VIVÊNCIA PROFISSIONAL
Refere-se à existência, ao fato de ter vida profissional, de viver. Mas esse termo sugere também experiência, modos e hábitos de vida. (MICHAELIS, 1998). Trabalhando sobre o tema das formas do conhecimento profissional, Goodson chama a atenção para a importância da experiência das pessoas como ponto de partida da pesquisa no campo da docência, devendo essa experiência ir além daquilo que é microscópico e anedótico (GOODSON, 2009, p.25). Para esse autor, as experiências vividas pelos indivíduos estão ligadas às relações sociais da sociedade em que estão inseridos, não estando ninguém fora dessas relações. Isso significa que a vivência de uma pessoa está sempre integrada à vida de outros grupos sociais, dos quais derivam a identidade pessoal. Mas a experiência que é sempre social carrega o passado. Em outros termos, diz MacIntntyre: aquilo que herdo é, portanto, parte fundamental do que sou, um passado específico que existe, de certa forma, no meu presente. Descubro-me a fazer parte da história e isso significa que, de uma forma geral, quer goste ou não, quer o reconheça ou não, sou transportador de uma tradição. (MACINTNTYRE, 1981, p. 206-207). Essa imagem de tradição é importante e remete à necessidade de pensar na potencialidade da noção de trajetória para a compreensão do trabalho do professor, não como sucessão longitudinal de acontecimentos sem qualquer integração à estrutura social, mas como acontecimentos biográficos que se definem como colocações e deslocamentos no espaço social (BOURDIEU, 2006, p.190). Pela via das trajetórias, podemos apreender os processos de socialização vividos em períodos importantes pelos professores e seu peso na constituição de habitus profissionais.
O estudo de trajetórias de vida e de trabalho de professores pode ajudar a entender estilos de ensinar, gestão da classe, comunicação professor-aluno e, mesmo, preferência por campos do conhecimento e níveis de ensino.
Assim, comportamentos, crenças, atitudes são tributários de experiências mais ou menos remotas vividas no seio da família, da escola, das instituições sociais como a igreja, o partido político, associações profissionais, o sindicato, etc.
Isto é, a vivência profissional de professores não se limita à escola, enquanto espaço de formação, mas a experiências sociais de variada natureza e importância. O estudo das trajetórias permite também perceber que o lugar que os indivíduos ocupam no seio da profissão é dinâmico e implica deslocamentos tanto em termos de mobilidade ascendente como também descendente.
Com isso, somos levados a crer que não podemos pensar na noção de profissão apenas como exercício de atividade próprio dela, ou de ofício (MICHAELIS, 1998). Ou ainda, como conjunto de pessoas com o mesmo nome, dotadas de um mesmo estatuto econômico e social, organizadas em associações profissionais, dotadas elas também de uma deontologia, de instâncias coletivas que definem regras de entrada (BOURDIEU, 1989).
Para esse autor (1989), fala-se do conceito de profissão como se fosse uma categoria social edificada para além das diferenças econômicas, sociais, culturais. Bourdieu propõe pensar o conceito enquanto campo que encerra lutas concorrenciais, implica diferentes formas de acesso, diferentes percursos profissionais, o que remete para a ocupação de posições diversas no meio social. Por essa perspectiva, pensar a identidade profissional exige a desconstrução da ideia de profissão como uma verdadeira realidade (BOURDIEU, 1989). Diferentes são os percursos vividos, os processos de formação e de profissionalização, o que dá grande diversidade a essa categoria socioprofissional do ponto de vista das condições e de exercício da profissão.
Assim, a entrada na profissão, a inserção em determinada instituição, o tipo de carreira construída, a participação em associações profissionais passam a ser compreendidos como produtos de uma trajetória individual e coletiva marcada também por dimensões como o gênero, a classe social, a etnia e a geração.
O fato de ter nascido entre setores desfavorecidos ou entre elites culturais, de pertencer a faixas geracionais marcadas por contextos sociais, políticos e econômicos atua sobre as disposições dos professores, conformando suas representações e práticas profissionais.
Mas há ainda um aspecto que precisa ser trazido: a vivência profissional é ainda expressão de estilos e hábitos de vida de indivíduos e grupos. No caso dos professores, vai fazer diferença a rede de sociabilidade na qual estão imersos os docentes, o maior ou menor acesso aos bens culturais, as interações que se dão fora e dentro do ambiente de trabalho.
Em um contexto de grandes transformações sociais, de crescimento acelerado das tecnologias de comunicação, do aumento da participação da mulher no mundo do trabalho, quanto mais equipado estiver o professor do ponto de vista pedagógico e cultural, melhor poderá dar respostas aos desafios hoje da escola de massa.