RELAÇÕES DE PODER NA ESCOLA

Autores/as: FRANCISCO BELTRÁN LLAVADOR

O presente texto não ambiciona sentar as bases do conceito de poder nem, menos ainda, recompilar suas acepções ou as práticas nele implicadas. Isso justifica a forçosa simplicidade com que são tratados alguns aspectos capitais de sua definição e efeitos. O poder na escola tampouco pode resultar de um corte epistemológico ‘limpo’. Então, quais problemas e de que índole supõe tratar o enunciado com esses limites?

O primeiro, sem dúvida, está implicado no próprio termo poder. Trata-se, como é bem sabido, de um termo de velha etimologia que, tendo sobrevivido no tempo, goza nos últimos cinquenta anos de uma quase onipresença disciplinar, motivo pelo qual ficou incorporado à linguagem coloquial das ciências sociais e humanas. Uma leitura ou escuta atenta mostraria que, contudo, não se utiliza em sentido etimológico (algo facilmente compreensível e justificável, dado o tempo e circunstâncias transcorridos), nem existe unanimidade na hora de definir seu significado atual em âmbitos políticos ou na fala cotidiana (o que só se poderia entender depois de uma revisão das diferentes concepções filosófico-políticas configuradoras das formações sociais dominantes do presente e seus sistemas de governo). Nenhuma dessas opções é pertinente aqui. Basta dizer que, se uma abordagem histórica nos situaria diante do poder em relação aos sistemas de governo ou uma abordagem filosófica diante de questões de princípios, a abordagem sociológica é aquela que alcança maior relação com o âmbito institucional onde se inscrevem as organizações, incluindo, obviamente, as educativas. A segunda consideração é a impossibilidade de ignorar que a dimensão relacional do término ‘poder’ há de conjugar-se com outros conceitos tais como interesses, conflitos, democracia, participação, autonomia, responsabilidade, estruturas, culturas ou controle. Abordá-lo em relação a apenas alguma dessas categorias não autoriza a omitir o resto; mas integrá-las todas em um texto desse formato e finalidade seria um excesso. O terceiro problema, já evidente nessas alturas, é o âmbito a que se refere a expressão relações de poder: se bem fica localizada em sua circunstância “escola”, isso não evita que a mesma expressão aluda a um caráter essencial, ainda quando o contexto das organizações e sua gestão, assim como o marco normativo institucional em que se inscrevem, compartilhem homomorfismos, mas não identidade. No entanto, o elemento institucional dá conta também da especificidade a que há de submeter-se, inevitavelmente, o tratamento do fenômeno do poder.

Apesar das considerações anteriores, é quase inevitável, ao se tratar esse tema, referir-se ao filósofo Michel Foucault, quem, para além das diferenças que se possam manter com determinados aspectos de seus trabalhos, instituiu uma acepção de poder que, contra outras dominantes, associava-o, mais do que a um objeto ou qualidade que podia ser possuído, ao exercício ou disposição de um campo relacional que produzia em todos aqueles que o ocupavam uma série de efeitos peculiares. Entre esses efeitos, um da maior importância para a ordem escolar é mostrá-lo como mecanismo de produção de subjetividades, entendidas estas no duplo sentido da submissão e das possibilidades de ação autônoma. Se a escola pode operar tais efeitos não é precisamente ou somente a partir da dimensão organizativa, mas a partir da ação disciplinar, também entendida no duplo sentido de submeter o corpo e introduzir o sujeito em uma sequência ordenada de conhecimentos (episteme).

O poder na escola, ou melhor, sua acumulação costuma localizar-se em zonas de colisão onde convergem, solapam-se ou enfrentam-se as diferentes lógicas institucionais superpostas (política, burocrática, educativa, laboral, econômica, etc.) nas quais, subjacente, senta seus fundamentos na dinâmica organizativa. Nos centros escolares, detectam-se zonas de disputa em âmbitos ligados às condições para o exercício de funções diretivas, à incorporação do corpo de professores a níveis ou disciplinas, ao controle sobre informações ou conhecimentos próprios para o desempenho de certas posições, à capacidade de distribuir recursos ou remover os postos designados aos professores, etc. O objetivo não é eliminar essas zonas, mas identificar núcleos de poder a partir dos quais, através dos conflitos emergentes, seja possível definir novos critérios organizativos. Contudo, seria incorreto relacionar a noção de poder ou sua produção e efeitos às posições hierárquicas, sejam do sistema educativo ou de suas instituições. No entanto, é possível associar o conceito de poder ao de política, no sentido de que esta última resume o conjunto de ações que têm por objeto obter, conservar ou acrescentar o poder de alguns dos agentes da organização escolar ou de setores sociais interessados na mesma.

Segundo a máxima de Foucault que encabeça este verbete, para ser capaz de entender melhor as relações de poder na escola, é preciso prestar atenção nas formas de resistência. Estas, por sua vez, podem ser provenientes tanto do corpo de professores como do alunado, de ambos e inclusive de algum agente externo à escola. A resistência por parte de qualquer um deles indica também em que direção ou onde se opõe e, consequentemente, quem exerce um poder excessivo ou quais os atravessamentos da sua circulação. Porém, o lugar mais habitual da resistência costuma ser caracterizado pela ocultação de seus agentes; não assim de suas formas, que costumam ser do tipo aparição repentina e dissolução ou camuflagem. Daí que seja difícil chegar a identificar seus agentes ou localizar seus espaços – dentro do campo definido pelo próprio exercício do poder. As pichações no interior das portas dos banheiros exemplificam o dito até aqui; mas, evidentemente, não são as formas mais eficazes de exercício de um contrapoder simétrico em intensidade ao poder exercido. De fato, é na dimensão cultural das escolas e não na dimensão estrutural onde é possível localizar, genericamente, poder e contrapoder, dado que a dimensão estrutural remete a dispositivos legais que, se por uma parte são mais simples e explícitos, por outra, são mais difíceis de enfrentar.

Finalmente, as relações de poder na escola: a) são inerentes à mesma, como a qualquer outro grupo social; b) são sempre assimétricas, embora relacionais e recíprocas; c) localizam-se em zonas de superposição das lógicas que regem os comportamentos sociais; d) exercem-se por distintos agentes e através de diferentes meios organizativos e disciplinares; d) a reciprocidade faz com que sejam respondidas mediante um exercício de contrapoder; e) o contrapoder se materializa explicitando-se na dimensão estrutural e, com menos visibilidade, através de aspectos conformadores da cultura e subculturas.

Bibliografia

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