FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO
Designação do processo sócio-político-cultural desencadeado pela crescente presença das mulheres no trabalho docente. Verifica-se no conjunto das sociedades ocidentais, a partir da segunda metade do século XIX, com algumas especificidades localizadas. É atribuída, em grande parte, à universalização da escola. A escolarização fundamental como obrigação do Estado e direito inalienável das crianças e jovens expande um campo de trabalho proclamado, de acordo com preceitos patriarcais e moralistas, como adequado e recomendável aos contingentes femininos. Com formação marcada pela religiosidade, dóceis e submissas, as mulheres foram convocadas para a missão de educar, concebida como um prolongamento da vocação maternal. As importantes transformações culturais, sociais, econômicas e políticas que se esboçam já ao final do século XIX abriram espaço, em nosso País, para o incremento da entrada das mulheres das camadas médias no mercado de trabalho, sendo o magistério primário uma das ocupações femininas socialmente aprovadas. Os quadros docentes da escolarização inicial foram amplamente feminizados e as professoras subordinadas às burocracias escolares em que os homens ocupavam os cargos diretivos. Discursos religiosos, biológicos e pedagógicos articularam-se para naturalizar o magistério como trabalho de mulher (COSTA, 2006). Análises sociológicas, assim como análises históricas e culturais, têm investigado a feminização do magistério e apontado para um conjunto de consequências desse fenômeno sobre a profissão docente. Do ponto de vista sócio-histórico, o final do século XIX e as primeiras décadas do XX assinalaram grande vitalidade e valorização do magistério. Essa condição é atribuída ao fato de a escola e a instrução encarnarem o progresso, sendo os quadros docentes seus agentes principais. A renovação pedagógica instaurada pelo movimento da Escola Nova traz para o campo da educação conhecimentos sociológicos e psicológicos que contribuem para o estatuto científico do trabalho pedagógico, fortalecendo sua importância e valorização social (NÓVOA, 1991). Inclusive a literatura registra o prestígio social e a remuneração expressiva das professoras que integram os quadros do magistério (SILVEIRA, 1994). Contudo, já na terceira década do século XX, emergem e se avolumam, em muitos países, indícios de declínio do status social da profissão do ensino, fenômeno que será analisado pela sociologia e interpretado por uma de suas correntes mais proeminentes como proletarização do trabalho docente. A tese da proletarização da docência denuncia a degradação das condições de trabalho nas escolas capitalistas e importantes análises expõem o trabalho docente submetido a um processo de racionalização cujas consequências são a perda de controle dos professores sobre suas funções (LAWN; GRACE, 1990; ENGUITA, 1991, entre outros). A partir dos anos 1980, estudos que introduzem a categoria gênero (LOURO, 1989, 2002; LOPES, 1991; APPLE, 1988, 1995; COSTA, 1995; COSTA; SILVEIRA, 1998; CARVALHO, 1998, entre outros) vão contribuir para evidenciar possíveis conexões entre a proletarização do trabalho docente e a feminização do magistério. Embora não tenham exclusivamente esse objetivo, tais trabalhos indicam que uma carreira majoritariamente povoada por mulheres incorpora elementos da política cultural mais ampla, historicamente marcada pela regulação e governo das identidades e subjetividades femininas. Em vista disso, parece ter sido mais ou menos natural tanto moralizar as práticas (como ocorre intensamente no século XIX e início do XX) como delimitar e estruturar o campo de ação das professoras. Ainda hoje, profissões feminizadas são mais susceptíveis ao controle assim como, frequentemente, as mulheres têm remuneração inferior. Walkerdine (1995) questiona qualquer concepção essencialista na vinculação entre magistério e gênero feminino e defende que as ações de homens e mulheres devem ser entendidas dentro de um quadro constituído por fantasias e representações míticas, envolvendo as distinções sexuais. É nesse sentido que certas qualidades socialmente atribuídas às mulheres disciplinadas, ordeiras, cuidadosas, esforçadas contribuíram para que nelas fosse reconhecida uma natural vocação para formar futuros cidadãos, racionais, autônomos, livres e obedientes à lei. Apesar das profundas mudanças no panorama cultural do final do século XX e início do XXI, no conjunto das movimentações que produzem significados sobre o magistério ainda persiste o atrelamento dessa ocupação a aspectos culturais e sociais implicados em questões de gênero. A carreira do magistério continua marcada como trabalho de mulher e, como tal, vinculada à visão dominante, de herança patriarcal, em que as mulheres são posicionadas como guardiãs da virtude, da moral e da ordem, e naturalmente vocacionadas para a maternagem, os cuidados, o afeto e a abnegação. Inúmeros estudos seguem expondo e problematizando as conexões entre magistério e gênero feminino na política cultural da identidade, uma amostra desses trabalhos pode ser encontrada em Silveira (2002) e Costa (2006).