REESTRUTURAÇÃO CAPITALISTA
Processo de reorganização geral do modo de produção capitalista em âmbito global, que teve início nos anos setenta e prosseguiu nas décadas seguintes. Apresenta diversas dimensões: econômica, política, social e cultural.
No que se refere à esfera econômica, ocorreram mudanças nas formas de organização do trabalho, na sua base técnica, na forma como as empresas se organizam para a produção e comercialização de bens e serviços, nas formas de contratação de trabalhadores e no desenvolvimento do setor de serviços. Esse processo inaugurou um novo ciclo no processo de acumulação de capital. A organização tradicional com base no modelo taylorista-fordista de organização do trabalho, em que predominavam a fragmentação das tarefas, a especialização de funções e a divisão rígida entre planejamento e execução das tarefas, foi substituída por formas sistêmicas e mais flexíveis de organização das atividades produtivas. Essa nova forma de organização do trabalho, que pode ser realizada de forma dispersa em termos geográficos, mas que é altamente integrada do ponto de vista tecnológico e da gestão, foi possível devido à introdução de uma nova base técnica fundada na microeletrônica e na informática.
Isso produziu alterações no conteúdo das atividades a serem realizadas e exigiu novos conhecimentos técnicos e novas atitudes no ambiente de trabalho em que responsabilidades técnicas foram delegadas aos próprios trabalhadores. Nos setores mais dinâmicos de acumulação de capital e nas empresas que recorrem fundamentalmente aos mecanismos da mais-valia relativa, o foco da exploração deslocou-se do componente físico da qualificação para o seu componente intelectual. Novas formas de controle do trabalho surgiram com base na informática, operando em tempo real, e as formas disciplinares do capital sobre o trabalho que incidiam primordialmente sobre o corpo do trabalhador passaram a incidir, prioritariamente, sobre a sua estrutura psíquica.
Do ponto de vista da organização da cadeia produtiva, seus diversos elos constitutivos foram desmembrados não só geograficamente, espalhando-se por diversas regiões do mundo, tendo em vista aproveitar as vantagens comparativas entre elas, mas do ponto de vista da propriedade jurídica dos meios de produção, esses elos foram distribuídos por empresas diversas e até mesmo para trabalhadores autônomos, uma vez que as empresas optaram por manter apenas o que consideram sua função nuclear. Isso produziu o que ficou conhecido como terceirização da produção.
Este desmembramento dos elos da cadeia produtiva acelerou a internacionalização da produção que se tornou globalizada, integrando as economias nacionais numa ampla teia de relações, em que a hierarquia existente entre países e regiões do mundo passou a se estruturar a partir de diferenças relativas à complexidade tecnológica dos elos da cadeia produtiva que abrigam. Essa nova modalidade de acumulação trouxe em seu bojo a transformação do sistema financeiro que passou a ocupar um lugar fundamental no processo de acumulação. Ao mesmo tempo, conferiu-lhe grande autonomia frente aos mecanismos tradicionais de regulação e coordenação financeira convencionais.
Essa nova forma de organizar a cadeia produtiva implicou em alterações importantes no urbanismo, alterando o traçado do espaço urbano e não urbano, pois exigiu novas rotas para a circulação de produtos, em razão de as empresas trabalharem com estoques reduzidos tendendo a zero, tal como propõe o modelo japonês da Toytota.
A introdução de uma nova base técnica e de uma nova racionalidade organizacional de caráter sistêmico produziu altas taxas de desemprego e desqualificou vastos segmentos da classe trabalhadora, exatamente aqueles formados nos patamares tecnológicos e organizacionais anteriores. Assim, os sistemas educacionais tiveram que se reformular tendo em vista essas transformações na organização do trabalho, ampliando a cobertura dos sistemas escolares, aumentando os anos de escolarização das futuras gerações da classe trabalhadora e introduzindo novas formas de organização do trabalho nas instituições de ensino e formação profissional, que se veem subordinadas à mesma racionalidade das empresas, em que os processos de avaliação de desempenho ocupam um lugar central nos mecanismos de gestão. São novas formas de organização e controle do processo educativo em todos os níveis de escolarização, que já não é mais pensado a partir dos Estados Nacionais e das especificidades locais, mas são concebidos por organismos e instituições multilaterais que estabelecem metas, definem modelos de amplitude mundial. Essas mudanças colocam em questão a soberania dos Estados Nacionais no campo educacional e torna menos abertos os processos decisórios nesse campo.
A formação das novas gerações da classe trabalhadora foi integrada ao processo geral de produção de valores, de tal forma que as instituições de ensino, na sua função de produtoras da mercadoria força de trabalho, passaram a obedecer à estratificação do mercado de trabalho, definida em termos de graus de complexidade das atividades produtivas. A organização do processo de trabalho nas instituições escolares passou a ser regida pelos critérios do tempo de trabalho e pelas exigências de redução de custos, o que levou à proletarização do profissional da educação.
Do ponto de vista político, a globalização da cadeia produtiva e do sistema financeiro reforçou o poder das grandes empresas que passaram a operar efetivamente acima das fronteiras nacionais, a partir de centros de decisão que ultrapassam os limites em que se define a soberania dos Estados no campo da regulação econômica. No campo das políticas estatais, denominadas políticas públicas, houve uma redefinição do papel do Estado, que transferiu para o setor privado uma série de serviços nas áreas da saúde, segurança pública, educação, previdência, entre outros. Serviços antes estabelecidos como direitos dos cidadãos e deveres do Estado foram transformados em mercadorias a serem adquiridas no mercado de bens e serviços, o que significa uma expansão extraordinária do capital. O Estado Nacional viu suas atribuições redefinidas, em que sobressaem suas funções repressivas, especialmente sobre as populações mais pauperizadas e sobre os movimentos sociais, num processo de militarização da política. Todas essas transformações na estrutura produtiva e política do capitalismo incidiram sobre as formas tradicionais de organização das lutas dos trabalhadores, fragmentados geográfica e juridicamente em unidades de produção diversas, contratados através de modalidades distintas: trabalhador regular, temporário, trabalhador terceirizado, autônomo, entre outras modalidades. Os partidos políticos e os sindicatos perderam a influência que tiveram nas primeiras décadas do século XX e novas formas de organização e luta se desenvolvem a partir de outros espaços que não apenas os locais de trabalho. Do ponto de vista social, as identidades, antes fortemente construídas a partir da esfera do trabalho, de trajetórias relativamente previsíveis ancoradas na formação escolar, sofreram os efeitos da reestruturação produtiva, pois nada mais garante que a trajetória escolar coincida com a prosseguida na esfera do trabalho e que os certificados continuem a sustentar carreiras. A ideia de competência ancorada em atributos individuais torna incerta a trajetória profissional e a desregulamentação do mercado de trabalho não permite um futuro previsível nos moldes do que existiu até os anos oitenta.
A composição interna da classe trabalhadora foi alterada, uma vez que essa reorganização capitalista implicou na expansão intensiva do capital, que subordinou o trabalho de profissionais altamente qualificados e escolarizados à lógica da lei do valor, inserindo-os em um vasto processo de proletarização em que o critério do tempo de trabalho é o elemento central.
As classes capitalistas têm na tecnocracia seu elemento mais dinâmico. Esta classe internacionalizada e cosmopolita encarregada da gestão e do controle global da economia subordinou as burguesias nacionais que ficaram restritas à pequena e média empresa que, por sua vez, operam numa relação de subordinação aos grandes grupos econômicos controlados pelos tecnocratas.
Trata-se, portanto, de uma reorganização geral dos mecanismos do capitalismo que alterou todos os aspectos da vida social.