TRABALHO DOCENTE
Trata-se de uma categoria que abarca tanto os sujeitos que atuam no processo educativo nas escolas e em outras instituições de educação, nas suas diversas caracterizações de cargos, funções, tarefas, especialidades e responsabilidades, determinando suas experiências e identidades, quanto as atividades laborais realizadas. Compreende, portanto, as atividades e relações presentes nas instituições educativas, extrapolando a regência de classe. Pode-se, assim, considerar sujeitos docentes os professores, educadores, monitores, estagiários, diretores, coordenadores, supervisores, orientadores, atendentes, auxiliares, dentre outros. O trabalho docente não se refere apenas à sala de aula ou ao processo de ensino formal, pois compreende a atenção e o cuidado, além de outras atividades inerentes à educação. De forma genérica, é possível definir o trabalho docente como todo ato de realização no processo educativo. Partindo da definição de que o trabalho constitui-se em ato de transformação da natureza pelo homem para sua própria sobrevivência, o que resulta também e, ao mesmo tempo, na transformação do homem pelo trabalho, é possível considerar que o mesmo é detentor de um caráter educativo. Educação e trabalho são elementos fundamentais da condição humana, indispensáveis à socialização e determinantes de nossas experiências. A experiência como herança, transmitida ao mesmo tempo em que é historicamente construída e elaborada (THOMPSON, 1997), partilhada por meio do trabalho, constitui-se em noção-chave para a compreensão da categoria trabalho docente em contraposição à profissão. As análises sobre o trabalho docente buscam captar os sujeitos e suas relações a partir da sua experiência, do seu fazer cotidiano, da intimidade do processo de trabalho. Se considerarmos que o termo docência, originado do latim, significa ensinar, instruir, mostrar, indicar, dar a entender, podemos afirmar que o trabalho docente é o que se realiza com a intenção de educar. Assim, o que define o trabalho docente não são a formação específica e o estatuto profissional ou certificado que foi conferido ao sujeito, mas seu labor, sua experiência no processo educativo no lugar de quem educa ou contribui para.
Os professores são, em geral, os primeiros a serem lembrados quando se utiliza o termo trabalho docente. Isso ocorre por razões bastante óbvias, pois são os mais numerosos no processo educacional e os que encarnam de maneira mais expressiva o ato educativo. São considerados os principais responsáveis pelo processo educativo nas políticas educacionais, tendo de responsabilizarem-se pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema educacional. Contudo, diante das variadas funções que a escola pública assume na atualidade, os professores se veem muitas vezes obrigados a responderem a exigências para as quais não se encontram preparados. Em contexto de pobreza ou no meio rural, essas exigências podem ser agravadas pela ausência de estruturas sociais que têm por função garantir o bem-estar da população, tais como: postos de saúde, assistência social, lazer, cultura, entre outros espaços públicos, o que faz com que a escola seja a única agência pública local. Nessas escolas, os professores se veem obrigados a desempenhar funções para as quais não foram preparados ou mesmo contratados. Por não existirem na maioria das escolas brasileiras profissionais que possam responder pela assistência aos alunos, os professores acabam por assumir esse papel. Essa é uma razão que nos leva a considerar que o trabalho docente não é aquele que se refere apenas à sala de aula ou ao processo de ensino, ainda que compreendamos que o cuidado e a atenção são constituintes do ato educativo. Isso quer dizer que a ampliação sofrida pelo rol de atividades dos professores na atualidade tem obrigado a se redefinirem suas atribuições e o caráter de sua atuação no processo educativo. Observa-se tendência crescente de os professores passarem a ocupar outras funções dentro das escolas, tanto no sentido de desenvolverem tarefas subsidiárias ao ensino, quanto de desempenharem outros papéis no processo educativo. Tal processo tem resultado em maior complexidade da tarefa docente, ou do trabalho docente.
No caso brasileiro, o imperativo da gestão democrática no ensino público, conforme disposto no Inciso VI do Artigo 206 da Constituição Federal da República de 1988, tem demandado dos professores maior compromisso com a instituição educativa, ao mesmo tempo em que exige deles a capacidade de colaborar, de trabalhar em equipe, de discutir coletivamente e de participar da gestão. Por meio de escolha livre e direta de seus pares e da comunidade, os professores de Educação Básica passam a assumir funções antes desempenhadas por especialistas. A crítica à administração burocrática resultou em novos modelos de gestão escolar que buscam a discussão coletiva, maior autonomia e participação. Essas críticas acabaram por desautorizar, em grande medida, os especialistas de educação (inspetores, supervisores, administradores e orientadores escolares) em relação ao seu estatuto e lugar profissional no sistema educativo. A verticalização do modelo hierárquico de gestão educacional, assentado nas especializações, passou a ser alvo de críticas e em seu lugar emergiram formas mais horizontais e flexíveis de organização do trabalho. Tal tendência acompanha amplo movimento de reestruturação produtiva, de superação de modelos rígidos de organização do trabalho por formas mais flexíveis. Contudo, as hierarquias permanecem, mesmo que em níveis mais tênues, resultando em tensões entre os docentes no cotidiano escolar.