SUPERVISÃO EDUCACIONAL

Autores/as: NAURA SYRIA CARAPETO FERREIRA

 

SUPERVISÃO, do inglês supervision, significa “supervisar, dirigir, orientar” (CUNHA, 1971, p. 816), “ação de velar sobre alguma coisa ou sobre alguém a fim de assegurar a regularidade de seu funcionamento ou de seu comportamento” (FOULQUIÉ, 1971, p. 452). Etimologicamente a palavra é formada pelos vocábulos super (sobre) e visão (ação de ver). Indica a atitude de ver com mais clareza uma determinada ação. No sentido estrito, significa olhar de cima, “captar” na totalidade dando uma ideia de visão global. Termo originário da administração de empresas é sinônimo de gerência – to manage – gerenciar, que significa controlar um processo em curso. “O controle é, de fato, o conceito fundamental de todos os sistemas gerenciais, como é explicitado por todos os teóricos da gerência. Sua origem está no antagonismo entre aqueles que executam o processo e os que se beneficiam dele, entre os que administram e os que executam, a partir de relações sociais que estruturam o processo produtivo” (FERREIRA, 2009, p.61). Oriunda da administração científica elaborada e sistematizada por Taylor (1947), a supervisão ou gerência faz parte da administração e é responsável pelo controle da qualidade do que é produzido. Como elemento constitutivo da administração, tem por princípios e metas o objeto a que se destina: a supervisão de empresas, ou gerência na empresa, visa controlar a qualidade do que é produzido na empresa de acordo com suas finalidades. Tal concepção inspirou a supervisão educacional ou escolar, nos Estados Unidos e, a partir daí, no Brasil e na América Latina, como elemento de controle da produtividade do ensino e do aperfeiçoamento da técnica, com a necessidade de implantação de reformas educacionais que atendessem às necessidades do modo de produção capitalista.

Embora chamada de ciência, a gerência de Taylor carece de características que lhe confiram essa categorização e suas pressuposições refletem a perspectiva do capitalismo com respeito às condições de produção. Ela dá ênfase à gerência da força de trabalho em detrimento da perspectiva humana. A tônica é o controle, a racionalidade funcional, numa perspectiva mecanicista, funcionalista e que de forma alguma se coaduna com o que se concebe ser a “promoção do homem”, e perfeitamente coerente com a racionalidade que caracterizou o modelo de desenvolvimento brasileiro desde 1964, expresso nas reformas educacionais de 1968 e 1971.

SUPERVISÃO EDUCACIONAL aparece no cenário educacional como inspeção predominantemente na Primeira República (1889-1030) e se revigora com as alianças entre Brasil e Estados Unidos na década de 50, através dos cursos promovidos pelo Programa Americano-Brasileiro de Assistência ao ensino elementar- PABAEE – que formou os primeiros supervisores no Brasil. Essa formação priorizava os meios e as técnicas em detrimento dos conteúdos nos ditames do tecnicismo predominante nesse período histórico, como afirma Saviani (1983, p. 15-16), ao sistematizar as teorias de educação no Brasil. Em decorrência dessa influência, a Lei nº 5.540 exarada em 28 de novembro, implanta no curso de Pedagogia as habilitações, chamadas, indevidamente, de especializações, entre as quais a supervisão escolar, operacionalizadas através do Parecer nº 252/69 e da Resolução nº 2/69 que estabelece os currículos mínimos do Curso de Pedagogia.

Supervisão educacional significa controle de uma determinada qualidade do que está sendo produzido na educação que se processa na escola e em todos os âmbitos educacionais, do ponto de vista intencional e operacional. Trata-se de uma determinada qualidade que se expressa por uma política intencional e operacional explícita e expressa, construída coletivamente a partir do exarado na Lei nº 9.394/96. É o compromisso e a responsabilidade do processo pelo qual se orienta a escola em sua totalidade, para a consecução de suas finalidades. Significa “cuidar” da qualidade da educação em desenvolvimento, desde a formulação das políticas públicas às políticas educacionais mais específicas, até a avaliação coletiva de todo o desenvolvimento. Superando a concepção antagônica da divisão técnica do trabalho entre aqueles que executam o processo e os que se beneficiam dele, tem por responsabilidade garantir a qualidade da produção coletiva da educação que se desenvolve no seio do fenômeno educativo, nos termos de Cury (1985, p. 87-134), no domínio das políticas públicas e da gestão da educação. Trata-se do controle desde o planejamento, o desenvolvimento e a avaliação do projeto político pedagógico/acadêmico numa construção coletiva com a totalidade da instituição escolar. Implica, como elemento constitutivo da gestão da educação, garantir a qualidade expressa na concepção e nos objetivos das políticas públicas, na gestão da educação e no projeto político pedagógico. Inicialmente, foi entendida como o procedimento pelo qual um sistema escolar melhora seu programa de estudo e ensino (WILES, 1950; FRANSETH, 1961; APARÍCIO, 1971; LEMUS, 1975) e tem sido desempenhada pelo chamado orientador ou coordenador pedagógico com encargos diversos como: observar o cumprimento dos programas, orientar e acompanhar os professores, a elaboração dos instrumentos e o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, zelar pela qualidade das aulas, etc. A supervisão pedagógica, como denomina Rangel (1988, p. 13-14), é um trabalho de assistência ao professor em forma de planejamento, acompanhamento, coordenação e controle, avaliação e atualização do desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem”; “processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional” (ALARCÃO; TAVARES, 1987, p. 18). Saviani (1981, p. 23) assinala que “o conhecimento profundo da realidade educacional, tal qual ela se dá no dia a dia, faz da supervisão a assessoria ideal de programas e planos educacionais, já que ela pode ser a porta-voz dos interesses e aspirações das populações estudantis que vivem o processo educativo. Dessa forma a supervisão poderia contribuir de maneira inovadora e construtiva para a reformulação de leis e estruturas educacionais superadas pela realidade, traduzindo os sistemas e normas de valores realmente vigentes na sociedade e não meras adaptações de modelos importados ou criações alienadas de uma minoria tecnocrata.

Portanto, não se trata de coordenação e controle fundamentados na perspectiva fragmentada da divisão de trabalho de estrutura vertical e sim supervisão educacional compreendida na perspectiva democrática, como prática profissional do educador comprometido com os princípios da carta magna da educação que propõe uma outra visão de mundo e de sociedade que se quer e almeja, mais justa, fraterna, solidária, igualitária e humana, seriamente articulada com as políticas, o planejamento, a gestão, a avaliação da educação e o ensino. Tem-se, assim, a supervisão como atividade teórico-prática articuladora, dinâmica e cônscia de seu papel histórico na educação brasileira, como prática profissional do educador “comprometido com o significado e as implicações sociopolíticas da educação” (RANGEL, 1988, p. 13-14). “Um novo conteúdo se impõe hoje para a supervisão educacional: novas relações e compromissos desafiam os profissionais da educação não só voltada para a qualidade do trabalho educativo e suas rigorosas formas de realização, mas também e, sobremaneira, compromissada com a construção de uma novo conhecimento – o conhecimento emancipação” (FERREIRA, 2010, p. 237) que permita desenvolver seres humanos fortes intelectualmente, ajustados emocionalmente, capazes tecnicamente e ricos de caráter” (FERREIRA, 2008 p. 113) na convivência sadia que se dá através do diálogo e do respeito na construção coletiva de uma sociedade democrática verdadeiramente humana.

Bibliografia

ALARCÃO, I.; TAVARES, J. Supervisão da prática pedagógica: uma perspectiva de desenvolvimento e aprendizagem. Coimbra: Almedina, 1987.

APARÍCIO. L. Tópicos iniciais sobre supervisão da educação. São Paulo: Curso para Administradores e Supervisores da Educação na América Latina, 1971.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 29 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996.

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CUNHA, A. G. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1971.

CURY, C. R. J. Educação e contradição. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1985.

FERREIRA, N. S. C. Supervisão educacional:uma reflexão crítica. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

FERREIRA, N. S. C. Gestão democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

FERREIRA, N. S. C. Supervisão educacional no Brasil: trajetória de compromissos no domínio das políticas públicas e da administração da educação. In: FERREIRA, N. S. C. Supervisão educacional para uma escola de qualidade. 8. ed. São Paulo: Cortez , 2010. p. 235-254.

FOULQUIÉ L. R. Dictionnaire de la langue pédagogique. Paris: PUF,1971.

FRANSETH, J. Supervision as leaderhip. Evanston: Row , Peterson, 1961.

LEMUS, L. A. Administración, dirección y supervisión de escuelas. Buenos Aires: Kapelusz, 1975.

RANGEL, M. Supervisão pedagógica: um modelo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1988.

SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Cortez , 1983.

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SAVIANI, D. Valores a supervisão: fundamentação sociológica. Seminário de supervisão pedagógica. Brasília: MEC, 1981.

TAYLOR, F. W. Principles of scientific management. New York: Harper & Row, 1947.

WILES, K. Supervision for better schools. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1950.