ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL

Autores/as: JAQUELINE MOLL

Em sentido restrito, refere-se à organização escolar na qual o tempo de permanência dos estudantes se amplia para além do turno escolar, também denominada, em alguns países, como jornada escolar completa. Em sentido amplo, abrange o debate da educação integral – consideradas as necessidades formativas nos campos cognitivo, estético, ético, lúdico, físico-motor, espiritual, entre outros – no qual a categoria “tempo escolar” reveste-se de relevante significado tanto em relação a sua ampliação, quanto em relação à necessidade de sua reinvenção no cotidiano escolar. 1. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932 reiterou referências à educação integral sublinhando a ideia do direito a uma educação pública que alcance diversas dimensões da formação. A partir desse solo fértil, o debate acerca da escola de tempo integral ganhou contornos políticos e pedagógicos através das Escolas-Parque, idealizadas por Anísio Teixeira – um dos signatários do Manifesto – no seu trabalho no Rio de Janeiro, na Bahia e, posteriormente, na nova capital federal e dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP) pensados por Darcy Ribeiro (BRASIL, 2009). Anísio Teixeira compreendia a profunda relação entre acesso à educação e promoção da democracia e propunha: “haverá escolas nucleares e parques escolares, sendo obrigada a criança a frequentar regularmente as duas instalações. O sistema escolar para isso funcionará em dois turnos (…) no primeiro turno, a criança receberá, em prédio econômico e adequado, o ensino propriamente dito; no segundo, receberá, em um parque-escola aparelhado e desenvolvido, a sua educação propriamente social, a educação física, a educação musical, a educação sanitária, a assistência alimentar e o uso da leitura em bibliotecas infantis e juvenis” (TEIXEIRA, 1997, p. 243). A experiência dos CIEPs materializa-se no estado do Rio de Janeiro, ao longo das duas gestões do governador Leonel Brizola (1983-1987 e 1991-1994). As ideias de Darcy Ribeiro representam a referência pedagógica e antropológica dessa experiência, propugnando uma escola pública popular que deveria ter como requisitos: “Espaço para a convivência e as múltiplas atividades sociais durante todo largo período de escolaridade, tanto para as crianças quanto para as professoras. O Tempo indispensável, que é igual ao da jornada de trabalho dos pais, em que a criança está entregue à escola. Essa larga disponibilidade de tempo possibilita a realização de múltiplas atividades educativas, de outro modo inalcançáveis, como as horas de Estudos Dirigidos, a frequência à Biblioteca e à Videoteca, o trabalho nos laboratórios, a educação física e a recreação. O terceiro requisito fundamental para uma boa educação é a Capacitação do Magistério” (RIBEIRO, 1995, p. 22). Essas experiências contribuíram para um imaginário em que se vislumbra uma escola viva, pulsante, em contato com seu entorno e em diálogo com seus estudantes e que, no pensamento de Paulo Freire, se expressa na compreensão da relação indissociada entre a leitura de mundo e a leitura da palavra. Portanto, a compreensão da escola de tempo integral está referenciada na história das ideias pedagógicas da educação brasileira, sobretudo no compromisso democrático e republicano de uma escola para todos, lócus de enfrentamento de desigualdades sociais. 2. Mediante o legado desses pensadores e a complexidade contemporânea, uma Escola de Educação em Tempo Integral pode ser caracterizada pela superação do caráter parcial e limitado que as poucas horas diárias proporcionam, em estreita associação com o reconhecimento das múltiplas dimensões que caracterizam os seres humanos e com as múltiplas possibilidades de formação que se estabelecem na relação da escola com seu entorno, na perspectiva da expansão dos territórios educativos (MOLL, 2009). A parcialidade e limitação em questão são agravadas por contextos territoriais de vulnerabilidade social que expõem crianças, adolescentes e jovens às violências simbólicas e físicas que marcam uma sociedade desigual, na qual as possibilidades de acesso à ciência, à cultura, à tecnologia estão vinculadas ao pertencimento à classe social. Tal perspectiva dialoga com o Manifesto de 1932 quando este assevera que “é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional, sem se rasgarem a escola aberturas no maior número possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa para se desenvolver, recorrendo à comunidade como a fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência, numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade. (…), a escola deve utilizar, em seu proveito, com a maior amplitude possível, todos os recursos formidáveis, como a imprensa, o disco, o cinema e o rádio, com que a ciência, multiplicando-lhe a eficácia, acudiu à obra de educação e cultura e que assumem, em face das condições geográficas e da extensão territorial do país, uma importância capital.” (MANIFESTO…, 1932). 3. Na legislação educacional brasileira em vigor, especificamente no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990), nos artigos 34 e 87 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), no Plano Nacional de Educação (Lei n.º 10.179/01) e, mais recentemente, no Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, o FUNDEB (Lei nº 11.494/2007), retoma-se e ratifica-se o ideário de uma escola de tempo integral. De modo inédito, o FUNDEB estabelece financiamento diferenciado para matrículas em tempo integral, contabilizadas pelo Censo Escolar nos registros da jornada escolar com duração igual ou superior a sete horas diárias. Através do Decreto nº 7.083/2010, o governo Federal corrobora essa perspectiva instituindo o Programa Mais Educação com a finalidade de contribuir para a melhoria da aprendizagem por meio da ampliação do tempo de permanência de crianças, adolescentes e jovens matriculados em escola básica, mediante oferta de educação básica em tempo integral. O Programa Mais Educação constitui-se como ação indutora para a ampliação da jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação Integral.

BRASIL. Decreto nº 7.083, de 27 de janeiro de 2010. Dispõe sobre o programa mais educação. Diário Oficial da União, Brasília, 27 jan. 2010.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Institui as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, 23 dez. 1996.

BRASIL. Lei nº 10.179, de 06 de fevereiro de 2001. Dispõe sobre os titulos da divida publica de responsabilidade do tesouro nacional, consolidando a legislação em vigor sobre a materia. Diário Oficial da União, Brasília, 07 fev. 2001.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.

BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o fundo de manutenção e desenvolvimento da educação basica e de valorização dos profissionais da educação – fundeb,de que trata o artigo 60 do ato das disposições constitucionais transitorias; altera a Lei 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e da outras providencias. Diário Oficial da União, Brasília, 21 jun. 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Educação integral:texto-referência para o debate nacional. Brasília: MEC, 2009.

GUARÁ, I. É imprescindível educar integralmente.  Cadernos CENPEC, Brasília, n. 2, p.15-24, 2º sem. 2006.

O MANIFESTO dos pioneiros da educação nova (1932). Pedagogia em foco. Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb07a.htm>. Acesso em: 28 set. 2010.

LEMME, P. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade          educacional brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v.86, n.212, p. 63-178, maio/ago. 1984.

MOLL, J. Um paradigma contemporâneo para a educação integral. Revista Pedagógica Pátio, Porto Alegre, Ano 13, n. 51, p.12-15, 2009.

RIBEIRO, D. O Brasil como problema. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.

TEIXEIRA, A. Educação para a democracia. Rio de Janeiro. Editora da UFRJ, 1997.