FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES
Ao olharmos, historicamente, para o campo da formação docente, percebemos que a noção de formação foi, por muito tempo, restrita ao atendimento a cursos de preparação de professores nas universidades, nas instituições de ensino superior ou de ensino médio (curso Normal). A ideia de que a formação de professores não termina com a conclusão de um curso preparatório, seja de nível superior ou médio, começou a ganhar força, no Brasil, a partir da segunda metade dos anos oitenta. A formação de professores passou a ser comumente dividida em duas etapas: a formação inicial ou pré-serviço, de um lado, e a continuada ou em serviço, de outro. É importante frisar, no entanto, que em função das especificidades da educação brasileira, os termos formação pré-serviço e formação em serviço traduzidos e adotados acriticamente a partir das expressões em inglês preservice teacher education e in-service teacher education são bastante inapropriados por não se adequarem à realidade de várias regiões do Brasil, pois, como se sabe, existe ainda, no país, um grande contingente de pessoas que, ao ingressar em um curso ou programa de formação docente, em uma instituição de ensino superior, já atua no magistério há vários anos. A chamada formação continuada tornou-se, então, uma expressão bastante conhecida no Brasil, a partir dessa época.
Não tardou muito e sugiram várias críticas a esta visão compartimentada de degraus de formação. Defendeu-se a necessidade de superação dessa concepção da formação de professores como momentos estanques, que se encerram em si mesmos, e sugeriu-se que passássemos a examinar a formação docente como um processo que acontece em um continuum entre a formação inicial e a continuada. Tal ideia de formação passou a ser cada vez mais difundida nos meios acadêmicos brasileiros.
Todavia, infelizmente, a formação continuada ou contínua que conhecemos configura-se, na maioria das vezes, em ações isoladas, pontuais e de caráter eventual. Portanto, trata-se de uma formação muito mais descontínua do que propriamente contínua. Ainda predomina a visão da oferta de cursos de curta duração atualização, aperfeiçoamento ou, até mesmo, reciclagem (sic) ou de pós-graduação lato sensu em que os temas e os conteúdos ali tratados não necessariamente refletem as necessidades formativas dos docentes. Os professores passam a colecionar certificados mesmo que para isso se preocupem mais em assinar as listas de presença do que em participar efetivamente desses instantes de formação que podem significar um pequeno aumento percentual em seus já baixíssimos salários, mas que, geralmente, não trazem muitos ganhos para a melhoria de sua prática de ensino na sala de aula.
Em contraposição a essa situação de descontinuidade das ações de formação, discute-se hoje na literatura especializada a ideia do desenvolvimento profissional dos professores como uma concepção de formação não dissociada da própria realização do trabalho docente. Sendo assim, ao discutir a formação continuada de professores, não poderíamos nos esquecer do princípio da indissociabilidade entre a formação e as condições adequadas para a realização do trabalho docente (salários dignos, maior autonomia profissional, dedicação exclusiva a uma única escola, pelo menos um terço da jornada de trabalho para planejamento, reflexão e sistematização da prática, estudos individuais e coletivos, salas de aula com um número reduzido de alunos). Do contrário, poderíamos assumir, de um lado, uma posição de que tudo de ruim que existe na educação escolar acontece devido aos professores e sua má formação (tese da culpabilização) ou, de outro, a postura de que os docentes não têm nada a ver com os problemas atuais da escola, sendo, portanto, apenas vítimas de um sistema social e educacional perverso e excludente (tese da vitimização). Tais posições a primeira, em geral, adotada pelas secretarias de educação e a segunda, pelos sindicatos dos professores não são produtivas e pouco contribuem para o avanço do debate e para a solução dos problemas de nossos sistemas de ensino.
Dessa maneira, se garantidas as condições adequadas de realização do trabalho docente, concebe-se a escola como um locus privilegiado para o desenvolvimento profissional dos docentes, ou seja, um espaço de construção coletiva de saberes e práticas. A participação dos sujeitos nesse processo de construção é considerada, por si só, algo extremamente formativo. Tem-se, então, a ideia da escola como um projeto permanentemente em construção e os sujeitos que dele participam se formam coletivamente nesse processo. É importante ressaltar que a pesquisa investigação sobre a escola, o currículo, a sala de aula, os processos de ensino-aprendizagem por meio da utilização de métodos e instrumentos da pesquisa qualitativa, porém, para resolver problemas advindos da prática pedagógica é uma atividade fulcral nesse tipo de formação e desenvolvimento profissional.
Essa ideia de formação continuada não impede, porém, que os docentes se distanciem, de tempos em tempos, da realidade em que vivem, encontrem profissionais de outras escolas e vivenciem momentos intensos de estudos para fundamentação teórica de suas práticas, de trocas de saberes experenciais, de conhecimento de outras realidades, bem como de reflexão individual e coletiva sobre suas ações. Aliás, tais afastamentos periódicos e temporários, com remuneração integral dos salários, visando a uma maior qualificação profissional, passam a ser reivindicados como direito dos profissionais da educação.
Por fim, a literatura especializada é insistente em alertar que a não garantia das condições adequadas para realização do trabalho docente tem um efeito contrário em relação a essa ideia da escola como locus privilegiado de desenvolvimento profissional dos professores. A precarização das condições, a intensificação do trabalho e o maior controle sobre os docentes levam à deformação gradativa desses profissionais a patir do momento que eles se inserem nas redes de ensino.