TRABALHO PEDAGÓGICO

Autores/as: LILIANA SOARES FERREIRA

Por trabalho pedagógico entende-se todo o trabalho cujas bases estejam, de alguma forma, relacionadas à Pedagogia, evidenciando, portanto, métodos, técnicas, avaliação intencionalmente planejadas e tendo em vista o alcance de objetivos relativos à produção de conhecimentos. Normalmente atribuído aos professores, o trabalho pedagógico pode ser realizado também por sujeitos que não são licenciados ou não estão na condição de professores. Quando o trabalho acontece em uma instituição educacional, faz-se necessário, de algum modo, ser representativo do projeto pedagógico institucional. Por esses motivos, não é um trabalho simples, pois, mais do que saberes, exige interação com outros sujeitos, possibilidade de linguagens em interlocução e conciliação entre a proposta e um referencial teórico-metodológico. E esta tem sido a grande questão quando se aborda o tema.

Desde Comenius, no século XVII, há a tentativa de elaborar uma prescrição de um trabalho pedagógico universal. Comenius (1592-1670), em sua Didática Magna, inaugura uma série de descrições de uma metodologia que possibilitaria ensinar tudo a todos. Quase dois séculos depois, Rousseau (1712-1778) contrapôs-se a tal perspectiva, suprimindo as escolas, mas mantendo uma concepção de trabalho pedagógico com vistas à produção natural do conhecimento e relacionando educação e natureza, em uma época, a iluminista, na qual o Estado passa a ser, paulatinamente, responsabilizado pela educação pública. Outros autores dedicaram-se a esse objetivo: Kant (1724-1804), em A Pedagogia (2002), atribuindo ao trabalho pedagógico também uma função moralizante; mais tarde, em uma perspectiva pragmática, John Dewey (1859-1952) reafirmou a função social da escola, propondo que o trabalho pedagógico dos professores era um modo de propiciar uma vivência democrática para os estudantes; e assim, sucessivamente, a intenção dos autores tem sido encontrar um modo de caracterizar o trabalho pedagógico com base em uma perspectiva teórica explicitada.

Na contemporaneidade, há autores que abordam temas relativos ao trabalho pedagógico em relação a um contexto social marcado pelas características atuais da sociedade capitalista, considerando-o como trabalho dos professores, portanto, afetado por diversos processos, tais como: precarização, fragmentação, intensificação e performatividade. Argumentações sobre esses processos, no Brasil, são encontradas em obras de Oliveira (2003), Hypólito (1997, 1999), Shiroma e Evangelista (2004), além de muitos outros autores. Entretanto, salienta-se que trabalho docente, trabalho dos professores e trabalho pedagógico mantêm diferenciações quanto aos sentidos, correspondendo, respectivamente, as duas primeiras expressões ao trabalho realizado pelos profissionais da educação e a última ao trabalho realizado por sujeitos que pretendem produzir conhecimentos. Do mesmo modo, há autores como Apple (1982, 1995), McLaren (1991) e, antes deles, Althusser (1985) e Bourdieu (1989) que denunciaram o fato de o trabalho pedagógico, inserido na sociedade capitalista, ser utilizado para inculcar valores e crenças próprios dessa formação social, contribuindo, de alguma maneira, para reproduzir e manter a diferença entre os grupos sociais. Desvelar esse caráter ideológico tem sido a luta dos professores que se apresentam como críticos. Assim, quando se analisa o trabalho pedagógico, entendendo-o como trabalho dos professores, inserindo-o no contexto da sociedade capitalista, inevitavelmente, acaba-se por salientar que não é um trabalho neutro, está eivado de influências ideológicas e denota relações intensas de poderes.

Cabe, ainda, detalhar compreensões de pedagógico. Denomina-se pedagógico o conjunto de elementos que são intercomplementares e estão imbricados em um projeto de educação: os movimentos, os poderes, as crenças, as linguagens, as subjetividades e as rotinas. Quando o pedagógico está inserido na escola, apresenta-se regulamentado, institucionalizado, normatizado, além de incidirem sobre ele determinadas relações de poderes, próprias daquele espaço e daquele tempo. O pedagógico é, então, entendido como um elemento relacional entre os sujeitos, não existe a priori, nem tampouco existe senão na interação, através da linguagem, perpassando toda a dinâmica da educação e, mais precisamente, é a centralidade do trabalho dos professores. Conhecer tal centralidade, tendo os professores como sujeitos, significa adentrar cada vez mais no arcabouço epistemológico que fundamenta a práxis pedagógica, ou seja, entender e dar novos sentidos a um cotidiano, o que exige um contínuo estudo, revisitar os teóricos da educação como fontes para comparar a proposta de aula, redimensioná-la e, até mesmo, entendê-la. Assim, o trabalho pedagógico se revitaliza, tornando-se planejado, teoricamente sustentado, socialmente elaborado conforme intencionalidades e conhecimentos.

Em suma, trabalho pedagógico é a produção do conhecimento, mediante crenças e aportes teórico-metológicos escolhidos pelos sujeitos, que acontece em contextos sociais e políticos os quais contribuem direta ou indiretamente. Diretamente, porque perpassam o trabalho pedagógico. Indiretamente, quando não são explícitos, todavia, todo trabalho pedagógico é intencional, político e, de algum modo, revela as relações de poderes que nele interferem.

Bibliografia

ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: notas sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal. 1985.

APPLE, M. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982.

APPLE, M. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

COMENIUS, J. A. Didática magna: tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1966.

KANT, I. Sobre a pedagogia. 4. ed. São Paulo: Ed. UNIMEP, 2002.

HYPOLITO, A. M. Trabalho docente, classe social e relações de gênero. Campinas: Papirus, 1997.

HYPOLITO, A. M. Trabalho docente e profissionalização: sonho prometido ou sonho negado? In: VEIGA, I.; CUNHA, M. I. Desmistificando a profissionalização do magistério. Campinas: Papirus, 1999. p. 81-100.

MCLAREN, P. Rituais na escola. Petrópolis: Vozes, 1991.

OLIVEIRA, D. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho docente. In: OLIVEIRA, D. (Org.). Reformas educacionais na América Latina e os trabalhadores docentes. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. p. 13-38.

SHIROMA, E. O.; EVANGELISTA, O. A colonização da utopia nos discursos sobre profissionalização docente. Perspectiva, Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 525-545, 2004.