PRÁTICA PEDAGÓGICA

Autores/as: ANNA MARIA SALGUEIRO CALDEIRA

Prática Pedagógica pode assumir diferentes sentidos e significados conforme a perspectiva teórico-epistemológica adotada.  

Numa perspectiva positivista, pressupõe-se a existência de uma realidade única que pode ser fragmentada em partes manipuláveis independentemente. Assim, só é considerado válido o conhecimento fundamentado na realidade tal como a captamos através de nossos sentidos. Como consequência, institui o valor do método científico e da medida estatística (CARR; KEMMIS, 1988). Logo, a teoria educativa é algo que se pode aplicar na prática; em uma palavra, a teoria educativa se converte em ciência aplicada (CARR; KEMMIS, 1988, p.72). Esse enfoque considera, portanto, que os princípios e as teorias podem orientar tanto o desenvolvimento de uma técnica de ensino, como a solução de problemas relacionados à disciplina e ao controle da sala de aula, à motivação e à avaliação. Nesse sentido, as teorias educativas devem se conformar às normas e critérios científicos (CARR; KEMMIS, 1988, p.75) e, como tais, devem ser aplicadas.

A prática pedagógica, nessa perspectiva, é o resultado da aplicação de conhecimentos teóricos extraídos de diferentes disciplinas científicas na resolução de problemas, percorrendo um caminho no sentido da ideia à ação, dos princípios teóricos à prática.

  Numa perspectiva interpretativa, a realidade é construída socialmente pelo homem, ao dar significado aos objetos, situações e experiências vividas. É o homem o verdadeiro criador do conhecimento e da realidade e, nesse processo de construção, dá-se ênfase ao caráter intencional da atividade humana.

Nessa visão, a prática se modifica mudando a maneira de compreendê-la. Essa nova compreensão da prática possibilita que o indivíduo reconsidere crenças e atitudes inerentes à sua maneira de pensar atual, sendo capaz de exercer uma influência prática. Assim, a relação teoria-prática é entendida como uma troca bidirecional: a deliberação prática está informada não só pelas ideias, mas também pelas exigências práticas de cada situação, uma vez que o juízo crítico e a mediação do critério do ator são sempre indispensáveis.

A prática pedagógica, nessa perspectiva, é o resultado de um processo que tem o seu início na própria prática, informada tanto pela teoria como pela situação particular vivenciada pelo ator.

Numa perspectiva histórico-crítica ou dialética, a realidade é concebida como totalidade concreta, como um todo que possui sua própria estrutura, que se desenvolve, que se vai criando. Portanto, todos os fenômenos e acontecimentos que o ser humano percebe da realidade fazem parte de uma totalidade, ainda que este não a perceba explicitamente. Assim, o conhecimento de fatos ou conjunto de fatos da realidade é o conhecimento do lugar que esses fatos ocupam na totalidade da própria realidade. E como a realidade não é transparente, para compreendê-la, é necessário captá-la por dentro, em seus processos, em suas múltiplas relações. Ou seja, o pensamento histórico-dialético resgata os princípios de especificidade histórica e de totalidade da realidade e, do ponto de vista metodológico, busca apreender e analisar os acontecimentos, as relações e cada momento como etapa de um processo, como parte de um todo (KOSIK, 1976).

A prática pedagógica, nessa perspectiva, é uma prática social e como tal é determinada por um jogo de forças (interesses, motivações, intencionalidades); pelo grau de consciência de seus atores; pela visão de mundo que os orienta; pelo contexto onde esta prática se dá; pelas necessidades e possibilidades próprias a seus atores e própria à realidade em que se situam. (CARVALHO; NETTO, 1994, p.59).

A Prática Pedagógica é entendida como uma prática social complexa, acontece em diferentes espaço/tempos da escola, no cotidiano de professores e alunos nela envolvidos e, de modo especial, na sala de aula, mediada pela interação professor-aluno-conhecimento. Nela estão imbricados, simultaneamente, elementos particulares e gerais. Os aspectos particulares dizem respeito: ao docente – sua experiência, sua corporeidade, sua formação, condições de trabalho e escolhas profissionais; aos demais profissionais da escola – suas experiências e formação e, também, suas ações segundo o posto profissional que ocupam; ao discente – sua idade, corporeidade e sua condição sociocultural; ao currículo; ao projeto político-pedagógico da escola; ao espaço escolar – suas condições materiais e organização; à comunidade em que a escola se insere e às condições locais.

Presentes também estão na prática pedagógica elementos gerais de sua constituição histórica, políticas públicas e o momento sócio-econômico-político em que se situam. Tais fatores podem interferir de modo direto ou indireto nas práticas pedagógicas, segundo políticas públicas estabelecidas (reformas gerais, implantação de novos currículos, submissão a processos de avaliação institucional, etc.) e também segundo momento histórico em que se vive (eleições de cargos públicos, paralisações de aulas e lutas das categorias docente e discente por seus direitos, etc.).

A Prática Pedagógica se constrói no cotidiano da ação docente e nela estão presentes, simultaneamente, ações práticas mecânicas e repetitivas, necessárias ao desenvolvimento do trabalho do professor e à sua sobrevivência nesse espaço, assim como ações práticas criativas inventadas no enfrentamento dos desafios de seu trabalho cotidiano. As ações práticas criativas abrem caminho para o sujeito-professor refletir, no plano teórico, sobre a dimensão criativa de sua atividade, ou seja, sobre a práxis (HELLER, 1977).

Nessa perspectiva, a prática pedagógica é práxis, pois nela estão presentes a concepção e a ação que buscam transformar a realidade, ou seja, há unidade entre teoria e prática. Nesse sentido, a prática e a reflexão sobre a prática se colocam como parte da própria prática, num movimento contínuo de construção, como parte da experiência vivida pelos sujeitos e elemento essencial de transformação da realidade.

Assim, a prática pedagógica não só expressa o saber docente como também é fonte de desenvolvimento da teoria pedagógica, pois, ao exercer a docência, de acordo com suas experiências e aprendizagens, o docente enfrenta desafios cotidianos – pequenos e grandes – que o mobilizam a construir e reconstruir novos saberes num processo contínuo de fazer e refazer. Como ocorre em um determinado contexto, pressupõe limites e possibilidades. Nesse sentido, a prática pedagógica se apresenta em constante estado de tensão.

Nessa perspectiva, o conceito de prática pedagógica é ampliado, entendido em sua unicidade com a teoria, numa relação de dependência e autonomia relativas (VAZQUEZ, 1977).

A historicidade é também uma dimensão relevante da prática pedagógica, pois permite pensar que professores e alunos, como sujeitos, incorporam e objetivam ao seu modo práticas e saberes dos quais se apropriaram em diferentes momentos e contextos de vida, depositários que são de uma história acumulada (EZPELETA; ROCKWELL, 1989, p.28).

A emergência da prática pedagógica como foco de muitas pesquisas nos anos mais recentes indica haver uma atenção especial a ela em análises dos sistemas e projetos educacionais, no sentido de valorizar as análises macro e micro da escola.

Bibliografia

CARR, W.; KEMMIS, S. Teoría crítica de la enseñanza: la investigación-acción  en la formación del profesorado. Barcelona: Martínez Roca, 1988.

CARVALHO, M. do Carmo B.; NETTO, J. P. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: Cortez, 1994.

HELLER, A. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Península, 1977.

KOSIK, K. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

EZPELETA, J. ; ROCKWELL, E. Pesquisa participante. São Paulo: Cortez, 1989.

VAZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.