MASSIFICAÇÃO DO ENSINO
Massificar é fazer multitudinário o que não era segundo a Real Academia Espanhola. A massificação do ensino refere-se à expansão quantitativa da escolarização em cada nível do sistema educativo (que era para poucos e passa a ser para muitos). Compreender os processos de massificação do ensino na América Latina (AL) exige enquadrá-los historicamente no desenvolvimento desigual e combinado de seu sistema econômico social (PUIGGROS, 1984), particularmente na desigualdade do acesso ao bem educação. Entende-se, portanto, que o processo de massificação do ensino também é desigual, tanto entre os países da região como no interior de cada um deles.
A construção dos Estados-Nação na AL, nas últimas décadas do século XIX e nas primeiras do XX, teve entre seus pilares a edificação de sistemas escolares que sustentavam a obrigatoriedade da educação básica, não sem conflitos e polêmicas. Os Estados em geral assumiram a responsabilidade de gerar as condições para a escolarização de todas as crianças em idade (edifícios, salários docentes, etc.). Por isso, referimo-nos à universalização (não à massificação da educação primária), já que, por um lado, abarca o conjunto da população em idade escolar correspondente e, por outro, refere-se àquilo que é comum a todos (tanto o direito à escolarização básica como aos saberes/seleção da cultura que nela se transmite). Certamente houve diferenças importantes nos distintos países da região, dado que o desenvolvimento de cada sistema educativo nacional foi relativamente consonante com o do estado e das instituições de cada sociedade civil. Produto de mais de um século, a escolarização primária tem se universalizado na região (em 2010, a taxa de escolarização primária líquida é de 92,7% (ORGANIZACIÓN DE ESTADOS IBEROAMERICANOS, 2008)). Por outro lado, os colégios secundários que foram criados na segunda metade do XIX tinham por objeto formar futuros dirigentes; isto é, produzir uma seleção meritocrática, hierarquia social. É apenas a partir da metade do século XX que se inicia na AL uma clara expansão da escola média, da mão de um modelo de Estado de Bem-estar. Mas o processo de massificação da escola secundária começa a difundir-se a partir dos anos 80 e se consolida nos anos 90, com importantes variações segundo os países. Em um contexto de enfraquecimento do Estado, de ajuste do gasto público, de crescimento da pobreza e do desemprego e de enfraquecimento dos tecidos sociais e culturais (e com a consequente deterioração das condições de escolarização), as reformas educativas trazem a questão da massificação do ensino médio. Registra-se um crescimento na escolarização dos adolescentes (seja na escola média ou com atraso na básica). Não se trata de políticas universais, mas de políticas dirigidas a setores específicos, identificados por problemáticas específicas. Assim, a massificação dos anos 90 não é uma política universalista, mas trata apenas da construção de uma política de expansão quantitativa vinculada a políticas focalizadas de atenção a populações de risco que são justamente aquelas que se incorporam durante o período. Por outro lado, a massificação do nível operou uma redistribuição que fez com que crescesse tendencialmente a matrícula na escola média pública com novos jovens que frequentam a escola secundária (o que significou o acesso de estudantes que são a primeira geração da família a alcançar o nível), enquanto os setores mais abastados se concentram cada vez mais no setor privado. Isto é, a massificação (e a conseguinte heterogeneização da matrícula) se concentra no setor público em um contexto de políticas neoliberais de ajuste estrutural. Tal crescimento da educação média estimula também a educação superior, o que se faz visível nas taxas de crescimento de sua matrícula. Atualmente a escolarização é, simultaneamente, cada vez mais precoce e prolongada: assistimos a passagem dos sistemas tripartites aos quinquepartites; isto é, de primário-médio-superior (séculos XIX-XX) a inicial-primário-médio-superior-pós-graduação (finais do XX-XXI).
O debate e a pesquisa sobre a massificação do ensino na AL apontam em primeiro lugar para a eficácia desses processos nas últimas décadas, evidenciado por um crescimento notável da matrícula escolar. Ao mesmo tempo, esses estudos sustentam que a expansão quantitativa caminha lado a lado com a ineficiência interna do sistema (repetência, distorção idade-série, etc.). Outros estudos mostraram que a massificação, enquanto incremento da matrícula, não produz necessariamente uma democratização ou distribuição mais justa do capital cultural. Pelo contrário, a ampliação do acesso à escola é parte da produção de renovados processos de inclusão/exclusão que implicam, entre outros, novas formas de produção das elites (se a educação média ou superior já não hierarquiza, então se criam outros níveis e/ou formas de elitização). Uma massificação que democratiza o acesso à escola e que, no mesmo ato de fazê-la acessível, perde o valor de exclusividade. As pesquisas também mostraram que com a massificação no contexto das novas desigualdades, nos sistemas educativos se produzem novos processos de diferenciação (horizontal e vertical) e se aprofundam os circuitos de escolarização (em alguns casos, produzem-se novos processos de fragmentação do campo institucional que implicam na reconfiguração das trajetórias profissionais dos docentes).
Diversos estudos mostram que, em termos gerais, as políticas públicas de massificação têm promovido mudanças no dispositivo escolar para a recepção dos novos adolescentes e jovens, ao mesmo tempo em que produziram um deslocamento da responsabilidade do estado em direção aos indivíduos: conforma-se assim um processo de responsabilização e/ou culpabilização de cada docente pelos resultados escolares de seus alunas/os. Apesar da mudança nas fronteiras entre as escolas e seu entorno, as formas institucionais pareceram permanecer imóveis frente aos novos rostos e aos desafios que eles apresentam ao formato escolar. Porém, com a massificação, as condições do ensino se alteram profundamente, já que se incorporam à escola não apenas adolescentes, mas aqueles que, por diferentes formas de exclusão cultural, social e econômica, provêm de âmbitos alheios à escola secundária, com outras necessidades e potencialidades. Produz-se assim uma complexificação pedagógica indiscutível, reforçada ainda pelo conjunto das transformações contemporâneas. Essa complexificação tem tido um forte impacto na organização do trabalho docente e suas condições, tanto em termos pedagógicos como em termos de emprego. O incremento da matrícula a ser atendida resolveu-se, por um lado, aumentando consideravelmente a razão docente/aluno por sala e, por outro, aumentando o número de docentes (o que em alguns países significou processos massivos de formação e retitulação para cobrir a ampliação). Desse modo, há um crescimento do peso relativo do número de docentes no conjunto da massa assalariada de cada país (na Argentina, por exemplo, passou de 4,8 em 1980 para 9,2% em 2001). Junto com esse incremento, existe uma deterioração tanto da condição salarial como dos salários docentes e, ao mesmo tempo, um processo de intensificação do trabalho docente em termos pedagógico e burocrático (necessidade de renovar os processos de ensino, ampliação de tarefas e atribuições ante a escassez de recursos escolares e a diversificação das demandas do alunado, mudanças e incremento de funções mais ou menos explícitas, etc.).