RITMO DE TRABALHO
Refere-se ao encadeamento e cadências mais rápidas ou lentas, mais fortes ou fracas – das atividades realizadas pelo professor/a, no decorrer de períodos temporais destinados à realização de seu trabalho, em quaisquer espaços e tempos de sua vida, intra ou extraescolares, presenciais ou a distância, tempos reais ou virtuais, todos eles inscritos em cadências e compassos. O termo ritmo não pode ser confundido com a divisão das atividades em séries ao longo do tempo ou com a fragmentação das mesmas durante um período, conforme Lefebvre e Regulier (1992, p. 263). A rítmica corresponde ao modo como as atividades estão concatenadas, encadeadas, cadenciadas temporalmente. Para a constituição da ritmicidade, é preciso que o encadear das atividades passe por regulares e sucessivas fases de intensidade crescente e decrescente, de reconstituição e desmembramento, de repouso e movimento, podendo os intervalos rítmicos serem mais rápidos ou lentos, mais curtos ou longos, mais fortes ou leves, tal como se passa na música. Isso requer repetição do encadear de tempos fortes e fracos, tempos largos e breves, que retornam conforme uma regra ou lei. Implica em paradas, silêncios, suspensões e intervalos que se apresentam como regularidades. O ritmo supõe um tempo diferenciado e uma duração qualificada. Implica na existência de elementos temporais muito marcados ou acentuados que se contrastam e se opõem, compondo um movimento de conjunto que arrasta consigo todos esses aspectos. O ritmo manifesta-se nas alternâncias, durações e interrupções das interações sociais; nos intervalos, intensidade e periodicidade das atividades coletivas. Ele também demonstra irregularidades originadas dos distintos contextos e configurações das atividades e sociabilidade humana, que se apresentam de modo não linear, constituindo-se de movimentos, ações e práticas irregulares, de cadências não homogêneas. A ritmicidade cotidiana, por sua vez, é marcada pelo tempo social como um produto da vida coletiva, sendo modulada pelo fato de o ritmo ser pessoal e social. Há que se destacar, ainda, que nosso dia a dia está atravessado por grandes ritmos cósmicos e vitais, os ritmos físico-biológicos, cadências que interagem permanentemente em nossa cotidianidade e ligam-se ao tempo homogêneo. Este originário da forma de determinação temporal vigente nas sociedades atuais e marcado por estruturas rítmico-temporais matematizadas, precisas, exatas e correlatas à eficácia dos fatores de produção urbano-industrial, da atividade mercantil, da acumulação capitalista. As cadências rítmicas são evocadas nos imperativos temporais dos relógios, dos calendários e horários. Vive-se, pois, uma combinação rítmica que exprime a coexistência de múltiplas temporalidades e a imbricação dos tempos da natureza humana e não humana. Nos espaços e tempos escolares, os ritmos de trabalho do professorado, em particular, estão circunscritos mediante três cadências intimamente articuladas. A primeira refere-se à peculiaridade rítmica da atividade de ensinar e aprender expressa nas relações face a face dos atores sociais. As durações e períodos, as alternâncias, continuidades e descontinuidades, as sequências e compassos da convivência nas atividades didático-pedagógicas e escolares envolvem a cadência das interações sociais e dos encontros entre os sujeitos, gerações humanas próprias à vida na escola. Nesse contexto, dentre outros fatores, há que se considerarem os ritmos biopsíquicos implicados nos processos de construção do conhecimento e aprendizagem humana presentes nos compassos escolares. A segunda cadência diz respeito aos ordenamentos rítmico-temporais próprios ao universo escolar que vão sendo definidos pelos calendários e horários escolares. A terceira refere-se aos contornos qualitativo e quantitativo das jornadas de trabalho do professorado, imersos nos ordenamentos burocráticos das organizações modernas. Na vida dos docentes, os contornos rítmico-temporais das estruturas sócio-históricas mais amplas da produção mercantil, da produtividade, da razão instrumental, das pautas temporais reguladas pelos imperativos homogêneos dos relógios se imbricam aos dimensionamentos cotidianos, matizados social e individualmente. Os ritmos do tempo do trabalho dos professores são muito particulares, conformando habitus, estilos de vida e modos de ser, constitutivos de suas identidades. A ritmicidade do trabalho circunscreve os demais tempos da vida dos sujeitos-professores, submetendo-os aos seus compassos. Os ritmos de trabalho docente são produzidos na correria de escola para escola, de uma sala de aula a outra, transitando de um conteúdo a outro, de casa para a escola e da escola para casa, em cadências marcadas pelas modulações e ordenamentos dos horários e calendários escolares. Nesses compassos, os docentes têm vivido um sentimento paradoxal: apesar das extensas jornadas de trabalho, ou seja, do longo período diário que o professor encontra-se à disposição na/s escola/ onde trabalha, o tempo lhes parece curto. São várias as atividades que sujeitos-professores precisam encadear, encaixar e combinar ao longo dos tempos em que permanecem nos espaços escolares, o que nem sempre é possível. Isso gera a intensificação do ritmo de trabalho dentro da jornada do docente na escola e/ou a realização de trabalho fora dela, em outros espaços e tempos da vida social. Isso também faz com que os docentes sejam movidos pela necessidade e sentimento de que é preciso aproveitar o tempo na escola, a fim de compatibilizar as tarefas profissionais com suas responsabilidades de mães, de pais, de cidadãos, de consumidores. O tempo de professor, portanto, é apenas parte de sua experiência rítmico-temporal de sujeito social, que extrapola a docência. Os espaços sociais que habitamos têm ritmos e temporalidades outras, que se incorporam à nossa vivência temporal de professores/as, tais como os tempos da cidade ou do campo, da família, do lazer, tal como se passa com outras categorias de trabalhadores/as. Nesse sentido, os professores têm sua ritmicidade marcada por cadências entrecruzadas e repetitivas, contextualizadas pelos tempos da escola, da família e da cidade. Há que se somar, ainda, o tempo de uso do computador e da internet pelos/as professores/as, tanto dentro quanto fora das escolas, que intensificou seus ritmos do trabalho docente gerando outras cadências e compassos. O nanossegundo, medida de mensuração do tempo na internet, uma fração de tempo menor do que o segundo, faz o trabalho e a cadência da atividade na rede mais rápida e intensa: mais coisas podem ser feitas em menos tempo, em suma, alterando a rítmica ou as cadências do trabalho docente que vão sendo estendidas em longas, densas e intensas horas de trabalho em tempo virtual, que se combina ao tempo real. Em suma, nas vidas de professores, são vários os ritmos que se entrecruzam, justapõem-se, combinam, tencionam, conflitam, complementam e associam-se, compondo a polirrítmica da vida docente. O tempo e as temporalidades inscritas no trabalho docente, por sua vez, constituem-se não somente das jornadas de trabalho a extensão em horas das atividades laborais dos professores mas também de ritmos as cadências em que o trabalho se realiza. Nos dias de hoje, por via de regra, observa-se uma dupla arquitetura: de um lado, as jornadas de trabalho têm sido ampliadas em horas, em tempos reais e virtuais; por outro lado, os ritmos têm sido intensificados, a dita intensificação dos ritmos do trabalho, pois faça mais coisas em menos tempo, pois os ritmos se tornam mais rápidos e cheios, qual seja, mais velozes, densos e intensos.