O MEB foi criado em 1961, pela
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para desenvolver um
programa de educação de base por meio de escolas radiofônicas. Sua
criação foi prestigiada pela Presidência da República e sua execução
apoiada por vários ministérios e órgãos federais e estaduais, mediante
financiamento e cessão de funcionários. Foi prevista também importante
colaboração do Ministério de Viação e Obras Públicas, responsável pela
concessão dos canais de radiodifusão, visando agilizar os processos de criação
e ampliação de emissoras católicas.
O programa teria a duração de cinco
anos, devendo ser instaladas, no primeiro ano, 15 mil escolas radiofônicas, a
serem aumentadas progressivamente. Para tanto, a CNBB colocava à
disposição do governo federal a rede de emissoras filiadas à Representação
Nacional das Emissoras Católicas (RENEC), comprometia-se a aplicar
adequadamente os recursos recebidos do poder público e a mobilizar
voluntários para atuar nas escolas como monitores e nas comunidades como
líderes.
Suas origens estão nas experiências
de educação pelo rádio realizadas pelos bispos brasileiros, principalmente no
Rio Grande do Norte e em Sergipe, nos anos de 1950. D.
José Vicente Távora, arcebispo de Aracaju, a partir da experiência realizada
por D. Eugênio Sales em Natal, que havia se inspirado na Acción Cultural
Popular da Igreja Católica da Colômbia, e de sua própria iniciativa em Sergipe,
formalizou à Presidência da República, em nome da CNBB, proposta de
criação de amplo programa para ministrar educação de base às populações das
áreas subdesenvolvidas do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País, através de
emissões radiofônicas especiais com recepção organizada.
Visando realizar esse objetivo,
propunha-se a: a) executar, naquelas áreas, programa intensivo
de alfabetização, formação moral e cívica, educação
sanitária, iniciação profissional, sobretudo agrícola, e promoção
social; b) suscitar, em torno de cada escola radiofônica, a organização da
comunidade, despertando-lhe o espírito de iniciativa e preparando-a para as
indispensáveis reformas de base, como a da estrutura agrária do País; c) velar pelo desenvolvimento espiritual do
povo, preparando-o para o indispensável soerguimento econômico das regiões
subdesenvolvidas e ajudando-o a defender-se de ideologias incompatíveis com o
espírito cristão da nacionalidade (FAVERO, 2006, p. 56).
O sistema de escolas radiofônicas
compreendia: a) equipes locais, constituídas junto a uma emissora, em
geral de propriedade da Igreja e sob responsabilidade do bispo diocesano,
formada por supervisores, responsáveis pela escolha e treinamento dos
monitores e pelo funcionamento das escolas, e professores-locutores,
encarregados da produção e emissão de aulas e outros programas
educativos. Antes de iniciarem o trabalho, os elementos dessa equipe eram
treinados e selecionados pela Equipe Técnica Nacional; b) monitores, elementos
da comunidade, que desenvolviam trabalho voluntário e gratuito na
instalação da escola, matrícula dos alunos, controle de sua frequência, auxílio
aos alunos para o aproveitamento das aulas radiofonizadas,
aplicação de provas, envio de relatórios mensais sobre o andamento da
escola. Fixava-se como requisito mínimo que soubessem ler e escrever e
demonstrassem capacidade para seguir as instruções das aulas radiofonizadas.
Eram treinados para suas funções e apoiados pelos supervisores, inclusive nos
trabalhos comunitários, devendo ter, para isso, liderança efetiva ou potencial;
c) escolas radiofônicas, funcionando em escolas isoladas,
salas paroquiais, sede de fazendas, barracões construídos para esse fim
ou nas casas dos próprios monitores, conforme a tradição das escolas de
“professores leigos”, com instalações pobres: mesa e bancos de
madeira rústica. O MEB forneceria quadro de giz, rádio-cativo (a
pilhas e sintonizado apenas na estação que transmitia as aulas e os programas
educativos) e lampião de querosene, cartilhas e livros de leitura.
As emissões eram feitas no começo da noite e as escolas funcionavam em
horário adequado à população rural. Esperava-se que os alunos crianças,
adolescentes, jovens e adultos não só aprendessem a ler, escrever e contar, e
assimilassem as noções da educação de base, mas também, sob a liderança do
monitor, concretizassem essa educação executando tarefas diversas na
comunidade: campanhas de filtro, fossa, vacinação, registro civil,
etc. Esperava-se ainda que se comprometessem com outros trabalhos de
desenvolvimento comunitário: organização de clubes, grupos de representação ou
organizações de classe.
A proposta inicial do MEB retomava
em grandes linhas o conceito tradicional de educação de base da UNESCO,
justificado pela Igreja Católica como exigência de sua ação
evangelizadora junto às massas e da tomada de consciência da miséria do
povo e da necessidade de sua superação. Em decorrência, o MEB foi criado,
em colaboração com o Estado, para concretizar sua presença no social, junto aos
pobres e injustiçados, através de um projeto educativo. Nestes termos, sua
criação expressa o deslocamento da Igreja Católica em direção às classes
populares.
Promovendo a criação do MEB,
aliava-se a Igreja ao Estado na difusão da ideologia da ordem e da segurança,
acenando para a diminuição das desigualdades econômicas e sociais através do
desenvolvimento. Objetivando a educação das massas para as reformas de
base e para que elas próprias se defendessem de “ideologias
estranhas”, operava a Igreja no sentido de manter a hegemonia
do poder dominante. Assim, “Igreja e povo teriam participação ativa
(no poder político), uma unidade inquestionada, mas com tutela da primeira,
também foro de legitimidade do governo” (ROMANO, 1979, p. 188).
Para essa tarefa, todavia, os
instrumentos primeiros do MEB eram por demais tímidos. O conteúdo da educação
de base, tal como sintetizado em seus primeiros documentos, era impossível de
ser desenvolvido nos limites da escola radiofônica, mesmo contando-se com
a grande penetração do rádio no meio rural. O programa corria o
risco de ser mais uma campanha de alfabetização o que justificaria por si só
o apoio do Estado e um novo meio de catequese o que satisfaria aos
bispos e ao clero. Algumas aulas de saúde e associativismo, e a
divulgação de procedimentos técnicos relativos à agricultura e iniciativas
junto às comunidades completariam um programa de massa.
Havendo iniciado seus trabalhos com
uma proposta a rigor superada, após dois anos de experiências, no 1º
Encontro Nacional de Coordenadores (MOVIMENTO EDUCACIONISTA DO BRASIL, 1962),
reviu os trabalhos realizados, sistematizou e, sobretudo, fundamentou sua
prática. Em consequência, redefiniu seus objetivos e sua metodologia de
ação, integrando-os em nova postura ideológica e ombreando-se com os outros movimentos
de cultura popular criados no período, com os quais passou a dialogar.
Nessa redefinição, o MEB assumiu nova
visão de realidade, a partir de determinado conceito de homem e
determinada concepção de história. Para tanto, foi decisiva a atuação de Pe.
Henrique de Lima Vaz, S.J., que havia desenvolvido vários cursos para a
Juventude Universitária Católica (JUC) e assessorado a criação da
Ação Popular (AP), também no início de 1960. Dois temas por ele
desenvolvidos são essenciais para se entender as opções do Movimento: a) o
problema da ideologia na cultura moderna, destacando a influência do
Cristianismo no aparecimento da “civilização das ideologias” e
situando a verdade cristã em face do pluralismo ideológico ; b) a consciência
histórica como característica fundamental da história e da dialética fundada na
comunicação de consciências (VAZ,
1960).
Esses foram os elementos a partir dos quais se construiu o
conceito de conscientização, tanto no MEB como em outros movimentos de
educação e cultura popular e no Sistema Paulo Freire. A partir desse 1º Encontro, o MEB passou a
assumir como seu objetivo geral: Considerando as dimensões totais do homem e
utilizando todos os processos autênticos de conscientização, contribuir de modo
decisivo para o desenvolvimento do povo brasileiro, numa perspectiva de
autopromoção que leve a uma transformação de mentalidades e estruturas
(FAVERO, 2006, p. 80). E,
afirmando que essa transformação se afigurava urgente, para atingir esse
objetivo, propunha-se a fazer um trabalho de educação de base que passaria a
consistir em: a) alfabetização e iniciação em conhecimentos que se traduzam no
comportamento prático de cada homem e da comunidade, no que se refere à
saúde e à alimentação (higiene); ao modo de viver (habitação,
família, comunidade); às relações com os semelhantes (associativismo); ao
trabalho (informação profissional); ao crescimento espiritual; b)
conscientização do povo, levando-o a descobrir o valor próprio de cada homem;
despertar para os seus próprios problemas e provocar uma mudança de situação;
buscar soluções, caminhando por seus próprios pés; assumir responsabilidades de
soerguimento de suas comunidades; c) animação de grupos de representação,
promoção e pressão; d)
valorização da cultura popular, pesquisando, aproveitando e divulgando as
riquezas culturais próprias do povo. (FAVEIRO, 2006, p. 80).
Visando a manter-se como movimento educativo e conservar a
designação inicial, reelaborou o conceito de educação de base: … entende-se
como educação de base o processo de autoconscientização das massas, para uma
valorização plena do homem e uma consciência crítica da realidade. Esta
educação deverá partir das necessidades e dos meios populares de participação,
integrados em uma autêntica cultura popular, que leve a uma ação
transformadora. Concomitantemente, deve propiciar todos os elementos
necessários para capacitar cada homem a participar do desenvolvimento integral
de suas comunidades e de todo o povo brasileiro (FAVEIRO, 2006, p. 80).
No mesmo impulso, foram
sistematizados e reorientados os procedimentos de instalação e
funcionamento das escolas radiofônicas, visando a tornar essas escolas e
os demais grupos de base (de mães, de jovens, etc.) independentes das
paróquias. Por sua vez, a ação a ser desenvolvida junto aos sindicatos rurais,
conselhos de comunidades e comitês de ação popular começaram a delinear uma
linha de ação política. Toda essa postura é concretizada no modelo pedagógico
que é desenvolvido em 1963, em particular na produção do conjunto didático Viver é Lutar.
Em decorrência da redefinição de
seus objetivos, o MEB reformulou radicalmente sua prática. As
atividades que melhor expressam essa reorientação, para além das escolas
radiofônicas, foram os treinamentos de líderes e o sindicalismo rural. Em
termos político-ideológicos, em uma reunião realizada em janeiro de 1964,
reviu o caminho percorrido e os problemas surgidos nas emissões
radiofônicas e demais trabalhos de conscientização,
e as principais questões levantadas pelos bispos da área de atuação do
MEB, discordantes das atitudes decorrentes da opção tomada. À luz
dessa revisão e frente à natureza daquelas questões e daqueles problemas, foi
discutida a necessidade de o projeto educativo do MEB vir a integrar-se num
projeto político mais amplo, para o qual a AP era o conduto mais próximo e a
alternativa mais convincente.
A apreensão do livro de leitura Viver é Lutar, em fevereiro de 1964,
pela política do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, acirrou as discussões
sobre as opções tomadas pelo Movimento. Imediatamente a seguir, o golpe militar
de abril de 1964 cortou a perspectiva política, desencadeando uma onda de
denúncias e repressão policialesca por parte do Estado, assim como
aguçando o controle ideológico da hierarquia católica sobre o MEB, com o
rompimento de sua coordenação nacional. Em 1964 e 1965, apesar das pressões e,
sobretudo, da insegurança das verbas federais, e cedendo em alguns pontos, o
MEB conseguiu sobreviver: redefiniu as aulas e os programas radiofônicos;
preparou outro conjunto didático, designado Mutirão, no qual o conceito de conscientização foi substituído por
cooperação; passou a investir
diretamente nas comunidades, no processo definido como de animação popular.
Segundo Brandão (1977, p. 36) progressivamente,
o MEB transportou o melhor de sua prática para uma presença direta nas bases e
para a organização de trabalhos sócio-políticos nas comunidades.
Progressivamente também, o conceito de educação de base é substituído pelo
conceito de animação popular: um processo de estruturação de comunidades e
organização de grupos, progressivamente assumido por seus próprios membros, a
partir de seus elementos de liderança. A comunidade organiza-se em consequência
da descoberta de seus valores e recursos frente a suas necessidades, em
busca da superação de seus problemas sociais, econômicos, culturais, políticos
e religiosos e no sentido da afirmação de seus membros como sujeitos (MOVIMENTO
EDUCACIONISTA DO BRASIL, 1965, p. 26).
Durante 1966, no entanto, pela
insegurança e pelas concessões feitas ao Governo pela hierarquia, os grandes
sistemas de educação de base do Nordeste e do Centro-Oeste foram fechados,
restando poucos sistemas locais, que regrediram às propostas primeiras.
Simultaneamente, houve um deslocamento importante em direção à Amazônia, mas
com outras características. Algumas dessas experiências sobrevivem até hoje,
mas com propostas de bases diocesanas e pequena coordenação nacional.