou seja, de pronto, público se opõe ao privado que, primeiramente, remetia à vida familiar (CURY, 2009, p.81). Com o advento da Modernidade, o âmbito do privado é subsumido aos interesses de mercado, dimensão de ação do(s) individuo(s) proprietário(s), movidos pela lógica de ampliação de seus interesses. Por contraposição, há, na concepção dos modernos, o público como o que é pertinente ao Estado como guardião de interesses maiores e gerais que pairem sobre as dimensões privadas e os interesses particulares. Sob esses dois pontos de vista, decorre que público se contrapõe a privado e, por isso, se refere também ao que é comum, coletivo, por oposição ao particular e individual. (SAVIANI, 2005, p.5) Para os modernos, público estaria predominantemente referido ao Estado, isto é, à instituição social considerada numa determinada sociedade como responsável por cuidar dos interesses comuns, coletivos, relativos ao conjunto dos membros. Para essa tradição da filosofia política, as redes públicas de ensino são resultantes da articulação e coordenação pelo Estado de instituições escolares, financiadas pelo fundo público e responsável pela formação humana necessária à vida em sociedade. De modo diverso, até o final do antigo regime, denominava-se escola pública toda escola coletiva, mesmo se de iniciativa privada, contraposta ao ensino individual do preceptor. Escola pública no período do medievo indicava o ensino ulterior à escola primária correspondente aos ensinamentos de que passou a se ocupar a escola secundária (SAVIANI, 2005, p.9). Entretanto, para os contemporâneos, público está referido também àquilo que diz respeito ao povo, o que lhe confere o sentido de “do povo” por oposição ao que se restringe aos interesses da elite. Nessa perspectiva, considerar a cultura, os saberes, bens comuns como sendo do povo permitiria assinalar mais claramente que esses não estão simplesmente no povo, mas que são produzidos por ele. Importa, nessa vertente analítica, distinguir as noções de “cultura e saberes populares” das suposições de que representações, normas e práticas porque são encontradas nas classes dominadas são, ipso facto, do povo. Em suma, não é porque algo está no povo que é do povo (CHAUI, 2000, p.41). Essa distinção, onde a noção de público refere-se ao que é do povo, opõe à rede pública estatal uma rede de instituições do povo e, portanto, públicas.  Público é aquilo que é inerente ao povo, a “rede pública de ensino” é aquela que serve ao povo, que atende ao povo, preservando, assim, a “cultura do povo,” o que pressupõe oposição à da elite e, ao mesmo tempo, crítico à afirmação de um padrão cultural único e tido como o melhor para todos os membros de uma sociedade. A rede pública seria expressão do conflito social entre privilégio (das elites) x direito (aberto a todos e a cada um). No Brasil, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932 (cf. SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, 1995), denuncia a escola até então existente por conter em si dois sistemas ou duas redes opostas e buscou combater essa dualidade de redes por meio de uma estrutura educacional sob a égide da escola pública, com currículos e normas comuns, tendo o Estado como articulador e legislador. Essa dialética, expressão do conflito social, fará comparecer, desde a Constituição brasileira de 1934, a educação como direito, a obrigação do Estado em prestá-la gratuitamente e obrigatoriamente, além da vinculação de porcentuais dos impostos federativos para a educação escolar, a concessão do Estado para a abertura de escolas sob o regime privado e o estabelecimento de um plano nacional de educação (ROCHA, 2001). Nessa corrente de pensamento, o conceito de público é associado à ordem do estatal e poderíamos concluir que “redes públicas de ensino” abrangem instituições organizadas e mantidas pelo Estado, desde a Educação Infantil até o nível da Educação Superior. Entretanto, o aparecimento, nas últimas décadas do século XX, das ideias do “público-não-estatal” vincula esse termo a formas de propriedade de grupos e/ou de controle social não-estatais.  O que é público pode não ser estatal, se não faz parte do aparato do Estado. Público-não-estatal, considerada uma expressão vaga e ampla, que compreende toda uma série de distintas organizações que, sendo administradas e delas fazendo parte indivíduos privados, não se identificam com o mercado e, perseguindo fins sociais, públicos ou corporativos de forma não lucrativa, encontram-se também fora do Estado. (BENTO, 2003, p.235). Essa acepção amplia a inclusão nas redes públicas de ensino de instituições geridas por lógicas de ação de grupos ou setores sociais excluídos por razões as mais diversas dos serviços educacionais providos pelo Estado, como as creches comunitárias, associações de portadores de necessidades especiais, ou mesmo instituições que, por sua natureza não lucrativa, atendem a demandas provenientes dos setores sociais minoritários. Por sua vez, o termo “redes” conota a sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições em estruturas flexíveis e estabelecidas horizontalmente, as dinâmicas de trabalho das redes supõem atuações colaborativas e se sustentam pela vontade e afinidade de seus integrantes, caracterizando-se como um significativo recurso organizacional para a estruturação social (OLIVIERI, 2003). A palavra “rede” é bem antiga e vem do latim retis, significando o entrelaçamento de fios com aberturas regulares que formam uma espécie de tecido. Uma estrutura em rede significa que seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam (CASTELLS, 1999). Ou seja, pode-se dizer que no trabalho em rede não há um “chefe,” o que há é uma equipe trabalhando com uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo. Na modernidade contemporânea, contrapondo os mecanismos hierárquicos de sociabilidade, a crescente autonomização das pessoas e das coletividades implica que identidades e interesses não só pluralizam como também se torna mais difícil, se não impossível, controlá-los de cima para baixo.  Pensar estruturas em rede, com esse enfoque, significa considerar que o comando hierárquico está fadado ao fracasso se não acontecer o reconhecimento identitário de demandas plurais, assim como processos concretos capazes de dar voz organizada e processar expectativas e reivindicações (DOMINGUES, 2006, p.9).  Os termos “público” e “redes” pressupõem a existência de novas formas institucionais relevantes na contemporaneidade, na constituição dos sistemas educacionais: as “redes públicas de ensino estatais” articuladas ao aparato do Estado e constituídas por um conjunto de instituições financiadas pelo Estado. As redes públicas de ensino “não estatais” organizadas por atores sociais diversos com capacidade de intervenção e ação sobre o ensino, porém voltadas para objetivos não lucrativos e constituídas pelos movimentos sociais diversos.

Bibliografia

BENTO, L. V. Governança e governabilidade na reforma do Estado: entre eficiência e democratização. Barueri: Manole, 2003.

BOBBIO, N. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.

CASTELLS, M. A sociedade em rede: a era da informação: economia, sociedade e cultura, São Paulo: Paz e Terra, 1999. v.1.

CHAUI, M. S. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

CURY, C. R. J. Cidadania republicana e educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

CURY, C. R. J. Projetos republicanos e a questão da educação nacional. In: VAGO, T, M. (Org.). Intelectuais e escola pública no Brasil: séculos XIX e XX. Belo Horizonte: Mazza, 2009. p. 79-103.

DOMINGUES, J. M. Instituições formais, cidadania e solidariedade complexa. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n.66, p.9-22, 2006.

OLIVIERI, Laura. A importância histórico-social das redes. Disponível em: < http://www.repea.org.br/index.php/conceitual/redes/85-a-importancia-historico-social-das-redes>. Acesso em: 15 de setembro de 2010.

ROCHA, M. B. M. Tradição e modernidade na educação: o processo constituinte de 1993-34. In: FÁVERO, O. (Org.). A educação nas constituintes brasileiras. 2. ed. Campinas: Autores associados, 2001.

SAVIANI, D. História da escola pública no Brasil: questões para pesquisa. In: SAVIANI, D. (Org.). A escola pública no Brasil: história e historiografia. Aracaju: Autores Associados, 2005.

SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA. A (Re) construção da educação no Brasil. São Paulo: SBPC, 1995. (Documento. Educação, n. 3).